Книга - As Lendas Da Deusa Mãe

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As Lendas Da Deusa Mãe
Pedro Ceinos Arcones


Tradução de mitos e lendas relacionados com as deusas e matriarcas da China.

Nas remotas tradições das minorias étnicas da China, abundam histórias que destacam o papel criador e civilizador desempenhado pelas deusas ou divindades femininas.

Entrando no mistério que envolve o papel principal da mulher na origem e desenvolvimento social da humanidade, lendas da deusa mãe apresenta pela primeira vez ao leitor ocidental o coração da mitologia feminina dos povos da China, através de quarenta dos mitos mais representativos, a maioria dos quais nunca se havia traduzido a nenhum idioma europeu. A coleção é de uma riqueza incomparável, e seu estudo traz à luz as principais características das sociedades matriarcais da China, bem como as razões pelas quais elas desapareceram. As histórias que compõem esse livro, compiladas através do imenso território chinês, pertencentes a povos que vivem em ambientes muito diferentes e que falam uma grande variedade de línguas pertencentes a diferentes famílias, mostram a deusa como peça fundamental na criação das primeiras sociedades humanas e no nascimento da cultura primitiva que começou a diferenciar o ser humano dos animais.







As lendas da

Deusa Mãe



(e outros mitos de deusas e mulheres dos povos da China)



Pedro Ceinos Arcones



Traduzido por



Luzia Ribeiro


© Pedro Ceinos Arcones 2020



Traduzido por; Luiza Ribeiro.

Do original:

“Leyendas de la Diosa Madre y otros

Mitos de diosas y mujeres de los

Pueblos de China. Miraguano

Ediciones. Madrid, 2007.



Publicado por Tektime



Contato: peceinos@hotmail.com



Índice

Introdução (#ulink_bb81eb9f-f0bc-53df-9186-eb747eb9c81f)

Mitos das deusas chinesas (#ulink_3213e0ae-3a79-59fe-864e-b98caca2c17d)

Capítulo 1. (#ulink_fde09e62-43d7-52a1-9030-82ec70f85162)

A deusa criadora (#ulink_3988deb7-4978-5f2c-97ae-1e0d441f81da)

Miliujia. A deusa criadora dos Zhuang. (#ulink_5f368562-d5b3-5fd4-8360-61a4390db1a8)

Miluotuo. A deusa dos Bunu Yao (#ulink_b2486049-15f1-5aa6-b85b-e01a44211249)

A deusa Yaxian cria a humanidade. Um mito dos Shui (#ulink_74603822-74b6-5140-9f44-302645358d2d)

A Menina do Sol, a origem dos Elunchunes

Amoyaobai, a deusa dos Jino (#ulink_9a49cdbb-3f88-5a96-80ec-43bea9dbd475)

A origem das oferendas aos ancestrais. Uma lenda Jino. (#ulink_c91d2eab-77c6-5ae3-9e50-635d9a8189c5)

A mãe Taporang, criadora da humanidade entre os Hani. (#ulink_864aadfd-41a4-5d64-b3e5-fa895a175895)

Ema, deusa dos Hani (#ulink_4020cf14-7aee-5a9e-8f2f-561edb4ee64e)

A lenda da criação do mundo dos Ewenki (#ulink_c9c850ed-9e72-5698-bc2f-b21828a0f39e)

A origem dos ramos dos Deang (#ulink_b507a758-11e3-5294-8c12-521814b13352)

A Deusa do Céu cria o mundo. Um mito Uygur. (#ulink_1f7e45e9-67f4-5ebb-87ee-149b83a92c40)

A Deusa do Céu cria o mundo. Um mito Uygur. (#ulink_1f7e45e9-67f4-5ebb-87ee-149b83a92c40)

Maider cria o céu e a terra. Mito dos mongóis Oiratos (#ulink_ed35c4d0-09e3-5ab6-a3a5-b6437971c1e8)

Fragmentos de “A guerra do paraíso”. Um mito Manchú (#ulink_4753fe3e-fa32-55bd-b1fe-d8a4eb1afb84)

Oração à Deusa do Arroz dos Wa (#ulink_7ea4aca3-b9d4-5c7d-9b56-7c16359c589e)

Criação do céu e da terra entre os Miao

A deusa Shatianba cria o mundo dos Dong.

Nuwa cria a espécie humana. Um mito chinês (#ulink_23ef6f8a-474c-5035-b01d-ec8b4d83a59f)

Capítulo 2.

A deusa

civilizadora

A deusa da Caça dos Nu (#ulink_ee408699-e018-5ee3-b54a-e60e959f8de7)

A Deusa do Sol dos Jingpo (#ulink_631327cc-5d2a-561d-b704-9ec07c342971)

Baiyungege, a deusa Manchú (#ulink_ad2322b8-5364-5fac-9b5c-63226edb24dd)

Fugulun, mãe dos manchúes (#ulink_d4d67152-f9db-5456-a22f-b7fb0e68f4ee)

A Mulher Pássaro. Um conto dos Dai. (#ulink_7815db3d-dc7e-5847-9700-7ac47329dc96)

A Menina Elefante. Um conto dos Dai. (#ulink_5df5236d-0edb-52d2-bf57-f1df0276ee23)

A Mulher Dragão. Um conto dos Dai. (#ulink_4c33d659-69fa-5cb4-a596-a21a311cb470)

A bondade da deusa. Lenda dos mongóis (#ulink_46cd9c26-3f0d-5d80-b434-5089c4cd0fbc)

A Deusa do Arroz dos Dai (#ulink_b045fd2e-b5ee-560e-9846-ba54aabe3ea7)

A deusa Tana dos Pumi (#ulink_2d18d375-b74f-5b91-8c10-5a125a63733f)

Capítulo 3.

Em tempos matriarcais

Canção dos antepassados do mundo dos Yi

A origem da medicina entre os Yi (#ulink_ceb2a648-86e7-5c6e-bbb4-b8d7adb013d7)

A Deusa do Céu dos Bulang

A filha de Deus do Lago (#ulink_57a37414-f464-501b-9e6d-34feba424b46)

A princesa Pargo Vermelha, um conto chinês (#ulink_10500e02-6f26-5ce0-b299-4c1fa0468ca1)

A origem dos povos segundo os Pumi

Os animais de estimação foram trazidos pelas mulheres. Conto dos Wa (#ulink_ec14e674-fb2d-5c25-ba6f-7bb72b50e457)

Capítulo 4

O fim das Amazonas ou o fim do matriarcado.

Cuoriapu conquista o Reino das Mulheres. Uma lenda dos Yi (#ulink_f72fc5c3-8312-52af-b4c6-c75de11f2c70)

Como os homens ficaram inteligentes. Um conto Lisu (#ulink_2677f52e-9588-53a1-9ea6-055f794d561b)

O fim da era dourada das mulheres. Lendas chinesas

Três histórias dos cinturões Deang (#ulink_57f740ca-9199-55f9-b373-0b6cd3526e8a)

Como a mulher cede o poder ao homem entre os Wa (#ulink_16464bb8-cea6-5096-b38f-902ed24fb317)

Shilaete tem um pai. Uma lenda dos Nosu (#ulink_d4dd9a9a-3e95-5107-9387-daef232c61f7)

Bibliografia (#ulink_9d9a2249-c08d-5316-aa94-49101ccf4f78)









Introdução


Qualquer pessoa que conhecer as literaturas das minorias do sul da China descobrirá muitas obras onde a protagonista é uma deusa ou divindade feminina. Seja dedicada à criação do mundo (sozinha ou acompanhada de uma divindade masculina), à da raça humana, ou à instrução de uma humanidade ou de seus ancestrais nas noções básicas da cultura neolítica (caça, agricultura, pecuária), as divindades femininas desempenham um papel central na origem e no desenvolvimento da humanidade.

Nos últimos tempos foram publicados muitos trabalhos que defendem o caráter matriarcal de boa parte das sociedades estabelecidas antigamente no território da Europa e do Oriente


, caracterizadas pelo culto à deusa em suas diversas manifestações: como criadora do cosmos e da humanidade, como iniciadora nos segredos da existência e como renovadora do mundo alternando entre a vida e a morte, permitindo a continuidade de tudo o que existe. Esse é um assunto que, de nenhuma forma, obteve unanimidade entre a comunidade acadêmica, mas que permanece no centro dos debates com evidentes conotações políticas.

Precisamente por ser um assunto em debate permanente, e pelas consequências que pode ter na vida atual, considerei necessário fornecer alguns fatos relacionados com os povos da China.

Meu interesse pela cultura das minorias na China me levou a conhecer a existência de sociedades como a dos Moso, onde a herança é transmitida através da linhagem feminina e a vida social é organizada em torno das famílias matrilineares; a dos Jino que tiveram líderes mulheres até poucas gerações atrás; a dos Yi, também com várias autoridades femininas; ou a dos Lahu com a sua evidente igualdade de gênero. Essa série de fatos me levou ao questionamento se seria possível estabelecer uma relação cultural, ao menos hipotética, entre as sociedades matriarcais do antigo Ocidente, e as do presente ou do passado recente documentado em fontes históricas do Extremo Oriente, na qual o papel predominante era desempenhado pelas mulheres.

Aprofundando um pouco mais na cultura desses povos indígenas da China, encontrei diversos mitos, lendas, fatos históricos, rituais e costumes que sugerem que, em um passado mais ou menos distante, as mulheres ocupavam uma posição social de destaque. Entre seus mitos, me chamou particularmente a atenção os diversos relatos que destacam o papel criador ou civilizador da mulher, bem como os que descrevem de forma detalhada como a mulher perdeu esse papel dominante nessas sociedades.

Conforme eu ia descobrindo novos mitos que reforçavam o papel da mulher nas sociedades indígenas da China, ia aumentando meu desejo de encontrar outros mitos semelhantes em povos diferentes. O resultado dessa pesquisa um tanto obsessiva foi que acabei reunindo muitas histórias interessantes que, abrangem os povos que vivem em diferentes regiões da China, e transformam a mulher na protagonista da história. Dessa forma, o que era no início somente um esforço para documentar a presença feminina na vida das minorias, que deveria incluir também os rituais, costumes e descrições histórias, foi crescendo tanto, que me pareceu apropriado traduzir e apresentar esses mitos, enquanto sigo pesquisando os traços dessas sociedades matriarcais da China antiga na cultura das minorias da China moderna.

Ao deixar de lado, temporariamente, o trabalho de pesquisa e substituí-lo pelo de tradução entendi que o interesse por essas histórias é multifacetado: primeiro porque apresentam ao leitor uma série de mitos, a maioria nunca traduzidos em nenhuma língua ocidental; segundo porque permitem vislumbrar alguns dos temas mais comuns nas mitologias dos povos da China (a criação do mundo, o dilúvio, o casamento entre irmãos, a aparecimento de diversos sóis, etc.); terceiro porque abrangem regiões geográficas tão distantes que permitem validar, ao menos regionalmente, os temas do leste da Ásia; quarto, por sua homogeneidade no tratamento positivo das divindades femininas que contrapõe outras histórias místicas onde elas desempenham um papel totalmente negativo, e quinto porque em uma sociedade que ainda trata de forma hostil as mulheres, com resultados trágicos em muitas ocasiões, qualquer trabalho que vise reivindicar sua importância, pode se tornar uma chave importante destinada a reverter a situação atual.

Esse trabalho não é extenso, as histórias aqui apresentadas podem ser consideradas apenas uma pequena amostra da vasta mitologia feminina dos povos da China. Há muitos mitos que ficaram de fora: seja por serem muito extensos, ou por serem muito semelhantes a alguns mitos incluídos, pela sua linguagem simbólica complexa de difícil compreensão para o leitor, ou por não estarem traduzidos em chinês, ou não ter sido encontrada nenhuma versão apesar de tê-los visto em citações ou leituras de resumos, ou porque a intervenção das personagens femininas, mesmo que relevantes, ocupa uma parte relativamente pequena da obra, e não queríamos incluir fragmentos e histórias incompletas.

Esperamos, contudo, que essa obra ajude a preencher uma lacuna em nosso conhecimento sobre a China, sobre seus povos indígenas, e a existência no passado de sociedades matriarcais.



Agradecimento: Quero agradecer ao apoio contínuo que recebi da minha mulher durante esse trabalho, Wei Hua, esclarecendo pacientemente minhas incontáveis lacunas culturais e linguísticas, bem como as sugestões feitas por Roger Casas que, sem dúvida, contribuíram para melhorar essa obra.








Mitos das deusas chinesas


Nestas páginas pretendemos apresentar uma estrutura que enquadrará toda a importância dessa obra. Para isso, vamos compartilhar uma série de informações que para alguns leitores pode parecer um pouco distante e exóticas. Nesse sentido, mencionaremos os diferentes povos que habitam a China; apresentaremos brevemente as teorias sobre a existência de deusas arcaicas e sociedades matriarcais no Ocidente; demonstraremos a importância da cultura nas minorias da China para conhecer os aspectos da antiga cultura chinesa; recordaremos o valor dos mitos para conhecer o caráter de uma sociedade; e como corolário, evidenciaremos a capacidade dessas histórias de nos fazer refletir sobre os cultos femininos da China antiga, as sociedades matriarcais daquele país, o debate atual sobre as sociedades matriarcais antigas, e a importância da história para melhorar o desenvolvimento humano da nossa própria sociedade.



1. Os povos da China

Estão incluídos na presente obra quarenta mitos, lendas e contos populares, no qual as deusas ou divindades femininas são as protagonistas. Todos eles são parte do patrimônio cultural dos povos que vivem na China, mesmo que, às vezes, eles se estendam além das suas fronteiras.

A China oficialmente se define como um país unitário e multinacional, composto pela maioria Han, e 55 minorias nacionais. Esse conceito politicamente inventado, mesmo sem precisamente equivaler a realidade humana do país, vem tomando forma apoiado pelo poderoso aparato propagandístico nacional, resultando em tornar cada vez mais reais as categorias étnicas inicialmente imaginárias.

A maioria Han, aproximadamente 93% da população, os próprios chineses, os mandarins como são chamados alguns, não podem ser considerados um grupo étnico ou nacional homogêneo, porém foram constituídos por uma amálgama de povos que ao longo da história foram aceitando características mínimas comuns da cultura chinesa. As diferenças entre os considerados chineses Han são ainda enormes, tanto no aspecto físico (com várias linhagens humanas distinguíveis a olho nu), linguístico (com “dialetos” mutuamente ininteligíveis), cultural (decorrente não só da adaptação à terra, como da cultura ancestral dos povos que habitavam as diferentes regiões que mais tarde passaram a fazer parte da China) e religioso.

O termo “minorias nacionais” é extremamente equivocado, porque de fato só indica o não pertencimento à maioria Han. E nesse emaranhado, onde tudo parece caber, se incluem povos como os Mongóis, Dai, Uygures ou Tibetanos, com culturas seculares tremendamente desenvolvidas, população de milhões de pessoas, e estruturas políticas próprias, incorporadas pelos altos e baixos da história durante os últimos séculos na China, e outros como os Dulong, Loba, Jino ou Hezhe, que contam apenas com uma população de uns milhares de pessoas, vivendo em algumas poucas aldeias geralmente em uma única região.

Sim, a própria utilização do termo “minoria nacional já é, por si mesma, vaga, sendo usada para denominar entidades humanas muito diferentes, e é ainda mais vaga quanto a forma como essas minorias nacionais foram definidas. Novamente encontramos a maior variedade. Enquanto algumas delas são constituídas por populações medianamente homogêneas que vivem em um espaço geográfico definido, outras somente representam um nome genérico que incluem dezenas de povos com línguas e culturas diferentes, e algumas vezes, algumas características em comum. Uma qualidade que esses povos compartilham é o seu desconhecimento no Ocidente, em parte porque durante os mais de 40 anos em que a China esteve literalmente fechada ao exterior, eles dificilmente puderam ser estudados. É por isso que, na maioria das obras que relatam os aspectos gerais da cultura humana, raramente se incluíam dados, por mais pertinentes que fossem relacionados a eles.

Os povos que vivem na China falam idiomas que pertencem principalmente a três famílias linguísticas


:

a) Família sino – tibetana.

Pertencem a ela a maior parte dos idiomas falados pelos povos da China. Seus principais grupos são:

1. Sínico. Ao qual pertencem os chineses e seus dialetos.

2. Tibeto - birmanês. É falado por diversos povos que vivem no oeste da China, no Tibet, e nas regiões próximas dos países vizinhos. São geralmente povos da montanha que, acredita-se que habitavam o oeste e noroeste da China, e que foram imigrando para o sul nos últimos 2.000 anos. Entre eles temos os tibetanos, Yi, Lahu, Lisu, Naxi.

3. Miao-Yao. Falado por povos considerados Miao (uma parte deles são chamados de Hmong fora da China) e Yao. Acredita-se que viviam nos tempos históricos na bacia média do rio Yangtze, e emigraram para o sul, para regiões cada vez mais isoladas, fugindo da pressão colonizadora dos chineses.

- Zhuang –Dong. Também chamado Kam-Thai


. Falado por vários povos do sul da China e do sudeste da Ásia, populações que vivem nas terras baixas e cultivam o arroz, possivelmente descendentes dos antigos Baiyue que viviam no sul da China, como os tailandeses da Tailândia, os Laosianos, e os Dai e os Zhuang da China, etc.

b) Família altaica.

Pertencem a essa família a maior parte dos idiomas falados no norte da China, Mongólia e sul da Sibéria. Seus principais grupos são:

1. Turco. Falado na China pelos Uygures e povos relacionados a eles, e pelos turcos da Turquia.

2. Mongol. Falado pelos Mongóis e outros povos vizinhos.

3. Man-Tungus. Falado pelos Manchúes e grupos étnicos de origem Tungus, que como eles, vivam originalmente nas florestas no nordeste da China e no sudeste da Sibéria.

c) Família austronésica.

Pertencem a essa família os idiomas falados na China somente por alguns grupos étnicos que vivem no extremo sul, e nas montanhas próximas a fronteira com o Laos e Birmânia. Todos seus idiomas pertencem ao grupo Mon-Khmer. São falados pelos Wa, Bulang e Deang.

Com essas três famílias de idiomas e seus grupos temos um total de oito grandes entidades linguísticas na China. É importante ressaltar esses oito grupos linguísticos, porque as características culturais compartilhadas pelos povos que falam línguas pertencentes a mesma família linguística são muito vagas; enquanto que entre os povos que falam as línguas pertencentes a cada um desses oito grupos linguísticos, encontramos um bom número de semelhanças culturais, que enquadram-se nas características comuns dos seus idiomas, (como fez Li Jinfang


para as línguas Zhuang - Dong), que podem ajudar a reconstruir, em parte, uma cultura antiga comum, da qual todos eles tiraram um bom número de elementos.

Naturalmente, ao estudar a mitologia desses oito grupos linguísticos, descobrimos que os povos que falam línguas que pertencem a cada um desses grupos, compartilham uma série de mitos em comum. Outros mitos, com suas variações lógicas, são comuns a todas as etnias que pertencem à mesma família linguística, e há até mesmo motivos míticos que são compartilhados por todos os povos da China.

Essa correspondência entre os mitos dos povos que vivem em territórios relativamente próximos, e que ao longo da história interagiram por muito tempo, não surpreenderá nenhum leitor interessado pela mitologia porque, desde o século XIX tem sido estudada com certa profundidade a difusão universal de alguns motivos míticos dando origem a uma série de classificações, como a de Aarne-Thompsnon


, que permite de alguma forma enquadrar cada mito ou conto em um modelo predeterminado. No fim das contas todos são produtos surgidos do intelecto da mesma espécie: o ser humano.

Mas por outro lado, enquanto que um grande número de mitos e motivos míticos são compartilhados por tantos povos, que poderia dizer que são universalmente difundidos, outros são tão particulares que não resta dúvida que definem as características essenciais de povos diferentes


.



2. As deusas na antiguidade

O estudo da existência e importância das deusas nas antigas sociedades se iniciou, de alguma forma, no século XIX, tanto por estudiosos da antiga cultura europeia, especialmente Bachofen


, que sugere a existência de uma sociedade matriarcal arcaica na Europa, quanto pela difusão dos primeiros estudos antropológicos sérios sobre povos um tanto distantes da nossa órbita cultural, especialmente Morgan e seu estudo da família entre os iroqueses


. Os trabalhos de Morgan tiveram grande influência sobre Marx e Engels


, e através deles, sobre todo o universo cultural relacionado ao comunismo. De tal forma que, nos países onde triunfou a crença comunista, logo se propagou o dogma de que a evolução das sociedades humanas passava necessariamente por uma série de fases, sendo a primeira delas, a sociedade matriarcal.

Os inconvenientes desse dogma são múltiplos. Por um lado, por ser um ato de fé, elimina qualquer reflexão posterior, com a desvantagem de que poder ser rejeitado quando os altos e baixos políticos assim exigirem. Segundo porque ao colocar no passado remoto, em épocas das quais não sabemos nada, no tempo em que a mulher dominava ou desempenhava um papel igualitário na sociedade, e afirmar que essa fase havia passado tornando-a histórica através das leis, podia-se considerar que acabar com a igualdade de gênero era um passo necessário para iniciar o caminho que acabaria conduzindo a uma sociedade ideal


.

Enquanto esses acontecimentos iam delineando a situação política da mulher nas sociedades modernas, o descobrimento de restos arqueológicos de culturas até pouco tempo desconhecidas ou compreendidas, e a publicação de muitos trabalhos sobre as civilizações antigas e outras culturas contemporâneas ignoradas pelo Ocidente, apresentava para o leitor interessado um amplo leque de provas que, demonstram em alguns casos ou só sugerem em outros, a humanidade, em tempos anteriores ao culto aos deuses, efetivamente passou por uma época de culto às deusas.

O conhecimento das Vênus paleolíticas desenterradas em todo território geográfico europeu, a evolução do papel primordial que tinha Ishtar e as outras deusas dos povos sumérios e babilônicos, as divindades femininas recuperadas em Catal Huyuk (Turquia) e Creta, as antigas deusas da remota Europa descobertas por Gimbutas


, e até mesmo a visão da bíblia como uma descrição da contínua luta realizada em terras da Palestina para banir os cultos femininos


, são conceitos que vão ressoando nas mentes mais abertas do Ocidente. Entretanto, os estudos sobre a China não pareciam dar qualquer informação interessante sobre um fato histórico que ainda influência de forma decisiva a nossa vida atual.



3. A importância das culturas das minorias no conhecimento da cultura antiga da China.

Faz alguns anos que os pesquisadores ocidentais descobriram que muitos dos aspectos da cultura tradicional chinesa, que haviam desaparecido entre os próprios chineses, se mantinham presentes entre os povos da periferia do seu império. Isso ocorreu devido a duas circunstâncias: o longo contato mantido entre os chineses e os outros grupos étnicos que viviam nas proximidades, e o zelo com que esses grupos étnicos conservam as suas tradições. Enquanto alguns autores apontam a relação entre essas culturas indígenas e a cultura chinesa,


outros postulam a utilidade de estudar essas sociedades para conhecer a cultura chinesa dos tempos antigos.

Nessa mesma linha, Maspero


baseia-se no estudo das populações Dai do norte do Vietnã (Tai negros), para propor um modelo de sociedade agrícola da China da dinastia Zhou. Outros autores, tais como Ma Kui


, seguiram esse exemplo, e comparando os sistemas de posse de terras entre os atuais Dai de Xishuangbanna, com o descrito nos livros clássicos para a dinastia Zhou do Oeste, vê-se semelhanças que são difíceis de atribuir ao acaso.

Entre os estudiosos da religião taoísta, por outro lado, o conhecimento dos rituais e práticas religiosas dos povos Yao, é de valor incalculável porque considera-se que eles mantêm inalterada a religião taoísta tal como se praticava na China há oito séculos. Outro exemplo são os cultos da religião Benzu dos Bai, por meio do qual cada aldeia adora uma série de heróis locais, em torno dos quais foi construída um ritual e uma mitologia elaborada, que na realidade tem diversas semelhanças com os cultos às divindades locais da China, cujo exemplo mais visível foram os chamados Templos dos Deuses da Cidade (chenghuangmiao) presentes em todas as cidades chinesas. O sistema de atribuir a diferentes divindades o governo e o controle de diferentes doenças, que é descrito por Doré


, está praticamente traçado entre os Nu e outros povos do sudeste da China, que ainda hoje pensam que cada divindade regula um tipo de doença e que para curá-la, é necessário realizar uma série de rituais em sua homenagem, rituais dos quais não tenho conhecimento sobre estudos efetivos quanto a sua possível utilidade terapêutica. No entanto, é interessante ponderar o efeito que a ingestão maciça de proteínas pode ter sobre um organismo doente em sociedades onde a carne nunca fez parte da dieta cotidiana (muito menos fresca).

Quanto mais se estudam as minorias e a cultura antiga da China, mais e mais relações aparecem, de tal forma que poderíamos multiplicar os exemplos.

É perfeitamente normal pensar que uma série de características culturais chinesas tenham sido transmitidas aos povos de culturas minoritárias, ainda mais se considerarmos que a cultura chinesa era a cultura do grande e poderoso império, cujos imperadores dominavam esses povos, e que era tecnológica e economicamente mais avançada. Estranho seria pensar que, apesar dos séculos de relacionamento entre os chineses e os povos da periferia do império, este último havia se negado completamente a aceitar qualquer influência externa. Também deve-se considerar que, outro conjunto de características da cultura chinesa que hoje encontramos entre povos distantes, no passado, poderiam ser simplesmente parte da herança comum dos povos que viviam perto. Porque essa cultura majoritária Han formou-se como uma fusão das culturas do norte (que sem dúvida têm semelhanças com os antepassados dos povos manchúes e mongóis), do oeste (relacionado aos povos Qiang e proto tibeto-birmanese) e do sul (em uma margem do Yangtze, outrora lar dos antepassados dos povos Zhuang Dong e Miao Yao).

Essa relação entre a cultura chinesa e a das minorias, nos permite afirmar que, ao apresentar esses mitos e contos ao leitor ocidental, não só lhe damos o conhecimento da literatura e pensamento dos povos situados na periferia dos processos culturais, mas também contribuímos para fomentar o debate sobre a existência de um estado matriarcal nas sociedades primitivas da China, bem como a forma como ele desapareceu; e com isso, oferecemos novos materiais para debater sobre a possibilidade de que as sociedades matriarcais tenham existido de forma generalizada, antes do estabelecimento dos modelos de dominação masculina.



4. A utilidade dos mitos para descobrir os valores predominantes em uma sociedade.

Sob o termo “mitologia” incluimos uma das mais variadas produções do intelecto humano, caracterizada pela forma como define a concepção que uma sociedade tem de si mesma. Como muitos autores têm destacado, os mitos podem ter uma origem muito distinta: desde o endeusamento de personagens históricos, como apontado por Evhemero


há muitos séculos atrás, a personificação de fenômenos solares, a expressão de experiências psicológicas, a representação das fases evolutivas das pessoas, a idealização dos processos históricos e muito mais. O mais importante não é a sua origem, mas a sua função socializadora que os transforma em adaptadores das pessoas à sociedade em que vivem.

Cito somente alguns autores que se dedicaram a estudar esse assunto, seguindo Juan Carlos Ochoa Abaurre em sua tese de doutorado


: “O mito configurou um modelo de comportamento que regulou a interação social, a forma de conhecimento do mundo e do além”; Creuze afirmava que o mito contém uma “misteriosa” verdade que abriga formas simbólicas de pensamento “natural”; “Von Schelling considerou...o mito como uma realidade que incide (e deve incidir) sempre e de maneira positiva no presente”; “Malinowski... interpretou o mito... como: “histórias que afetam decisivamente toda a sociedade”.

Ainda que normalmente vejamos a palavra “mito” associada ao estudo das culturas distantes no tempo e no espaço, diversos autores, entre eles Barthes


, apontaram a importância do mito na formação do suporte ideológico das sociedades modernas. Outros pensadores apontaram a influência do mito na formação de determinadas sociedades e culturas, de tal forma que, podemos afirmar que, qualquer que seja a sua origem e seu verdadeiro significado os mitos marcam e modelam as ideias e comportamentos da sociedade.

É difícil pensar que em uma sociedade onde, em cada uma das cerimônias mais profundas, se escute sobre a bondade de alguns deuses masculinos e a maldade de algumas divindades femininas, as mulheres possam alcançar um papel igualitário. Igualmente, é difícil imaginar que em outra, onde o louvor às deusas e às mulheres ancestrais estavam na ordem do dia, as mulheres tenham sofrido uma grande discriminação. A esse respeito disse Engels: “O papel da mulher nos mitos demonstra que nos tempos antigos a mulher gozava de maior liberdade e recebia mais respeito.”

De fato, o estudo dos mitos e culturas das minorias na China não deixa dúvidas sobre essas afirmações. Os trabalhos de Du Shanshan


, por exemplo, nos mostram que entre os Lahu, com sua manifesta igualdade, a criação é um trabalho de duas divindades, uma masculina e outra feminina. No entanto, também vemos no trabalho dessa outra autora que, de acordo com a própria sociedade Lahu, as mulheres estão perdendo a sua importância devido a influência da cultura chinesa, suas divindades criadoras estão se transformando em um só deus masculino, com o nome ainda composto, que prepara psicologicamente para futuras transformações.

Entre os Moso, onde a mulher ainda conserva um papel importante na vida social, descobrimos que sua divindade principal é uma deusa, Gemu. Outro conjunto de deusas governam as montanhas e as águas, monopolizando, como é natural, seu fervor religioso.

Ao apresentar aqui uma seleção de mitos nos quais a divindade feminina atua como protagonista, não podemos assegurar que todos esses povos adoraram uma grande deusa na antiguidade; e nem sequer, nos casos em que esse culto à deusa foi demonstrado, pode-se assumir que se tratava de sociedades matriarcais. No entanto, o conhecimento deles, dos rituais que estavam associados, e das culturas em que estão enquadrados, obviamente fornece diversos materiais para um debate posterior.



5. O valor dessa obra

Nesse livro incluímos mitos de povos que pertencem a cada um dos oito grupos etno-linguísticos mencionados antes, portanto, se não podemos demonstrar a universalidade do papel assumido pela deusa entre os povos da China, ao menos podemos demonstrar que em todos eles existiram deusas que, em determinado momento da sua história, desempenharam um papel relevante em seu universo mental. É possível perceber isso de imediato ao ler essa relação dos mitos apresentados nessa obra, classificados de acordo com os grupos etno-linguísticos e povos aos quais pertencem.








Para a conveniência do leitor, dividimos os mitos desse livro em quatro seções:



- A deusa criadora, com os mitos em que a criação é protagonizada por uma deusa. Tanto a criação do mundo, como a da humanidade. Deixamos de fora, e são muitos, aqueles em que uma divindade masculina e outra feminina criam o mundo simultaneamente, geralmente com a deusa realizando um papel principal. Em muitos desses mitos, de fato, a origem das montanhas é atribuída ao fato de que, tendo sido encarregada a criação do céu pela divindade masculina e a terra pela feminina, a escassa diligência com que deus realiza seu trabalho faz com que a terra seja maior que o céu, que não pode cobri-la por completo, obrigando a deusa a franzi-la para diminuir a sua superfície e ser devidamente coberta pelo céu.

- A deusa civilizadora. Inclui mitos em que vemos como as divindades ou personagens femininos ensinam a humanidade a viver nesse mundo.

- Em tempos matriarcais. Aqui incluímos contos que nos falam do tempo em que as mulheres comandavam a sociedade.

- O fim das Amazonas é onde reunimos as histórias que nos contam como as mulheres perderam o poder na sociedade, que passou a ser dominada pelo homem.



6. Relevância desse trabalho no contexto atual

Vivemos em uma sociedade que exige dos seus integrantes fé de que o modelo que ela propõe é o melhor que se pode ter e o melhor que já se teve ao longo da história. Curiosamente, esse modelo não foi aceito de comum acordo pelos membros da sociedade, mas foi imposto de cima para baixo por suas elites intelectuais, e está sendo moldado a cada dia para se adaptar às necessidades financeiras das corporações que são movidas exclusivamente pelo lucro.

Uma sociedade estruturada em torno do lucro e da busca pelo benefício econômico imediato, acaba afastando as pessoas dos seus atributos, tornando-as unicamente consumidores. O homo consumidor já não é um homo religioso (no sentido amplo, preocupado com os mistérios da vida após a morte), nem um homo social (cuja realidade cotidiana baseia-se na relação com outros seres humanos). Diante da solidão da existência, uma pessoa já não pode mais recorrer a um deus ou ao seu irmão, mas a algum dispositivo concebido por uma corporação.

O homo consumidor, considerando o mundo como um objeto de consumo, chega à aberração de considerar a natureza e os próprios seres humanos da mesma forma.

A violência contínua contra as mulheres que não se expressa apenas no seu lado mais sangrento diariamente, é sem dúvida o resultado dessa sociedade. Essas graves consequências, que bastariam para questionar os fundamentos sobre os quais baseia-se a sociedade, são, de fato, considerados apenas desvios quase previsíveis e esperados. Talvez recuperar essa figura arquétipa da mãe, da deusa mãe, essa deusa criadora tão ligada a natureza, sirva para frear a violência extrema que essa sociedade aplica nas suas relações com a mãe, em seu aspecto de mulher e de natureza.


- Breve resumo sobre os povos mencionados nessa antologia.



Novamente agrupamos os povos da China em oito grandes grupos etno-linguísticos.



1. De idiomas sínicos.



Chineses ou Han

São em torno de 1.200 milhões de pessoas que vivem por toda a China, especialmente no centro e no leste do país. Nas regiões periféricas, especialmente no oeste da China atual, vivem misturados com outros povos, alguns dos quais são mencionados a seguir. É possível que tenham sido sociedades matriarcais antigamente. Há fatos que sugerem um papel mais elevado da mulher em tempos passados, como o caráter de “sobrenome” que se traduziria literalmente como “nascida mulher”. Ao longo da história chinesa o papel da mulher foi-se degradando, como acontece com os povos que estão sob sua influência cultural. Sobre eles traduzimos A criação da humanidade por Nuwa e algumas histórias locais que documentam o fim da dominação feminina.



2. De idiomas tibeto birmaneses

Neles é contínua a presença da mulher com papel relevante; o fim do poder feminino poderia ser traçado estudando a história de seus povos. Os reinos das mulheres que mencionam os escritos chineses clássicos, possivelmente foram de idioma tibeto birmanês.



Yi

Mais de sete milhões de pessoas que vivem no sul das montanhas de Sichuan e em toda a província de Yunnan. Diversos testemunhos históricos falam da existência de chefes mulheres entre eles. Têm uma escritura própria na qual se conserva uma rica literatura de caráter sagrado utilizada por seus xamãs ou pimos em diferentes cerimônias de culto à natureza. Em vários dos seus mitos de origem, a criação do mundo e da humanidade é obra de uma divindade feminina, como em Ahexinimo ou na Mãe Ancestral Xini, dos Yi de Yunnan. Sobre eles traduzimos alguns fragmentos que emprestam as contribuições femininas à civilização e duas histórias interessantes sobre o fim do poder feminino: Cuoriapu conquista o Reino das Mulheres y Shilaete tem um pai.



Nu

São em torno de 12.000 pessoas que vivem isoladas nas margens remotas do rio Salween (Nujiang na China). A Deusa da Caça, cuja história apresentamos aqui, é uma das suas divindades mais importantes.



Pumi

São em torno de 35.000 pessoas. Vivem espalhados nas montanhas no noroeste de Yunnan e no sudeste de Sichuan. Adoram à deusa Bajingjimu, em torno da qual eles construiram sua religião Dingba. Eles também acreditam no lamaísmo tibetano. Sobre eles traduzimos A origem dos povos, e A lenda da deusa Tana.



Hani

São alguns dos milhões de pessoas que vivem na província de Yunnan e em outros países do Sudeste Asiático. As genealogias dos Hani foram contadas por linhagem feminina até cerca de 30 gerações atrás. Seu festival mais importante, Amadu, agora proibido às mulheres, era dedicado antigamente à uma divindade feminina. Além do mais, conta com várias histórias em que a criação da humanidade é realizada por uma divindade feminina, como em Amãe Taporang ou em A deusa Ema, que apresentamos aqui.



Jino

São somente 20.000 pessoas que vivem em uma dezena de aldeias no extremo sudeste da China, na Prefeitura de Xishuangbanna. Há inúmeras provas da existência de uma sociedade matriarcal entre os Jino até poucas gerações atrás, como seu nome, que significa “descendentes do tio” e se refere ao papel do tio materno na sua sociedade, uma característica que ainda aponta a importância da mulher em sua família; ou o nome das suas aldeias que deriva geralmente de uma figura feminina ancestral. Diversas histórias narram o fim do poder feminino entre eles. Dos Jino traduzimos seu mito da criação (Amoyaobai) e o que explica o culto a uma de suas divindades, A origem das oferendas aos ancestrais.



Jingpo

São em torno de 130.000 pessoas que vivem perto da fronteira birmanesa (na Birmânia são conhecidos como Kachin). Uma das suas cerimônias mais importantes é celebrada a cada três anos em homenagem a Deusa da Terra. O mito que traduzimos, A Deusa do Sol, mostra uma divindade feminina preocupada com a igualdade entre as pessoas.



Lisu

Um milhão de pessoas que vivem no sudeste da China (província de Yunnan) e em outros países do sudeste asiático. Cada um dos clãs em torno dos quais a sociedade Lisu está organizada traça sua origem através de um antepassado ancestral. Alguns dos mitos e rituais apresentam características de um tempo em que as mulheres eram mais importantes do que os homens. As divindades dos rios ainda são femininas entre esses clãs. O breve conto que traduzimos, Como os homens ficaram inteligentes, nos mostra o momento em que as mulheres perdem seu papel dominante.



Baima

Também conhecidos como Baima zangzu, (Tibetanos Baima), ou Tibetanos de Pingwu (distrito onde vivem), é um dos grupos étnicos ainda não reconhecido oficialmente na China. São em torno de 10.000 pessoas com uma cultura antiga que faz relação com os povos Di que viviam na zona rural, há séculos atrás. Alguns autores asseguram que o Reino das Mulheres que mencionam nas crônicas da dinastía Tang foram constituídos por Baima.



3. De idiomas Zhuang –Dong

Os povos da família Zhuang-Dong ainda guardam um papel importante para as divindades femininas. Contudo, há grandes diferenças entre os que vivem nas regiões meridionais, cuja cultura foi profundamente influenciada pelo budismo theravada, e os que vivem nas regiões setentrionais (sempre dentro de zonas tropicais ou subtropicais) que conservam melhor seu mundo espiritual, tendo recebido mais influências da cultura chinesa. São todos povos das terras baixas, dedicados ao cultivo do arroz, que vivem perto da água.



Dong

São quase três milhões de pessoas que vivem em uma faixa que se estende pelo sul da China, ocupando parte das províncias de Hunan, Guizhou e Guangxi. Criou-se um grande debate em torno da sua criação sobre a origem e o desenvolvimento do culto à Shatianba. A verdade é que, seja ela originária da remota antiguidade ou se sua aparição é mais recente, ela impregna todos os aspectos da vida espiritual dos Dong, como testemunham seus templos das aldeias e sua festa principal celebrada em sua homenagem. Sobre eles traduzimos o mito A criação pela deusa Shatianba.



Dai

São em torno de 1.200.000 pessoas na China, com várias ramificações bem diferentes. Os povos relacionados com eles formam a população majoritária no Laos e na Tailândia.

O budismo chegou às terras dos Dai há quase mil anos. Desde então, mudou-se todos os aspectos da sua vida e cultura. No entanto, ainda são encontrados vestígios da cultura anterior, como a presença entre eles de mulheres civilizadoras, dos quais traduzimos vários contos e especialmente a história da Deusa do Arroz, que ilustra a adaptação sincrética realizada pelas religiões tradicionais e o budismo. Sua festa mais importante é o Ano Novo Dai, que relembra as façanhas de um personagem feminino.



Shui

Os Shui são 400.000 pessoas que vivem na província de Guizhou no sul da China. Entre os Shui descobrimos que a sua história da criação é protagonizada pela deusa Yaxian, cuja história traduzimos nessa obra. Além dessa deusa, há diversas divindades femininas que se encarregam, especialmente, de proteger a saúde das mães e seus filhos, e as que são convocadas em caso de doença.



Zhuang

São mais de 17 milhões de pessoas que vivem principalmente na Região Autônoma Guangxi dos Zhuang. No seu cotidiano há vários vestígios de um culto no passado às deusas e de uma simbologia genital feminina, como vemos nas suas cerimônias em homenagem às cavernas. Seu poema de criação é Buluotuo, que mostra um deus masculino. Nos últimos anos, as pesquisas trouxeram à tona uma série de escrituras sagradas chamadas Mo, tanto entre os Zhuang quanto entre os Buyi, que a partir da história da criação de Miliujia, que traduzimos aqui, apresentam um rico mundo espiritual de culto à deusa.

Entre os Buyi, intimamente relacionados a eles, existe uma complexa mitologia em torno da deusa, em cuja honra se celebram algumas das cerimônias mais importantes.



4. De idiomas Miao Yao



Miao

Cerca de 7 milhões de pessoas que vivem no sul da China e nos países do sudeste asiático. Os chamados Miao na China incluem ao menos 4 povos bem diferentes, que são, segundo Lemoine


: Hmong, A Hmao, Mhu ou Hmu e Qho Xiong. A maioria dos estudos realizados depois da fundação da República Popular da China misturam esses diferentes grupos em uma única entidade Miao, o que não facilita no que diz respeito ao conhecimento da cultura de cada um deles. A maioria do povo Miao, especialmente os Hmong, desenvolveu padrões culturais que dão mais importância aos homens, uma vez o culto aos ancestrais é mantido pela linhagem masculina, e esse culto é básico para o renascimento dos antepassados e, portanto, para a correta ordem espiritual da família e da sociedade. Ainda assim, identificam-se em seus mitos e lendas tradicionais diversos vestígios de um tempo em que o papel da mulher era o mais importante.

Entre os Miao de Wenshan (na província de Yunnan), as divindades femininas desempenham um papel preponderante na criação. Entre os Chuang Miao identifica-se a figura do principal ancestral como a primeira mãe.

A mãe borboleta, como criadora da humanidade, desempenha um papel importante entre alguns grupos de Miao.



Yao

Os Yao são um grupo de povos que vivem nas regiões montanhosas do sul da China e dos países do Sudeste Asiático. Cerca de 2 milhões de pessoas linguisticamente relacionadas com os Miao (Hmong), também compartilham com eles uma origem misteriosa que nem a linguística nem a mitologia conseguiram desvendar até o momento. Acredita-se que são provenientes das margens do rio Yangtze, mas como dissemos, sua origem segue sujeita a intensa especulação.

Supõe-se que a maioria dos grupos Yao têm uma origem em comum, embora não se descarte que, alguns povos incluídos entre eles não estejam tão relacionados assim como se pensa. De fato, os Yao geralmente cultuam seu ancestral divino Pangu, um cachorro que comete uma série de atos heroicos para salvar o reino, pelo qual é recompensando com a mão da filha do rei, com quem da origem aos Yao. Somente os Bunu não têm em sua mitologia a história de Pangu. A criação do mundo, entre eles, é a obra de um personagem feminino: Miluotou. Os Bunu são cerca de 400.000 pessoas que vivem na província de Guangxi.



5. Povos turcos.

Os Uygures, o mais numeroso dos povos turcos da China, vivem há 15 séculos na Rota da Seda, o que os permitiu receber profundas influências religiosas e culturais dos povos da Ásia Central. Zoroastrismo, budismo, maniqueísmo e finalmente islamismo, são algumas das religiões que surgiram nas terras atualmente habitadas pelos Uygures. A Deusa do Céu cria o mundo, é o mito que traduzimos, que sugere que no passado a mulher pode ter desempenhado um papel mais elevado na sociedade.



6. Povos mongóis

Há certos relatos históricos que sugerem o culto às deusas entre os mongóis. A importância que tem entre eles as udugan ou xamãs femininas (literalmente criadoras), faz pensar o mesmo. O mito de Maider cria o céu e a terra dos mongóis Oiratos é uma prova desses cultos antigos. A bondade da deusa também serve para ter uma ideia do importante papel que desempenhavam as deusas nas suas lendas antigas.



7. Povos Man Tungus

São povos que vivem nas florestas no sul da Sibéria e no norte da China. Eles possuem grandes semelhanças culturais, mesmo depois das transformações políticas que levaram os Manchúes a conquistar o trono chinês estabelecendo a última dinastia Qing, algumas características culturais variam muito. Em seus mitos mais antigos as deusas e divindades vindas do céu exercem o papel de protagonista na criação do gênero humano e no desenvolvimento da humanidade.



Manchúes

Oficialmente são dez milhões de pessoas que vivem no norte e nordeste da China, mas há somente alguns milhares que conservam os traços da cultura tradicional, os demais se adaptaram à cultura chinesa. No entanto, muitos de seus mitos e crenças antigas estão refletidos em documentos chineses. Os mitos que traduzimos, Baiyungege,A guerra do paraíso e Fugulun, nos mostra um olimpo que era tradicionalmente habitado por 300 deusas, e um dualismo entre as forças do bem, representadas pelas deusas, e as forças do mal, representadas por um diabo masculino.



Ewenki

Com apenas 30.000 pessoas são o último povo caçador da China. A lenda da criação do mundo, que apresenta uma série de motivos em comum com outros povos vizinhos, concede a uma deusa o protagonismo.



Elunchun

Com uma população de somente 8.000 pessoas, são um dos povos menos numerosos da China. A Menina do Sol, origem dos Elunchun é mais uma das muitas lendas que nos contam sobre a origem da humanidade a partir de um personagem ancestral feminino.



8. Povos Austronésicos.

Longe da cultura chinesa nas fronteiras distantes com a Birmânia, os povos que falam idiomas austronésicos receberam pouca influência chinesa, e tarde, geralmente na segunda metade do século XX. Oficialmente só existem três minorias nacionais de idioma austronésico: os Wa, Deang e Bulang. Mas cada uma dessas minorias tem tantas ramificações diferentes que podemos falar de alguns grupos étnicos. Todos eles compartilham importantes semelhanças culturais.



Deang

Vinte mil habitantes que vivem no sudeste de Yunnan. Sobre eles incluímos uma história que conta como surgiram as três ramificações dos Deang a partir de uma antepassada em comum, e umas lendas sobre o fim do poder das mulheres.



Wa

Vivem na China e na Birmânia. São 400.000 pessoas na China. Há tempos são famosos por sua intensa atividade religiosa por caçar cabeças humanas e oferecê-la aos seus deuses. Em razão da sua ferocidade foram os povos menos influenciados pelos chineses até pouco tempo. Nas suas mitologias (Singangli ou saindo da caverna), a deusa desempenha um papel importante. Traduzimos alguns relatos breves que mostram a importância da mulher em sua sociedade, seja já na introdução à pecuária (Os animais de estimação foram trazidos pelas mulheres), ou por seu valor ritualístico (Como a mulher cede o poder ao homem).



Bulang

São quase 100.000 pessoas cujo território se estende pelas montanhas na fronteira birmanesa. Alguns abraçaram o budismo theravada, outros mantêm ainda as suas religiões tradicionais onde as deusas desempenham um papel relevante. Na sua cultura há diversos traços que lembram um tempo em que a situação social das mulheres era mais elevada, como no fato de que os filhos recebem o nome exclusivamente da mãe, ou no respeito tradicional prestado pela sociedade Bulang às suas antepassadas. Sobre eles traduzimos A Deusa do Céu dos Bulang.



Capítulo 1.



A deusa criadora









Miliujia. A deusa criadora dos Zhuang.


Há muito, muito tempo atrás, não havia absolutamente nada no universo. Era só um imenso vazio sem forma dividido em três níveis: superior, médio e inferior. De repente apareceu uma flor no nível médio, a terra. Não se sabia dizer qual era a sua cor, mas ela se abriu e do seu interior surgiu uma mulher.


Portanto, essa mulher é a mãe da humanidade. Seu corpo era todo coberto por pelos


, que lhe caia por todos os lados. Quando as pessoas das gerações anteriores lembram dela por sua inteligência, a chamam de Miliujia,


quando é lembrada por ter saberdoria suficiente para transformá-la em professora da humanidade, é chamada de Milouxi.




Naquela época o mundo separou-se em dois níveis. O verme do milho voou para cima, ficando embaixo o escaravelho. Um criou o céu e o outro a terra. O escaravelho era muito ativo e fez uma terra muito ampla; o verme era mais devagar e fez um céu mais estreito. Como não criaram bem o céu e a terra, Miliujia teve que puxar a terra para cima, fazendo com que sua superfície inchasse como um tambor, fazendo com que o céu e a terra ficassem bem conectados. No lugar onde a terra havia se levantado formaram-se as montanhas e colinas; enquanto, que no lugar onde havia se afundado formaram-se os vales e as gargantas, e assim os rios e lagos.

Ao ver que a terra estava monótona, Miliujia pensou em criar a humanidade. Ela esticou suas duas pernas e as colocou sobre o alto de duas montanhas. De repente sentiu uma rajada de vento e teve a sensação de que queria urinar, assim ela fez e sua urina molhou a terra. Com as suas mãos amassou a terra molhada e seguindo sua própria forma ela modelou muitas pessoas, e quanto terminou tapou tudo com algumas ervas. Passados quarenta e nove


dias, ela retirou as ervas para olhar. As figuras de barro tinham ganhado vida: Pessoas muito ativas que iam de um lado para outro correndo e pulando. Miliujia, ao comprovar que por mais que falasse com elas, não podia tranquilizá-las, foi floresta adentro e buscou carambolas


e pimentas, espalhando-as sobre elas. As pessoas dispersaram-se com pressa de modo que, as que foram atingidas pelas pimentas transformaram-se em homens, e as que foram atingidas pelas carambolas transformaram-se em mulheres. Desde então há homens e mulheres no mundo.

Para animar mais ainda o mundo, Miliujia pegou o barro novamente e lhe modelou e lhe deu diferentes formas, espalhando-o por todos os lugares. Dessa maneira, surgiu no céu os pássaros que voam e sobre a terra os animais que correm.

Quando chegaram as chuvas, nem pássaros, nem os outros animais, nem as pessoas tinham onde abrigar-se. Miliujia abriu suas pernas e sentou-se, tornando-se uma caverna


. Desde então, as pessoas, os pássaros e os outros animais todos vão às cavernas para protegerem-se do vento e abrigarem-se da chuva.









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Tradução de mitos e lendas relacionados com as deusas e matriarcas da China.

Nas remotas tradições das minorias étnicas da China, abundam histórias que destacam o papel criador e civilizador desempenhado pelas deusas ou divindades femininas.

Entrando no mistério que envolve o papel principal da mulher na origem e desenvolvimento social da humanidade, lendas da deusa mãe apresenta pela primeira vez ao leitor ocidental o coração da mitologia feminina dos povos da China, através de quarenta dos mitos mais representativos, a maioria dos quais nunca se havia traduzido a nenhum idioma europeu. A coleção é de uma riqueza incomparável, e seu estudo traz à luz as principais características das sociedades matriarcais da China, bem como as razões pelas quais elas desapareceram. As histórias que compõem esse livro, compiladas através do imenso território chinês, pertencentes a povos que vivem em ambientes muito diferentes e que falam uma grande variedade de línguas pertencentes a diferentes famílias, mostram a deusa como peça fundamental na criação das primeiras sociedades humanas e no nascimento da cultura primitiva que começou a diferenciar o ser humano dos animais.

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