Книга - Herança Perdida

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Herança Perdida
Robert Blake


Um thriller vibrante de aventura, suspense e mistério ambientado no último quartel do século XIX e na Primeira Guerra Mundial. Um arqueólogo proeminente desaparece em circunstâncias estranhas durante a Primeira Guerra Mundial, enquanto os exércitos lutam contra uma frente interminável em batalhas sangrentas e enormes dificuldades que causam estragos nos dois lados. No final da guerra, um jornalista perspicaz, intrigado com o surpreendente desaparecimento do arqueólogo, assumirá uma investigação complexa, que o levará a viajar por diferentes continentes em uma busca rápida até que ele possa desvendar um episódio incomum na história do Império Britânico. Mergulhe em um thriller em ritmo acelerado, onde você poderá descobrir alguns dos achados mais famosos da era de ouro da arqueologia.







Herança

Perdida



Robert Blake









Título original: El legado perdido

© 2021 Robert Blake

© Imagem da capa: Retirada dos common wells do Flickr

Tradução de Susana Franco

(Sem restrição de direitos de autor)

Todos os direitos reservados



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Índice

Prólogo (#ulink_9badcb27-2a45-5b24-b44d-f3a697192deb)

Capítulo I (#ulink_d941776a-5857-523f-a88b-8a1cd64bb930)

Capítulo II (#ulink_a018a26c-6612-5663-87d4-e871359dbe92)

Capítulo III

Capítulo IV

Capitulo V


Prólogo



Tessalónica, 1912



— Mais de meia hora à espera neste calor sufocante — rosnou o diretor do museu enquanto mantinha o relógio de bolso no colete — Quando é que o barqueiro vai aparecer?

Ele continuou a andar às voltas para cima e para baixo enquanto a névoa do amanhecer não permitia ver nem um metro de distância; apenas o leve ruído de algum pássaro alterou o profundo silêncio.

— Penso que não deve demorar muito — respondi enquanto folheava o pergaminho mais uma vez.

— Achas que vamos encontrar o lugar exato com esta névoa? — Acrescentou o velho.

Kalisteras pareceu morder o lábio; estava a começar a ficar cansado das queixas do velho.

— Assim que os primeiros raios de sol nascerem, a névoa começará a dissipar-se e o lago ficará visível.

— Tens a certeza?

— Eu já percorri este caminho muitas vezes — ele respondeu presunçosamente.

O diretor olhou-o de cima a baixo, não suportava os presunçosos.

— Espero que estejas certo — eu disse a olhar nos olhos dele. — É preciso estar um dia claro e nítido para poder interpretar este mapa.

— Enquanto não for uma cópia grosseira feita por alguns manuacenses nos séculos seguintes, — acrescentou o diretor com um meio sorriso.

— Então a nossa jornada à Salónica terá sido em vão. — Respondi ironicamente. — Nunca faço uma investigação sem provas suficientes. Este pergaminho é do século IV.

— Eu sei amigo. Por isso é que decidi sair da minha biblioteca. Ainda assim tenho as minhas dúvidas — ele suspirou suavemente.

Imediatamente a figura do barqueiro apareceu na neblina sem que estivéssemos conscientes da sua presença. Ele cumprimentou Kalisteas e acenou para entrarmos no barco.

— Eles já pensavam que você não vinha, — Kalisteas o repreendeu. — Os meus amigos estavam a começar a ficar nervosos.

O barqueiro olhou para ele; não parecia gostar de receber ordens.

— Com este nevoeiro, até para mim, é difícil navegar, — respondeu ele.

Kalisteas olhou para ele surpreendido.

— Vamos lá, — ele acrescentou sem rodeios. — Levaremos o dobro do tempo para chegar ao nosso destino nestas condições.

O barqueiro, com um joelho na madeira lascada, começou a brandir o seu longo remo de cima para baixo, enquanto nós estávamos sentados à sua frente, tentando decifrar algo naquela manhã quente em que a água parecia uma jangada de azeite e somente o som dos pássaros quebrava o inquebrável silêncio do amanhecer.

Os primeiros raios de sol finalmente começaram a aparecer, penetrando nas nuvens e diminuindo a névoa que começou a deixar-nos ver uma manhã esplêndida naquele vasto pantanal.



A gruta para a qual estávamos a ir, que à distância parecia um simples buraco, também começou a tornar-se mais visível quando nos aproximámos.

— O nível da água não baixou o suficiente! — Gritou Kalisteas, apontando com a mão. — Meia caverna ainda está inundada!

Apenas o topo estava seco. A água alcançou até três quartos da gruta.

— O pergaminho garante que este é o único mês do ano em que o nível da água torna a caverna visível, — respondi.

— No mês passado choveu muito. Portanto, o nível da água está mais alto do que o normal.

— E agora? — O diretor rosnou novamente.

— Toca a nadar, amigo, — Kalisteas anunciou com um sorriso irónico. A situação parecia diverti-lo.

O barqueiro deixou-nos bem à entrada do buraco, então só tivemos que pular para a água e nadar uma curta distância dentro da caverna até chegarmos a uma borda rochosa ao fundo dela.

— Pagaste ao barqueiro? — Perguntou o grego quando chegamos à costa.

— Não tivemos tempo. Pulámos rapidamente para a água.

Kalisteas abanou a cabeça várias vezes.

— Pagaremos no regresso — respondi.

— Ele esperava o pagamento agora. Quem garante que voltaremos? — Ele acrescentou com raiva e começou a caminhar em direção a um pequeno túnel à sua esquerda.

— Porque é que ele está furioso? — O professor sussurrou ao meu ouvido alguns metros depois, quando o grego se afastou um pouco.

— Dá azar não pagar a portagem — respondi, virando a cabeça. — Os gregos são muito supersticiosos.

Kalisteas levou-nos por um corredor estreito que serpenteava da esquerda para a direita quando começámos a descer e o calor ficou ainda mais sufocante. Chegámos a uma encruzilhada onde dois túneis bloqueavam o caminho e uma pequena cavidade continuava a descer.

— Guiei-vos até onde sei, — disse Kalisteas em voz baixa. — Agora é a vossa vez.

Analisamos cuidadosamente aquela encruzilhada, até que o professor reconheceu umas inscrições gravadas no fundo da rocha num dos túneis e virou-se para nós com um sorriso triunfante no rosto.

— É esta a marca que procuramos, — anunciou. — Não tenho dúvidas.

Continuámos por uma passagem estreita, iluminando com lâmpadas de querosene enquanto ouvíamos o bater de morcegos atrás de nós, até que o caminho parou de repente.

Depois de iluminar trezentos e sessenta graus, vimos como à nossa esquerda havia uma abertura estreita pela qual quase ninguém podia passar.

— A entrada secreta, — anunciou o professor.

Kalisteas curvou-se e entrou na passagem, enquanto o seguíamos.

O túnel continuava em linha reta enquanto nós rastejávamos agachados para que as cabeças não tocassem no teto. As nossas pernas começaram a ficar dormentes até que finalmente chegamos ao pé de uma escada de pedra em espiral, que descemos cuidadosamente.

Ao chegar ao fundo, o professor estava ofegante.

— Estás bem?

— Claro. Não te preocupes comigo. Sou um velho viciado em livros e não estou acostumado a fazer esforços, mas não vou desistir.

Kalisteas finalmente sorriu, parecia ver um espírito aventureiro no professor curvado.

— Acho que chegamos ao fim do nosso caminho, — anunciou o grego enquanto apontava para a frente.



Diante dos nossos olhos havia uma lagoa escura subterrânea que impedia a nossa passagem. Quando nos aproximámos da costa, havia um pequeno altar que parecia pouco visível da nossa posição no fim da gruta.

— Só há duas opções, — exclamei, virando-me para os meus companheiros. — Atravessar a lagoa ou voltar e tentar outro túnel.

— Há algo nesta caverna que não me agrada — disse o professor. — Há muito silêncio.

Começamos a inspecionar a costa, era apenas um pedacinho de terra, cercado por um imenso muro de pedra com cerca de dez metros de altura que atravessava a lagoa da esquerda para a direita.

— A outra margem não parece tão longe, — disse Kalisteas. — Sou um bom nadador. Acho que poderia atravessar sem nenhum problema.

— Não há vestígios de presença humana nesta caverna. É como se ninguém tivesse aqui estado há centenas de anos — acrescentou o professor.

Nós dois o encaramos como se ele tivesse lido os nossos pensamentos. O grego começou a tirar a roupa e preparou-se para entrar na água.

— Tens a certeza que consegues nadar até lá?

Ele sorriu com um aceno de cabeça.

Ele entrou na água e começou a remar enquanto tremia e a névoa saía-lhe pela boca. Ele estava a nadar há pouco tempo quando ouvimos um respingo na água e uma pequena onda se formou a poucos metros de onde ele estava.

— Olha para aquilo, — disse o professor.

— Nada até à costa o mais rápido que puderes! — Gritei para ele instantaneamente. — Há algo na água!

Kalisteas olhou para a esquerda e viu-o aproximar-se a alta velocidade.

— Ilumine para ali, professor! — Eu disse enquanto tirava o meu revólver da mochila e começava a atirar naquela direção.

O som dos tiros pareceu assustar a criatura do lago e Kalisteas conseguiu alcançar a costa são e salvo.

— Agora já sabemos porque é que ninguém atravessa esta lagoa há anos, — disse o grego, tentando secar-se e voltar a vestir-se.

— E agora? — Observou o professor.

— Não faço a mínima ideia — respondi, olhando para aquela caverna sinistra mais uma vez.

Passámos algum tempo a examinar cada canto tentando encontrar uma solução. A princípio, pensámos que a melhor ideia era regressar e voltar noutro dia com o equipamento certo, mas estávamos longe da cidade mais próxima e a entrada da caverna ficaria submersa novamente em alguns dias, por isso teríamos que esperar um ano inteiro para tentar novamente.

Exaustos, sentámo-nos num conjunto de pedras na beira da água. Apesar da escuridão, as tochas que tínhamos colocado na costa refletiam-se nas águas da lagoa, desenhando um céu estrelado sobre a abóbada da caverna.

Foi essa visão que me fez lembrar de quando, há anos atrás, me levantei antes do amanhecer para empreender a árdua subida dos picos alpinos durante as minhas férias na Suíça.

— Quanta corda trouxeste? — Perguntei a Kalisteas, levantando-me do assento como uma mola.

— A quantidade que pediste. Tem vários metros.

— Vês a parede que atravessa a gruta da esquerda para a direita? — Eu falei, apontando para ela — Começa nesta ponta e vai dar ao pequeno altar. Se eu conseguir passar, não preciso molhar um dedo.

— Enlouqueceste? — O professor repreendeu-me como se estivesse a ensinar na sua sala de aula em Oxford.

— Eu consigo atravessar aquela parede de uma ponta à outra. — Vejam — apontei — a humidade formou inúmeras cavidades na rocha. Pode ser escalada sem grandes problemas. Só espero ter metros de corda suficientes.

— É muito arriscado — acrescentou Kalisteas. Foi a primeira vez que notei o medo nos seus olhos.

— Não vim até aqui para dar meia-volta quando estamos prestes a fazer a maior descoberta da história — respondi com raiva.

Ambos olharam para baixo e não abriram a boca.

Preparamos todo o equipamento necessário e, após pensar pela última vez, iniciei a subida. O primeiro trecho era fácil, a altura não era excessiva, podia ficar uns seis metros acima do nível da lagoa, alto o suficiente para que nada me pudesse atacar da água.

Eu cravava pregos na rocha enquanto amarrava a corda neles e passava ao redor da cintura para evitar qualquer queda. Avancei assim ao longo da parede em direção à outra margem, dando um passo atrás do outro com muito cuidado, aproveitando os buracos naturais que a humidade formou ao longo dos anos.

Quando cheguei à mediação, começava a sentir-me exausto. Olhei para baixo uma vez e pensei ter visto a água a agitar-se suavemente no centro da lagoa.

Depois de quase meia hora eu estava exausto, embora a proximidade do altar me desse forças para continuar. O maior incómodo veio um momento depois, porque a corda estourou quando faltavam apenas alguns metros para chegar à outra margem e já conseguia distinguir aquela relíquia com total clareza.

— O que foi, amigo? — Kalisteas gritou enquanto me via levantar.

— A corda acabou! — Respondi, voltando-me para a sua posição.

— Devias ter pagado ao barqueiro, — ele rosnou com raiva. — Voltas a tentar para o ano.

Fingi não ouvir e soltei o resto da corda que ainda me restava até à beira da água. Deslizei suavemente sobre ela até que introduzi silenciosamente o meu corpo e o líquido frio atingiu o meu pescoço. Não havia como voltar atrás, comecei a nadar em direção à costa com todas as minhas forças.

A distância era curta, mas cheguei exausto pelo esforço de escalar. Quando pisei na margem, virei-me quando ouvi um rangido atrás de mim e, sem pensar duas vezes, tirei o revólver e esvaziei o carregador sem ver do que se tratava. Só pude observar algumas ondulações na água que se afastaram novamente na direção oposta.

Recuperei a calma e finalmente consegui chegar ao pequeno altar que estava localizado sobre uma rocha composta por uma lápide no meio de um cubículo e em cuja pedra havia sido entalhada uma procissão de carpideiras.

Debaixo delas havia um túmulo onde havia algumas letras que mal podiam ser lidas, desgastadas pela humidade e o passar do tempo. Passei a minha mão sobre elas e tive uma sensação que hoje ainda não consigo descrever em palavras.

Fiquei paralisado a olhar para elas por alguns momentos, até que um som alto começou a zumbir nos meus ouvidos, sem saber de onde vinha. Olhei para a lagoa e não vi nada fora do comum.

— Tens que voltar rápido! — Kalisteas começou a gritar com toda a força.

— Agora não, amigo! Finalmente encontrei! — Eu respondi.

— Esquece isso se não queres que seja a última coisa que fazes na vida! Está a formar-se uma tempestade sobre a lagoa e em alguns minutos a caverna será completamente inundada com água!

Estas palavras apunhalaram-me no coração.

— Tudo bem! — Respondi com resignação. — Só há uma opção para voltar com vocês!

— Estou a ouvir!

— Atira pedra para a água para atrair a atenção do nosso amigo! Assim que o vires aproximar-se, faz-me sinal com a tocha!

— Entendido!

Kalisteas balançou a tocha de um lado para o outro, momentos depois. Naquele momento entrei na água e comecei a nadar até à corda, agarrei-a com as duas mãos e comecei a pulsar o mais rápido que pude. Quando cheguei ao primeiro prego, enrolei a corda em volta da cintura novamente e fiz todo o caminho até a outra margem como um cavalo a cavalgar ao vento.

A tempestade não parava de trovejar lá fora com mais força, quando cheguei à outra margem as minhas mãos estavam ensanguentadas pelo grande esforço que havia feito.

O grego conduziu-nos à pressa pelos túneis até chegarmos à cavidade de entrada, onde a água havia subido quase até à altura do teto. Nadámos rapidamente para o lago enquanto as nossas cabeças mal saíam da água.

Já podíamos ver a saída quando a caverna ficou completamente alagada, respirámos fundo e tivemos que mergulhar no trecho final até que finalmente imergimos no lago à mesma altura onde o barqueiro nos esperava.

A viagem de volta teve um gosto agridoce. Havíamos feito a maior descoberta da história, mas não tínhamos nenhuma evidência que o confirmasse. E o pior de tudo, teríamos que esperar um ano inteiro para tentar novamente.


Capítulo I



Londres, 1922



Estava a caminho do Museu Britânico num táxi que apanhara na esquina da White Hurtline e já estava atrasado para a exposição que acontecia naquela noite na sua sala principal. Todos os editores dos jornais mais importantes da cidade foram fazer a cobertura das notícias do ano. Pela primeira vez, a descoberta arqueológica mais aclamada dos últimos anos podia ser vista em Londres. Nenhum jornalista que se preze poderia perder o evento.

Quando chegámos a Piccadilly Circus, deparamo-nos com um monumental engarrafamento que bloqueou o nosso caminho e, por dez minutos, mal avançámos vinte metros.

Se me atrasasse, poderia considerar-me despedido.

— Quanto lhe devo? — Perguntei ao motorista.

— Uma libra e dez, — respondeu ele, virando-se para mim.

Paguei a conta e saí do veículo.

Atravessei a Trafalgar Square debaixo de chuva fraca e subi apressadamente várias ruas adjacentes até chegar a Great Russell.

A expectativa era ainda maior do que ele havia imaginado. Cem fotógrafos, polícias e uma multidão de curiosos lotaram o portão de entrada do Museu Britânico. Apesar das suas enormes dimensões, parecia pequeno demais para a ocasião.

Os Rolls-Royces e os Duesenbergs não paravam de chegar à sua porta. Ele não se lembrava de haver tanto barulho desde que Valentino apareceu no Albert Hall alguns anos antes.

Duas grandes fontes de luz faziam brilhar as imponentes colunas dóricas da sua fachada, e a deusa Atenas parecia ganhar vida no frontão.

O prédio brilhou naquela noite como se fosse a mais bela joia do Neoclássico.

Fui ao controle de acesso, apresentei o meu crachá da imprensa e, após uma busca minuciosa, deixaram-me passar. Durante o dia, eles tentaram infiltrar-se com alguma autorização falsa. Subi as escadas e parei no local designado para o meu jornal.

— Ei, Paul! Estás todo encharcado! — Exclamou Tom, o correspondente do Northen Star.

— Era impossível chegar cá de táxi e esqueci-me do guarda-chuva em casa, — respondi com resignação. — Chegou algum figurão?

— Só o presidente da câmara. Mas isso já não é novidade — respondeu ele sorrindo.

Um grande murmúrio foi ouvido ao fundo e as pessoas começaram a se aglomerar na entrada principal.

— Acho que vem aí o nosso homem, — anunciou Tom enquanto recarregava a câmara fotográfica.

Não tivemos que esperar muito, alguns momentos depois o Aston Martin descapotável que carregava o protagonista do dia parou próximo à escada.

Uma chuva de flashes imortalizou o momento enquanto as pessoas gritavam o seu nome e o homem mais procurado do planeta saía do carro. Howard Carter, acompanhado da sua bela e elegante parceira, atravessou o tapete azul-marinho que havia sido instalado para a ocasião, acenando da esquerda para a direita como se fossem duas estrelas do cinema mudo.

— Sr. Carter! Sr. Carter! — Todos os correspondentes gritaram em uníssono.

— Algumas palavras para o Daily Telegraph! — exclamei quando ele se aproximou da minha posição.

Howard Carter parou à minha frente e eu baixei a câmara e tirei o caderno do meu casaco.

— Diga-nos, Sr. Carter, qual foi a coisa mais difícil sobre a descoberta?

— O mais difícil foi encontrar o túmulo, — brincou. Todos os presentes riram alto.

— Agora a sério, — acrescentou ele. — A parte mais difícil foi manter constância suficiente durante anos de intensa busca.

— Obrigado, Sr. Carter.

Carter e a sua companheira subiram as escadas onde o diretor do Museu Britânico os esperava com o primeiro-ministro e outras autoridades para apertarem as mãos.

Durante a visita, ele explicou a todos os presentes como descobriu o quarto que abrigava o túmulo de Tutankhamon. Eles puderam admirar fotografias e réplicas da descoberta, pois as peças originais ainda estavam no Egipto.

Mais tarde, as autoridades e o próprio Carter foram a um coquetel preparado em sua homenagem num dos restaurantes mais famosos da cidade. Enquanto isso, pudemos conferir mais de perto a incrível descoberta que ele fez. Todos os objetos da câmara mortuária estavam em perfeitas condições. Foi um verdadeiro milagre que os ladrões de túmulos não profanassem um tesouro tão incrível durante séculos.

Naquela noite, voltei à redação para preparar a matéria que seria a primeira página de todos os jornais da cidade. Procurei dar um toque pessoal para que diferisse das crónicas dos meus colegas de profissão.



Na manhã seguinte, voltei cedo ao jornal, que era um prédio modernista de cinco andares construído no início do século. Subi a sua ampla escadaria até ao segundo andar e encontrei a mesma rotina que respirava diariamente. Um movimento incessante de pessoas que entravam e saíam dos escritórios com algumas novidades para contar.

Atravessei o corredor em meio ao barulho ensurdecedor das máquinas de escrever, o som dos telefones a tocar sem parar, os gritos contínuos dos correspondentes e um cheiro forte de tabaco que tornava o ambiente irrespirável.

Abri a porta e entrei na sala do diretor, um escocês de sessenta anos de nariz comprido, costelas grossas e rosto magro. Ele reuniu vários editores em quem confiava naquela manhã.

— Entra e fecha a porta, — disse ele mal-humorado —. Como fui proibido de fumar, não suporto esse cheiro.

— É para já, senhor, — disse Sarah, a editora-chefe.

Naquele dia ela abusou do seu perfume francês e não deixou ninguém indiferente.

— Temos muito trabalho a fazer esta manhã. As vendas de domingo caíram de forma alarmante nos últimos dois meses, — disse ele, batendo na mesa. — Se continuarmos assim, o jornal vai à falência. Precisamos de algo novo que coloque o Daily Telegraph na vanguarda desta cidade.

— Poderíamos acrescentar um relato policial, — comentou um recém-chegado da competição.

— Muito banal, — disse ele, colocando os braços na cintura. — Já tentaram noutros jornais e foi um fracasso. Todos os escritores desta geração consideram-se uns Conan Doyle.

Um jovem correspondente que havia começado a trabalhar na semana anterior tirou o seu cachimbo, colocou tabaco nele e riscou um fósforo. O escocês foi até ele e tirou-lhe o cachimbo da boca.

— Não me ouviste antes?

O rapaz ficou pálido e todos nós contemos o riso. Ele não sabia com quem estava a brincar.

— Mais alguma ideia? — Rosnou.

— Talvez um manual de bricolage ou jardinagem, — acrescentou Sarah.

— Toda a gente neste país entende de jardinagem, — respondeu ele com um gesto de desprezo. — Se só pensam dizer coisas estúpidas, é melhor ficarem calados, — ele acrescentou com um olhar ameaçador. — Precisamos de algo inovador.

Todos nós ficámos em silêncio por alguns minutos sem saber o que dizer. Fui até à cafeteira e servi-me de uma caneca cheia. Tinha uma ideia a assombrar-me desde a noite anterior, mas não sabia se deveria compartilhá-la.

— Acho que tenho algo interessante, — anunciei enquanto largava o café na mesa.

— Estou a ouvir.

— A descoberta de Carter no Egipto pode ser uma mina de ouro. Fez com que as pessoas se esquecessem dos desastres da guerra.

— Onde queres chegar?

— As pessoas continuam a ter um desejo insaciável pelas histórias dos nossos grandes exploradores.

— Essas expedições podem ser encontradas em qualquer biblioteca pública.

— É verdade. Mas podemos surpreendê-los com uma história menos conhecida. Existem milhares de histórias interessantes à espera para serem publicadas.

— Não sei se vai funcionar, —respondeu ele duvidoso. — E onde pensas consegui-las?

— Podemos começar pela biblioteca do Museu Britânico.

Ele ficou em silêncio por alguns momentos, cabisbaixo e acrescentou:

— Se ninguém tiver uma ideia melhor, tentaremos por alguns dias.

A reunião deu-se por encerrada. Saímos do escritório e continuámos com o nosso trabalho diário.



Quando acordei, a janela estava coberta por um manto branco. Nevara após um ano e as ruas estavam cheias de crianças que não paravam de jogar bolas de neve. No caminho para o Museu Britânico, vi como um casal de transeuntes escorregou desamparadamente; o gelo tornou várias ruas intransitáveis e alguns trabalhadores começaram a adicionar sal para evitar males maiores.

Apesar disso, a biblioteca do Museu estava lotada como sempre, pelas suas portas entrava e saía uma enxurrada incessante de gente: estudantes, leitores, turistas e pesquisadores que passavam horas dentro das suas paredes.

Subi as escadas, tomando cuidado para não escorregar, atravessei o corredor e cheguei ao átrio: uma grande sala de leitura circular com espaço para mais de mil pessoas. Ali estavam os volumes mais antigos da Inglaterra.

Tive que ficar na fila da receção até que uma bibliotecária de cabelos louros e fato azul-marinho me mostrasse onde poderia começar a procurar.

— Temos três tipos de inventários — explicou ela, erguendo os seus preciosos olhos acima de uns minúsculos óculos redondos — :topográficos, cronológicos e por assunto.

— Estou à procura dos diários de exploração dos últimos cinquenta anos.

A funcionária suspirou.

— Inicie a sua pesquisa por «Assuntos». Depois pode fazer um estudo cartográfico e, por fim, expandi-lo cronologicamente.

— Isso significa que posso encontrar informações em todos os três inventários?

Ela assentiu com um meio sorriso.

Ouvindo isto, cobri o rosto com as mãos.

Fui ao segundo andar e, após passar por vários corredores cheios de estantes, encontrei uma secção com vários manuscritos.

Pedi a documentação ao responsável e este foi depositando sobre a mesa uma montanha de arquivos que ultrapassava a minha altura.

— É tudo por hoje? — Perguntou.

— Espero que sim, — respondi resignado.

— Se não terminar, temos prateleiras na receção onde os investigadores guardam as informações para o dia seguinte.

— Muito obrigado. Foi muito gentil.

Liguei o pequeno candeeiro verde que cada mesa tem e abri a primeira pasta, como faria nos dias seguintes.

Depois de alguns dias de pesquisa, comecei a arrepender-me da minha proposta, aquele assunto não ia ser nada fácil. As informações eram infinitas, levaria anos para estudá-las em detalhes. Encontrei desde exploradores que descobriram os lugares mais remotos da África e da Ásia, até arqueólogos que desenterraram o legado histórico do Oriente.

A meio da manhã, enquanto folheava algumas páginas, vi como um tipo não parava de olhar para mim algumas mesas à frente. Não sabia se o conhecia de algum lugar ou se ele estava à minha procura por algum motivo. Procurei lembrar-me e não devia dinheiro a ninguém. Um momento depois, olhei novamente e ele já não estava mais lá.

Depois do almoço, vasculhei as estantes da Biblioteca. Senti-me verdadeiramente privilegiado enquanto corria os meus dedos por aqueles volumes com tantos séculos de história: o diário pessoal de Stanley na sua odisseia pela África para encontrar as nascentes do Nilo e o seu subsequente encontro com Livingstone. As dificuldades pelas quais os exploradores árticos liderados por Shackelton passaram quando o seu navio ficou preso no gelo por meses e eles quase perderam a vida; a corrida para conquistar o Polo Sul entre Amundsen e Scott, na qual ele tragicamente acabou a perder a sua vida e as várias descobertas arqueológicas dos nossos mais aclamados exploradores.

Esta investigação não me levava a lado nenhum e eu precisava mudar isso.

— Com licença, menina, você disse-me que além da documentação escrita também é possível consultar os mapas.

— Não temos apenas mapas, também temos jornais e fotografias.

O meu rosto empalideceu como no primeiro dia; esta rapariga era uma fonte inesgotável de boas notícias.

Desta vez, tive que descer para o porão. Lá, estudei diversos mapas e jornais do século XIX. Embora as suas leituras fossem interessantes, a maior parte das informações já era conhecida do público em geral. O meu trabalho era descobrir algo novo e em quatro dias eu havia encontrado apenas algumas histórias que valessem a pena descrever.

Estava absorto em jornais que ainda cheiravam fortemente a tinta quando taparam os meus olhos e a tinta deu lugar a um perfume agradável.

— Adriana! — Exclamei não convencido.

— Agora és bruxo ou quê? — Ela perguntou, sorrindo.

Adriana era uma siciliana de olhos verdes intensos, sorriso fácil e a melhor dançarina que já conheci. Emigrara com os pais quando era criança.

— O que te traz cá? — Ela perguntou, sentando-se à minha frente.

— Sabes como é. No jornal, um dia estás no Parlamento e no outro à procura de informações numa biblioteca.

— Que inveja. Passo o dia todo no cabeleireiro.

Balancei a cabeça com um sorriso.

— Vais ao salão este sábado?

— Claro. Estou muito contente com a minha professora.

— Conheço-a?

— Agora que penso nisso, ela parece-se muito contigo.

Ela riu e da mesa ao lado começaram a olhar para nós.

— Vou deixar-te trabalhar. Esta noite vou ver o último filme da Gloria Swanson, alinhas?

— Impossível. Estou cheio de trabalho. Vemo-nos no sábado.

Ela deu-me um beijo na bochecha e foi embora a sorrir.

Depois de um tempo, descobri entre as prateleiras o tipo que me observava três dias antes. Sem pensar duas vezes, levantei-me e fui pedir-lhe uma explicação, mas quando cheguei não havia ninguém lá. Passei por alguns corredores e não o encontrei, parecia que a terra o havia engolido; isto começava a cheirar mal.

Rumores chegaram até mim na sexta-feira de que o meu chefe não estava satisfeito com o meu trabalho. Repeti ad nauseam que ele precisava de mais ajudantes de pesquisa, mas ele não levou o meu conselho a sério.

Todo o trabalho recaiu sobre mim. O mais frustrante é que, se a publicação fosse um sucesso, todo o crédito iria para o jornal e o seu editor. Para mim, haveria apenas uma pequena resenha no final de cada artigo com o nome impresso, mas se fosse um fracasso o único culpado seria eu.



Após uma semana de investigação, o Sr. Dillan mandou chamar-me. Quando cheguei à sua porta, notei que as vidraças do seu escritório haviam sido alteradas e o seu nome podia ser lido numa enorme placa.

— O que me trazes hoje? — Ele perguntou cético. Eu sabia pelos meus colegas que não havia encontrado nada de novo. — Encontraste algo que possa ser publicado?

Tirei a gabardina e o chapéu e coloquei no cabide ao lado do porta-guarda-chuvas. De seguida, sentei-me numa cadeira de carvalho gasta.

— Tenho algumas histórias de exploradores africanos que descobriram pequenos rios na costa oeste.

O escocês abanou a cabeça repetidamente.

Foi até ao rádio e desligou um discurso enfadonho do primeiro-ministro.

— Adicionando um pouco de aventura e embelezando um pouco o artigo, poderíamos publicá-lo.

— E só me trazes isso depois de uma semana? — Ele respondeu, olhando para mim. — Não foste ao pub com aquela morena?

Abanei a cabeça.

— Passo o dia todo a trabalhar no museu, — respondi. — A italiana é uma boa amiga que me ensina a dançar charleston.

— Aquela dança americana descarada?

— É divertido, — eu disse, sorrindo. — Deveria experimentar.

O Sr. Dillan olhou para mim com cara de poucos amigos e eu olhei para baixo.

— Recebi permissão da Sociedade Geográfica para investigarmos nas suas instalações, — anunciou, entregando-me o documento. — A partir de amanhã vais trabalhar lá.

— Ótimas notícias, senhor.

— Espero que tragas notícias melhores da próxima vez. Agora sai daqui. Estou cheio de trabalho.



Dei a volta à almofada algumas vezes, levantei-me e fiz um café forte. Naquela manhã, senti-me revigorado. Foi o meu primeiro dia na biblioteca da Real Sociedade Geográfica Britânica, a mais alta autoridade nestes assuntos. Lá era apenas permitido investigar a pessoas muito influentes no campo das universidades de Oxford e Cambridge. Felizmente, o Sr. Dillan era sobrinho de um dos patrocinadores mais influentes da instituição e obtivemos uma licença para investigar por duas semanas.

A biblioteca da Sociedade era menor que a do Museu Britânico, mas continha verdadeiros tesouros. Nos primeiros dias a investigação continuou na mesma linha da semana anterior. Todos eram nomes familiares de exploradores famosos que escreveram páginas gloriosas da história do Império Britânico.

A minha surpresa veio quando menos esperava: revia expedições ao Médio Oriente quando descobri um nome que se repetia tanto nas descobertas da Mesopotâmia quanto do Egito: o seu sobrenome era Henson.

O que chama a atenção no caso é que só apareceu em documentos anexados ao original, nunca no diário oficial da expedição, o que me chamou especialmente a atenção. Continuei a investigação por dois dias sem encontrar o seu nome em mais nenhuma exploração; não sabia se o motivo era a sua morte ou o desaparecimento em algum deles.

O meu interesse continuou a crescer num caso tão incomum e decidi concentrar-me nele.

Fiz uma pesquisa detalhada, primeiro em ordem alfabética por índice do navegador e depois em ordem cronológica por data, mas nada permaneceu lá.

Decidi tentar um novo caminho e perguntei ao gerenciador de arquivos se ele conhecia esse Henson. Infelizmente, ele estava no cargo há apenas alguns anos e nunca na vida ouvira falar dele.

Depois de almoçar um rodo de carne com legumes, voltei à redação e perguntei aos colegas que já estavam há mais tempo no jornal se o nome lhes era conhecido. Ninguém ouvira falar dele.

Naquela tarde, voltei à Biblioteca da Sociedade Geográfica e continuei a procurar por horas. Novamente procurei pelo índice de exploradores, depois fui aos diários pessoais que existiam de alguns exploradores e, por fim, fiz uma busca pelo índice topográfico.

Foi neste último índice que voltei a encontrar o seu nome, mas desta vez associado a uma expedição à América do Sul. Isto era ainda mais improvável, pois poucos exploradores britânicos jamais se aventuraram nestas terras remotas.

O incomum é que o encontrei novamente num documento anexo; não apareceu no registo da expedição.

Ele agora tinha três referências: duas no Médio Oriente e uma no continente americano, mas as informações ainda eram insuficientes.

Passei o dia todo a tentar encontrar algo novo, mas esse Henson havia sido engolido pela terra.



Começava a ficar desmoralizado com o assunto: os leitores do nosso jornal deviam contentar-se com alguma pequena descoberta no continente africano que fosse minimamente interessante depois de ser adornada por um bom editor.

Saí naquela tarde pela porta do edifício com a cabeça baixa. Uma forte chuva caía do lado de fora e abri o guarda-chuva. Várias poças se formaram e o poste de luz em frente ao prédio não parava de piscar.

O porteiro com quem eu fizera amizade aproximou-se de mim.

— Como correu a investigação? — Ele perguntou enquanto gotas de chuva caíam no guarda-chuva.

— Mal. Não consigo encontrar nada de notável no tal Henson.

— Ontem cruzei-me com o antigo porteiro da Sociedade Geográfica. Lembre-se de que, há anos atrás, havia um Henson na Sociedade Geográfica.

— Claro! Como não pensei nisso antes? Eu deveria ter perguntado entre os ex-funcionários.

Samuel foi até ao poste, bateu algumas vezes na base e corrigiu o problema. Em dias chuvosos, os apagões eram frequentes.

— Quanto tempo falta para fechar?

— Meia hora. Às sextas-feiras fechamos mais cedo.

— Eu preciso encontrar alguma coisa para continuar a investigação.

Corri escada acima e procurei nos volumes anteriores à data que havia pesquisado. A atividade mais fecunda da Sociedade Geográfica começou em 1850, data a partir da qual comecei as minhas pesquisas. Mas foi fundada em 1830, o que significava que havia vinte anos que eu não tinha visto.

Pude constatar que os volumes desse período nada tinham a ver com os que havia estudado anteriormente: nos primeiros anos a atividade de exploração era menor.

Decidi começar pela fundação da Sociedade Geográfica e tudo aconteceu mais rápido do que esperava. Nas primeiras páginas encontrei o seu nome: o seu nome era Philip Henson e havia sido um dos cofundadores da Sociedade Geográfica; veio do norte da Inglaterra, mais especificamente da cidade de Newcastle.

Depois de um tempo, Samuel veio avisar-me sobre o horário de encerramento. Apreciei muito a sua informação, porque sem ele não teria sido possível continuar. Agora eu tinha algo sólido em que me apoiar e poderia ganhar tempo para investigar mais a fundo.

Passei os dias seguintes na biblioteca a estudar as origens desse Henson, que era de uma família rica da indústria do carvão do norte da Inglaterra.

Ele havia servido na Índia no destacamento de Janipur, onde conheceu a sua esposa Maureen, cuja família também servia lá. Após retornar à Inglaterra, ele continuou com o negócio de mineração familiar e dedicou o seu pouco tempo livre à sua grande paixão: a Geografia. Manteve contacto com os seus colegas universitários, que o convenceram a ingressar na recém-criada Sociedade Geográfica.

Mas tornou-se um parceiro simbólico devido à sua dedicação ao negócio e só comparecia às reuniões do Conselho quando o tempo permitia. Ele tinha voz e voto nelas, mas não participou de nenhuma expedição organizada em território britânico. Só quando se mudou para o norte da Espanha é que fundou uma Sociedade Geográfica na Península Ibérica e participou de uma expedição.

Isto não fazia sentido, já que ele havia encontrado o seu nome em três expedições, mas a sua biografia apenas falava de comparecer às reuniões do Conselho.

Saí da biblioteca e fui procurar o Samuel, que verificava o registo de visitantes.

— Preciso do endereço do antigo porteiro. Gostaria de fazer-lhe uma visita esta tarde.

— Não será necessário. O Sr. Mason passa o dia todo no Dois Cisnes. Um pub ao final da Kensington Road.

Não pensei nisso por um momento e decidi ir ao bar conversar com Mason. De passagem, aproveitaria para comer um bom guisado.

Era um estabelecimento subterrâneo com uma fachada preta antiquada.

Ao entrar, descobri que ele estava bastante animado apesar das horas do dia. Lá eles destilavam um gin que derrubaria um cavalo. À medida que me aproximava do bar, o cheiro era mais intenso.

— Conhece o Sr. Mason? — Perguntei ao garçon.

— Ei, amigo! Está a perguntar pelo Mason? — Gritou um sujeito alto e magro com sobrancelhas profundas sentado numa mesa perto do bar.

— É você? — Perguntei.

— Depende de quem quer saber. Quem me pagar uma caneca de cerveja é bem-vindo.

Virei a cabeça e pedi ao garçon que nos servisse duas canecas.

O empregado acenou com a cabeça com um sorriso. Da cozinha vinha o aroma de um ensopado fresco. Eu estava com fome. Peguei nas cervejas e sentei-me à mesa.

— O meu nome é Paul e sou correspondente do Daily Tel...

— Eu sei quem você é — ele interrompeu.

Ele tomou um grande gole da cerveja e colocou-a sobre a mesa.

— Só me lembro de um Henson. Via-o uma vez por ano.

— Porque não compareceu às reuniões? — Perguntei. — Pelo que sei, você foi um dos cofundadores.

— É muito simples. A empresa mineira para a qual trabalhava transferiu-o para o norte da Espanha. Ele só ia para a Sociedade Geográfica quando estava de férias.

Numa mesa próxima, houve uma grande comoção num jogo de bridge. Um pouco mais adiante podia-se ouvir o som incessante de dardos a acertar o alvo.

— Sabe de mais alguma coisa?

Mason abanou a cabeça.

— Muito obrigado. Tenho trabalho a fazer — apertei a sua mão e voltei para a biblioteca.



Eu estava num beco sem saída. A vida de Philip Henson não era interessante. Depois de uma semana de pesquisa, não tinha nada decente para publicar.

Perguntei ao meu chefe se seria possível uma entrevista com o seu tio, pois ele era a única pessoa que o conhecia. Ele disse-me que era impossível, pois tinha cerca de noventa anos, estava com a saúde debilitada e havia perdido a memória; as visitas eram totalmente proibidas.

Ainda faltava uma semana de pesquisa, mas não sabia onde continuar a procurar. A única pista que tinha era que a sua família era de Newcastle e que ele fazia parte da empresa mineira Fundições em escala norte.

Depois do chá, fui para a sede da fundação mineira em Londres. Era um prédio às margens do Tâmisa, de onde havia excelentes vistas do Big Ben.

Lá fui recebido num elegante escritório da era vitoriana pelo Sr. Harris, um contabilista azedo com olheiras profundas. A sala estava cheia de fotos de indústrias de mineração e alguns vasos de porcelana.

— Entre e sente-se, — disse ele educadamente. — Em que posso ajudá-lo?

Tirei o chapéu e o cachecol e sentei-me. Estava um vento forte naquele dia.

— Procuro informações sobre um membro sénior da sua empresa, o Sr. Philip Henson.

— Receio não ter tido o prazer de conhecê-lo. O Sr. Henson faleceu há vários anos.

Sobre a mesa estava um capacete de mineiro reluzente e um enorme pedaço de carvão dentro de uma urna. Fingi tocá-la, mas desisti quando vi que o tipo estava carrancudo a olhar para mim.

— Poderia dizer-me algo sobre ele?

— Tudo o que sei é que a família dele veio do condado de Melvintone, nos arredores de Newcastle.

Abriram a porta e a sua secretária disse-lhe que esperavam por ele.

— A sua esposa vive lá?

— Eu não sei de mais nada.

— Muito obrigado, Sr. Harris. Foi muito gentil.

Despedi-me com um aperto de mão e saí do escritório.



Ao sair dos escritórios, vi ao final da rua a paragem do elétrico que me levaria de volta para casa. Quando os passageiros entraram na carruagem, tive a impressão de distinguir o mesmo tipo que me observava no Museu.

Sem pensar duas vezes, corri até à paragem; alguns transeuntes repreenderam-me quando os afastei. A distância parecia curta, mas, à medida que avançava, senti-me sufocado; estava a envelhecer sem perceber.

Consegui agarrar-me ao parapeito traseiro da carruagem assim que o elétrico começou a andar. Entrei exausto, abaixei-me e comecei a tossir tanto que quase vomitei.

Uma pequena comoção surgiu ao meu redor, levantei a cabeça e vi o tipo a sair pela outra porta quando se apercebeu da minha presença. Não tive forças para voltar a segui-lo.



Antes do sol nascer, dirigi-me à estação Victoria e comprei um bilhete de comboio para Newcastle. Era a minha última opção e não iria desperdiçá-la.

A viagem parecia curta. Fora apenas quatro horas de viagem nas quais foi possível contemplar as grandes cores que as paisagens do campo inglês ofereceram durante a primavera.

Newcastle é uma cidade cinzenta, com casas baixas, onde as pessoas são um tanto taciturnas e não recebem bem os estrangeiros. Felizmente, eu não estava ali de férias e passaria apenas um ou dois dias no máximo.

Naquela manhã, aluguei um carro e saí da cidade. As paisagens eram como Emily Brontë as retratava nos seus romances: charnecas enevoadas com vegetação esparsa, pântanos fedorentos abundantes e pequenas colinas erodidas pelo vento forte e pelo frio ao longo do ano. Tudo isso acompanhado de uma chuva incessante ainda mais intensa que no resto do país.

Passei a noite na pensão da cidade mais próxima da aldeia dos Henson. O jantar estava delicioso e o dono mostrou-me o caminho que eu deveria seguir para chegar à sua terra.

Os Henson viviam num rancho com vários quilómetros de extensão a uma curta distância de onde me havia hospedado: uma formidável mansão de dois andares construída no século XVIII em granito escuro com grandes vinhas a subir até às suas amplas janelas. Na margem direita, avistava-se um pequeno pântano rodeado por bétulas onde vários pares de cisnes brancos nadavam majestosamente.

O mordomo fez-me esperar muito tempo na porta, depois fez um sinal para que eu o seguisse até aos fundos da mansão; havia uma velha a cuidar de umas roseiras esplêndidas.

Era a sua irmã, Emma Henson, uma velha com cabelos grisalhos e um largo sorriso, que usava um elegante vestido branco.

— Prazer em conhecê-lo — ela tirou a sua luva de jardinagem e apertou a minha mão.

— Igualmente.

— Fui informada de que você veio de Londres à procura do meu irmão.

— Isso mesmo. Sou correspondente do Daily Telegraph. Estamos a fazer uma série de relatos sobre a Sociedade Geográfica.

A Sra. Henson gesticulou para o mordomo e em poucos minutos foi-nos servido chá com uma fatia de torta de framboesa.

— Sabemos que o seu irmão foi um dos cofundadores da Sociedade Geográfica e que depois partiu para a Espanha.

— Lá ele fundou uma filial da Sociedade Geográfica de Londres. Era comum naqueles anos que muitos geógrafos colocados em outros países fundassem novas associações como a original.

Do outro lado do jardim, ouvia-se o som das pinças do jardineiro a podar uma bela cerca viva.

— Poderia dizer-me quais expedições foram realizadas pela Sociedade Espanhola?

Ela negou com a cabeça.

— E as expedições para a América do Sul e Médio Oriente?

— Não estou ciente de tais expedições. É a primeira notícia que tenho.

Os insetos começaram a pairar sobre a nossa mesa atraídos pelo cheiro dos bolos e a Sra. Henson rapidamente os enxotou.

— Poderia falar com a sua cunhada? Talvez ela tenha mais informações.

— A esposa do Philip faleceu há muito tempo. Ela esteve doente durante a maior parte da sua vida, mal conseguiu passar tempo com o marido.

Coloquei um pedaço de bolo na boca e cheirei o chá de jasmim. Decidi aproveitar o lanche, pois aquela conversa não me levava a lugar nenhum e era cada vez mais difícil ter algo claro sobre o assunto.

Naquele momento, vi como Emma sorria.

— Acha que há um erro nos dados da Sociedade Geográfica?

— Mais do que nos dados, talvez tenha na pessoa, — respondeu. — De certeza que está à procura do Henson certo?

—Não estou a entender.

— Talvez esteja à procura do James.

— Quem é o James?

— O James é o filho do Philip. Desde muito jovem sentiu uma paixão pela História e Geografia. Viveu na Espanha por uma temporada quando era adolescente e mais tarde voltou a estudar arqueologia na Universidade de Oxford. Ele tinha um grande espírito aventureiro.

Um grande sorriso se espalhou pelo meu rosto. Agora entendia tudo. Os dados que encontrei foram de expedições da primeira década do século XX.

— As datas que encontrei coincidem com a idade do filho de que me fala. Não conseguia encontrar nenhuma conexão entre Philip e as informações das últimas semanas.

Ela riu de satisfação.

— E diga-me: onde posso encontrá-lo?

— Não tenho notícias do rapaz desde que ele foi para a faculdade. Perdemos o contacto com ele durante anos. A última notícia que tivemos é que ele ficou ferido na Grande Guerra.

— Poderia descrever-me como ele era?

— Era um miúdo moreno com olhos azuis tão intensos quanto os do seu pai. Alto e bonito, com feições angulosas — ela parou por um momento; ficou emocionada ao lembrar-se do sobrinho. — Ele sempre foi um menino brilhante e inteligente.

— Muito obrigado, Lady Emma. É uma grande ajuda. Tenho que apanhar o primeiro comboio de volta para Londres.

Na viagem de volta não parei de pensar no assunto. Isto finalmente começava a tomar forma, com certeza o meu chefe agora concordaria em financiar a pesquisa.



Fui ao escritório do Sr. Dillan e contei-lhe a história. Ele achou surpreendente o curso dos acontecimentos e disse que levasse todo o tempo que precisasse para resolver o mistério.

Sem perder tempo, parti para Oxford, que ficava a apenas uma curta caminhada de Londres.

Ao contrário de Newcastle, esta área do interior da Inglaterra era dominada por uma cor verde intensa. Ela estendia-se por quilómetros intermináveis, atravessados por uma infinidade de canais de rios construídos durante a revolução industrial em diferentes partes do país.

As suas casas centenárias eram verdadeiras joias arquitetónicas. Foi um prazer perder-me nas suas ruas e respirar aquele clima universitário por onde passara estudantes de todo o mundo.

Cheguei na hora do almoço e comi umas sandes e uma caneca de cerveja num bar movimentado no centro da cidade.

A Universidade era composta por um conjunto de edifícios de estilo gótico, com grandes janelas que inundavam o seu interior com claridade. Ao cruzar o jardim do campus, encontrei à minha direita vários grupos de alunos a conversar sob a sombra de uma árvore, à minha esquerda estava uma equipa a jogar râguebi numa ampla campina e, no final do caminho, vários atletas carregavam nos ombros algumas canoas.

Eu já conhecia o porteiro de investigações anteriores. Era um irlandês atarracado, de meia-idade, com maneiras requintadas, que sempre me cumprimentou calorosamente.

— Boa tarde, Richard. — Como vai isso?

— Muito bem. O que o traz aqui desta vez?

— Estou a procurar a biografia de um aluno que estudou na última década do século passado.

— Isso será fácil de encontrar. Sabe o seu nome e apelidos?

— Sim, James Henson.

— Vá para a secretaria e preencha o formulário.

Ao entrar no prédio, passei por uma sala onde um professor se fazia ouvir numa aula de Filosofia.

Depois de alguns minutos, consegui o arquivo do James. Estudara arqueologia entre os anos noventa e noventa e cinco. Era um orientalista realizado, especializado em escrita cuneiforme. Isso explicava as suas expedições ao Médio Oriente, embora eu ainda não entendesse as suas expedições à América do Sul.

Perguntei novamente a Richard se alguém me poderia ajudar com esse assunto.

— O departamento de orientalistas é o maior do campus. Todos os alunos querem descobrir os mistérios da civilização egípcia.

Eu assenti com a cabeça.

— O mais adequado seria o Professor McKingley. É da mesma promoção. Pode ser que o conheça. Mas esta semana ele participa do Congresso de Arqueologia do Médio Oriente em Berlim. Terá que esperar por ele.

Naquele momento tocou a campainha que encerrou as aulas e a maior parte dos alunos começou a sair com grande alvoroço.

— Quem me poderia informar da expedição à América Latina? — Perguntei, levantando a voz. Ninguém ouviu nada por alguns momentos.

— Vai ter mais sorte com essa parte. Não há muitas pessoas especializadas nesse assunto na nossa Faculdade. A maior especialista nesse campo é Lady Margaret. O seu escritório fica no segundo andar, na ala oeste.

Fui até ao prédio e, após atravessar o imponente átrio, subi ao escritório e bati na porta. Ela recebeu-me com cortesia e fui ao seu escritório.

Lady Margaret usava um vestido verde que realçava ainda mais os seus olhos penetrantes; o seu cabelo loiro estava preso num coque elegante que embelezava o seu rosto, destacando as suas maçãs do rosto proeminentes.

— James? Sim, claro que o conheço. Fomos juntos numa expedição à América do Sul. Estávamos a procurar vestígios de civilizações pré-colombianas.

— Quando foi isso? — Perguntei com um sorriso.

— No início do século.

— Estive a pesquisar aquela expedição na Sociedade Geográfica e quase não encontrei nenhuma informação. Somente no verso de um documento é que estava o seu sobrenome.

— Talvez não tenha feito a pesquisa adequada, — respondeu ela, muito surpresa. — Agora que mencionou, a última vez que verifiquei o registo, ele só mostrava os meus dados. Também foi muito estranho para mim.

Ouvi as suas palavras intrigado; não esperava aquela resposta.

— Vai ter que me desculpar, mas tenho uma aula daqui a nada, — disse ela, levantando-se da cadeira e pegando em alguns livros. Se quiser saber mais, pode passar na minha casa esta tarde.

— Isso seria formidável, Lady Margaret.

— O endereço é Corton Road número cinco. Fica no sul, fora da cidade. Às quatro horas parece-lhe bem?

— Lá estarei.

— É a última casa do quarteirão. A das tulipas na entrada, — ela acrescentou quando saímos para o corredor. — Não tem como errar.





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Um thriller vibrante de aventura, suspense e mistério ambientado no último quartel do século XIX e na Primeira Guerra Mundial. Um arqueólogo proeminente desaparece em circunstâncias estranhas durante a Primeira Guerra Mundial, enquanto os exércitos lutam contra uma frente interminável em batalhas sangrentas e enormes dificuldades que causam estragos nos dois lados. No final da guerra, um jornalista perspicaz, intrigado com o surpreendente desaparecimento do arqueólogo, assumirá uma investigação complexa, que o levará a viajar por diferentes continentes em uma busca rápida até que ele possa desvendar um episódio incomum na história do Império Britânico. Mergulhe em um thriller em ritmo acelerado, onde você poderá descobrir alguns dos achados mais famosos da era de ouro da arqueologia.

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