Книга - A Vida No Norte

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A Vida No Norte
Tao Wong


O que acontece quando o apocalipse chega? Não através de armas nucleares nem cometas, mas com Níveis e monstros? E se estivesses a acampar no Yukon quando o mundo acabasse? Tudo o que John queria era afastar-se da sua vida no Parque Nacional de Kluane durante um fim de semana. Caminhada, acampamento, relaxar. Em vez disso, o mundo acaba numa série de caixas azuis. Os animais começam a evoluir, monstros começam a aparecer e ele tem uma folha de personagem e capacidades que desafiam a física. Agora, ele tem de sobreviver ao apocalipse, voltar à civilização e não perder a cabeça. O Sistema chegou e, com ele, extraterrestres, monstros e uma realidade inspirada em lendas antigas e jogos. John vai ter de encontrar novos amigos, lidar com a sua ex e matar os monstros que continuam a surgir. A Vida no Norte é o Livro 1 do Sistema do Apocalipse, uma série apocalíptica de RPG Literário, que combina elementos da vida moderna, ficção-científica e fantasia, juntamente com as mecânicas de um jogo.

O que acontece quando o apocalipse chega? Não através de armas nucleares nem cometas, mas com Níveis e monstros? E se estivesses a acampar no Yukon, quando o mundo acabasse? Tudo o que John queria era afastar-se da sua vida no Parque Nacional de Kluane durante um fim de semana. Caminhada, acampamento, relaxar. Em vez disso, o mundo acaba numa série de caixas azuis. Os animais começam a evoluir, monstros começam a aparecer e ele tem uma folha de personagem e capacidades que desafiam as leis da física. Agora, ele tem de sobreviver ao apocalipse, voltar à civilização e não perder a cabeça. O Sistema chegou e, com ele, extraterrestres, monstros e uma realidade inspirada em lendas antigas e jogos. John vai ter de encontrar novos amigos, lidar com a sua ex e matar os monstros que continuam a surgir. A Vida no Norte é o Livro 1 do Sistema do Apocalipse, uma série apocalíptica de RPG Literário, que combina elementos da vida moderna, ficção-científica e fantasia, juntamente com as mecânicas de um jogo. Esta série contém elementos de jogos como a subida de nível, experiência, materiais enfeitiçados, um espírito sarcástico, mecha, um elfo sombrio e cativante, monstros, minotauros, uma ruiva impiedosa e uma perspetiva semi-realista da violência e dos seus efeitos. Não inclui haréns.



Translator: Cláudia Amaral







A Vida no Norte

Um RPG Literário Apocalíptico

Livro 1 do Apocalipse do Sistema



por



Tao Wong



Traduzido por Cláudia Amaral


Copyright



Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.



Este eBook é licenciado apenas para o seu usufruto pessoal. Este eBook não pode ser revendido nem dado a outra pessoa. Se quiser partilhar este livro com outra pessoa, por favor, compra outra cópia para cada destinatário. Se estiver a ler este livro e não o tiver comprado, ou se o mesmo não foi comprado apenas para o seu próprio uso, por favor, aceda à sua livraria de eBooks preferida e compre a sua própria cópia. Obrigado por respeitar o trabalho árduo deste autor.



A Vida no Norte



Copyright © 2021 Tao Wong. Todos os direitos reservados.

Traduzido por Cláudia Amaral

Design da Capa Copyright © 2021 Sarah Anderson



Um livro da Starlit Publishing

Publicado pela Starlit Publishing

PO Box 33035

High Park PO

Toronto, ON

M6P 3K0

Canadá



www.starlitpublishing.com


Índice

Capítulo 1 (#ulink_72093bdc-1d43-51d8-87dd-0b79b44b0000)

Capítulo 2 (#ulink_acabf1ca-2e2d-5933-ae0f-0073182fb266)

Capítulo 3 (#ulink_74e50078-f302-596b-bf05-dcfd78867868)

Capítulo 4 (#ulink_a0e7e35d-dd44-59e8-9cc3-35ae521d4fca)

Capítulo 5 (#ulink_666559f4-1668-58db-8f49-e2dfa0754194)

Capítulo 6 (#ulink_0f157f1c-03ea-5cb4-bf9d-e1eb17b0c6ce)

Capítulo 7 (#ulink_c83d988e-baeb-5f03-9dbf-904686a9b09e)

Capítulo 8 (#ulink_f3bfc5ed-e1fe-5d45-b000-2203f441fab8)

Capítulo 9 (#ulink_741c71a5-c272-5a4f-908c-16aea041e3fe)

Capítulo 10 (#ulink_76de12ba-af5b-571d-a557-f7e6271a2469)

Capítulo 11 (#ulink_10a12b66-8ef5-520a-bbea-964999f4dd4e)

Capítulo 12 (#ulink_d0915436-2664-51b6-825b-ba9c3b1b18eb)

Capítulo 13 (#ulink_886fa5ca-bd12-55ab-90a2-f457d62c8dd0)

Capítulo 14 (#ulink_0768c8cc-cf7d-5d55-98a7-aa745d277ecb)

Capítulo 15 (#ulink_0adb627b-38ff-5359-aeb3-c084f4992258)

Capítulo 16 (#ulink_ed19525b-1f13-5025-b28a-fa13050c294a)

Capítulo 17 (#ulink_ff6516f3-4522-561b-9e03-9ead54dda517)

Capítulo 18 (#ulink_49359564-048f-598a-8710-2931c0d0fba8)

Capítulo 19 (#ulink_89ab4448-275b-5ff8-a7e0-ce8d4558466f)

Capítulo 20 (#ulink_8a1d6a5f-c65b-5e9c-961a-29964f1df46c)

Capítulo 21 (#ulink_1d765aac-2887-51fa-9a67-7c98d8fb5865)

Capítulo 22 (#ulink_157d879f-f7e4-5450-83ff-34903e11de58)

Capítulo 23 (#ulink_30aabe50-e066-594b-8e9c-ea2caa6367a0)

Capítulo 24 (#ulink_ed459e46-523a-5a06-8f21-f94bd9db4258)

Capítulo 25 (#ulink_63c8d61c-9e70-561f-868b-01309158b3e0)

Nota do Autor (#ulink_dea4d396-86d4-5023-87b5-af9ac827d03e)

Sobre o Autor (#ulink_0d73fb8a-b7e2-5479-a8ed-8f5d5538d441)

Sobre a Editora (#ulink_51381190-e410-54ca-869a-c89aa5d38db8)

Livros no Universo do Sistema do Apocalipse (#ulink_7025c583-6954-503c-9812-93ee84fbd7e0)

Glossário (#ulink_00fcaed4-88ad-5800-9a8f-aca166989421)

Esquema de Habilidades da Guarda de Honra de Erethran

Habilidades do John (#ulink_cafc1e7e-deb4-5d36-9695-0537af329765)

Feitiços (#ulink_158dda57-f3c0-51c5-8385-f4c2330df378)

Equipamento (#ulink_4a5e97f0-f072-58d3-bd7b-3cca182f79e2)




Capítulo 1


Saudações, cidadãos. Como uma imersão pacífica e organizada no Conselho Galáctico foi recusada (extensiva e dolorosamente, deixem-nos acrescentar), o vosso mundo foi declarado um Mundo Masmorra. Obrigado. Estávamos a começar a ficar aborrecidos, depois dos últimos doze.



É de referir que o processo de formação de um Mundo Masmorra pode ser complicado para os seus habitantes atuais. Recomendamos que deixem o planeta até o processo estar concluído, em 373 dias, 2 horas, 14 minutos e 12 segundos.



Para aqueles que não puderem ou não queiram sair, saibam que as novas masmorras e monstros errantes irão aparecer de forma intermitente, durante o processo de integração. Todas as masmorras e zonas novas irão receber os níveis mínimos recomendados. Contudo, durante o período de transição, espera-se que haja uma volatilidade significante nos níveis e nos tipos de monstro em cada masmorra e zona.



Como novo Mundo Masmorra, o vosso planeta foi designado um local de imigração livre. Mundos não desenvolvidos dentro do Conselho Galáctico podem tirar partido desta nova política. Por favor, tentem não cumprimentar os novos visitantes como cumprimentaram o nosso Emissário. A vocês, humanos, dava-vos jeito ter amigos.



Como parte da transição, todos os sujeitos sencientes terão acesso a novas classes e habilidades, assim como à interface de utilizador tradicional, adotada pelo Conselho Galáctico, em 119 CG.



Obrigado pela vossa cooperação e boa sorte! Estamos ansiosos por vos conhecer.



Tempo para a iniciação do Sistema: 59 minutos e 23 segundos



Eu gemo e liberto a mão o suficiente para fazer deslizar a caixa azul que está à frente da minha cara, enquanto abro os olhos. Que sonho estranho. Não bebi assim tanto, foram só uns shots de uísque antes de ir para a cama. Assim que a caixa desaparece, surge outra, que escurece a tenda pequena para duas pessoas na qual estou a dormir.



Parabéns! Surgiste na zona do Parque Nacional de Kluane (Nível 110+)

Recebeste 7500 XP (Com atraso)



De acordo com o Calendário de Desenvolvimento do Mundo das Masmorras 124.3.2.1, os habitantes designados a uma região, com um Nível recomendado de 25 ou superior, acima do nível atual dos habitantes, receberão uma Regalia Pequena.



De acordo com o Calendário de Desenvolvimento do Mundo das Masmorras 124.3.2.2, os habitantes designados a uma região, com um Nível recomendado de 50 ou superior, acima do nível atual dos habitantes, receberão uma Regalia Média.



De acordo com o Calendário de Desenvolvimento do Mundo das Masmorras 124.3.2.3, os habitantes designados a uma região, com um Nível recomendado de 75 ou superior, acima do nível atual dos habitantes, receberão uma Regalia Grande.



De acordo com o Calendário de Desenvolvimento do Mundo das Masmorras 124.3.2.4, os habitantes designados a uma região, com um Nível recomendado de 100 ou superior, acima do nível atual dos habitantes, receberão uma Regalia Superior.



Mas que raio? Salto para a frente e quase caio, emaranhado no saco-cama. Consigo soltar-me e uso os meus 1,73 m para me sentar, ao mesmo tempo que desvio cabelo preto dos olhos para fitar a ofensiva mensagem azul. Muito bem, estou acordado e isto não é um sonho.

Isto não pode estar a acontecer. Quer dizer, claro que está a acontecer, mas não pode ser. Tem de ser um sonho, coisas destas não acontecem na vida real. Contudo, tendo em conta as dores e o desconforto bastante realísticos que sinto da caminhada de ontem, não é mesmo um sonho. Ainda assim, isto não pode estar a acontecer.

Estico o braço para tentar tocar na janela e, por momentos, nada acontece. Mas, quando mexo a mão, a janela parece ficar “presa” e mover-se com ela. Parece uma janela num ecrã tátil, o que não faz sentido, uma vez que isto é a vida real e não há um tablet. Agora que estou concentrado, consigo sentir que a janela tem uma espécie de sensação tátil, como tocar em película aderente que está demasiado esticada, com a exceção de que também tem um toque de eletricidade estática. Olho para a minha mão e para a janela e, depois, faço um movimento rápido e vejo a janela começar a encolher. Isto não faz sentido.

Ainda ontem tinha subido o King’s Throne Peak com todos os meus equipamentos, para ver o lago de cima. Como é início de abril, em Yukon, significa que o cume ainda está coberto de neve. Mas eu estava preparado para isso, apesar de os últimos quilómetros terem sido mais difíceis do que estava à espera. Pelo menos, estar fora de casa fez-me esquecer o estado deplorável em que está a minha vida, desde que fui viver para Whitehorse. Sem trabalho, quase sem dinheiro para pagar a renda do próximo mês e tendo acabado de terminar a relação com a minha namorada, ir-me embora numa terça-feira, na sucata que é o meu carro, foi exatamente o que o médico me prescreveu. Por muito má que a minha vida tivesse sido, tenho quase a certeza de que não estava assim tão perto de perder a cabeça. Pelo menos, não ao ponto de ver coisas.

Fecho os olhos e forço-os a ficar fechados durante três segundos, antes de os voltar a abrir. A caixa azul continua ali, a assombrar-me com a sua realidade. Consigo sentir a minha respiração ficar entrecortada. Os meus pensamentos estão a mil à hora, a tentar arranjar uma explicação para o que está a acontecer.

Para.

Obrigo os meus olhos a fecharem-se novamente e o meu treino e hábitos antigos vêm ao de cima. Ignoro a sensação de pânico que me invadiu a mente, obrigo os pensamentos dispersos a parar de divagar e suprimo os meus sentimentos. Este não é o momento nem o lugar para tudo isto. Enfio tudo numa caixa e fecho-lhe a tampa. Empurro as minhas emoções para o fundo, até sentir apenas uma dormência reconfortante e familiar.

Uma vez, um terapeuta disse que o meu distanciamento emocional é um mecanismo de autodefesa que aprendi. Um mecanismo que foi útil durante a juventude, mas que se tornou um pouco desnecessário, agora que sou um adulto com mais controlo sobre o que me rodeia. A minha namorada, ex-namorada, chamava-me apenas um idiota sem sentimentos. Ensinaram-me mecanismos de defesa melhores, mas quando as emoções começam a surgir, uso os que funcionam. Se estiver num ambiente que não consigo controlar, criar caixas azuis flutuantes na vida real pode ser um deles.

Mais calmo, abro os olhos e releio a informação. A primeira regra: as coisas são como são. Não vale a pena discutir, gritar ou preocupar-me com o porquê ou o como ou se estou maluco. As coisas são como são. Portanto... Tenho regalias. E existe um sistema que oferece regalias e atribui níveis. Também vão existir masmorras e monstros. Estou num maldito MMO, sem a porcaria de um manual, ao que parece. Isto significa que pelo menos alguma da minha juventude desperdiçada vai ser útil. Pergunto-me o que diria o meu pai. Empurro a raiva repentina e familiar que surge ao pensar nele e concentro-me antes no problema atual.

Primeiro, preciso de informações. Ou, melhor ainda, de um guia. Estou a seguir o meu instinto, a fazer o que me parece melhor, em vez do que penso ser o correto, uma vez que o meu lado racional está ocupado a pôr os dedos nos ouvidos e a cantar “lá lá lá lá”.

— Estado? — questiono e surge um novo ecrã.








Atributos não atribuídos:

1 Regalia Pequena, 1 Regalia Média, 1 Regalia Grande, 1 Regalia Superior.

Gostaria de os atribuir? (S/N)



A segunda janela surge quase imediatamente à frente da primeira. Quero mais tempo para analisar as estatísticas, mas a maior parte da informação parece ser óbvia e é melhor passar à frente. Não é como se tivesse muito tempo. Assim que penso nisso, o S é pressionado e surge uma lista gigante de Regalias.

Nãotenho mesmo tempo para isto! Definitivamente, não tenho tempo a perder na criação da personagem. Estar preso numa zona que está muito além do meu nível quando o Sistema se iniciar, é um convite para ser devorado. A lista gigante de regalias é demasiado grande para saber por onde começar, principalmente com os nomes que não fazem grande sentido. Que raio quererá dizer Coloração Ajustável? Pronto, este sistema parece funcionar através do pensamento, reagindo ao que estou a pensar, por isso, talvez consiga organizar as regalias por tipo, reduzir a pequenas regalias para ter um guia ou algum tipo de Companheiro?

Quase instantaneamente, o sistema pisca e apenas aparece a palavra Companheiro. Aceno ligeiramente para mim mesmo e surgem mais detalhes, oferecendo-me duas opções.



IA Espírito



Seleciono a IA, mas surge um novo aviso.



Seleção de IA não está disponível.

Requisitos mínimos:

Não possui Classificação IV na Unidade de Processamento.



Resmungo. Pois, não me digas. Não tenho um computador comigo. Ou dentro de mim? Não há nenhum mundo cyberpunk para mim. Pelo menos, não por agora. Mas ia ser muito fixe ter um computador como cérebro e braços metálicos que não doem por passar demasiado tempo no computador. Não é altura para isto, portanto, escolho Espírito a seguir e aceito a pergunta.



Ganhou um Espírito Companheiro do Sistema

Parabéns! Quarto Mundo. Sendo o quarto indivíduo a ganhar um Espírito Companheiro, o seu Companheiro está agora (Ligado). Os Companheiros Ligados irão crescer e evoluir contigo.



Ao rejeitar as notificações, vejo uma luz a começar a brilhar à minha direita. Viro-me, a pensar em quem ou o que será o meu novo Companheiro.



***



— Fugir, esconder ou lutar. Não é assim tão difícil decidir, miúdo.

Olhem, eu não sou perverso. Não precisava de uma fada gira e atraente como meu Espírito Companheiro do sistema. Claro, uma parte de mim esperava que o fosse. Sou um homem de sangue quente que não se importaria de olhar para algo bonito. Ainda assim, em termos práticos, ter-me-ia contentado com um autómato sem género, que fosse eficiente e respondesse às perguntas com o menor número de palavras possível. Em vez disso, calhou-me ele...

Olho para o meu novo Companheiro e suspiro mentalmente. Mal chega aos 30 cm e parece um jogador de futebol americano com uma barba castanha cerrada e encaracolada. Cabelo castanho, olhos castanhos, pele morena e um fato laranja bastante justo, que realça os sítios errados, complementa o conjunto. Ali, o meu novo Companheiro, só aqui está há dez minutos, a explicar-me o mais importante, e eu, em parte, já me arrependi da minha escolha.

Em parte, porque, apesar de todas as suas críticas, até é bastante útil.

— Fugir — decido finalmente, enquanto parto a barra de chocolate e lhe dou outra dentada. Não vale a pena lutar, não posso utilizar nada que consiga afetar um monstro de Nível 110, segundo o Ali. E apesar de não haver garantias de que um deles se irá reproduzir imediatamente, até os monstros de nível mais baixo, que são as suas refeições, seriam demasiado difíceis para mim.

Esconder-me só atrasa as coisas. Portanto, tenho de me pôr a andar do parque, o que, na verdade, não deve ser assim tão complicado. Demorei meio dia a subir a montanha, com uma caminhada árdua, a partir do parque de estacionamento, que fica mesmo dentro da nova zona. A um bom ritmo, devo chegar lá abaixo em algumas horas, o que significa, se percebi bem as coisas, que não devem existir assim tantos monstros. Assim que sair, parece que Whitehorse tem uma Zona Segura, ou seja, posso abrigar-me e descobrir o que raio se está a passar.

— Já não era sem tempo — resmunga o Ali. Com um movimento das mãos dele, uma série de novas janelas surgem à minha frente. Pouco tempo depois de aparecer, ele pediu acesso total ao meu sistema, o que lhe permite manipular a informação que eu vejo e recebo. É muito mais rápido assim, visto que ele me mostra a informação e me deixa ler as coisas, enquanto faz a pesquisa mais aprofundada. As novas janelas azuis (mensagens do Sistema, segundo ele) são as suas opções para as regalias médias e pequenas.



Prodígio: Habilidade Furtiva

És um espião natural. Os Intrépidos contratar-te-iam imediatamente.

Efeito: Todas as habilidades Furtivas são ganhas 100% mais depressa.

+ 50% de aumento do Nível de Habilidades para todas as habilidades Furtivas.



— Porquê esta? — olho com ar de desagrado, enquanto toco no lado da habilidade Furtiva. Não sou bem o típico miúdo espião, sou mais direto na maioria das minhas interações. Nunca senti muito a necessidade de mentir e certamente não me imagino a esgueirar-me e a entrar à socapa em edifícios.

— São habilidades furtivas. Dão um bónus imediato a todas, o que significa que as ganhas mais depressa. Uma Regalia Pequena iria dar-nos acesso direto à base das habilidades Furtivas. Mas, a este nível, temos de avançar para a categoria principal — responde o Ali e continua. — Se conseguires sobreviver, deve ser útil no futuro, de qualquer maneira.



Manipulador de Física Quântica (MFQ)

O MFQ permite ao seu portador mudar de estado, posicionando-se numa dimensão adjacente à atual.

Efeito: Enquanto estiver ativado, o seu utilizador torna-se invisível e é indetetável através de meios normais e mágicos, desde que o MFQ permaneça ativado. Objetos sólidos podem atravessar, mas gastam energia mais depressa. A energia dura cinco minutos em condições normais.



— Como recarrego a energia do MFQ?

— O MFQ utiliza um Cristal Manipulador de Categoria III. O Cristal aproveita o ambiente e alinha especificamente... — O Ali olha para a minha cara durante algum tempo, antes de me dispensar com a mão. — Recarrega-se automaticamente. Fica completamente carregado num dia, em condições normais.

—Não requer nenhum Nível?

— Nenhum.

Escolhi o Ali porque ele conhece o Sistema melhor do que eu. Portanto, posso aceitar o que ele diz ou posso fazê-lo sozinho. Vendo as coisas desta forma, não é uma escolha assim tão difícil. É aquilo de que falámos, mas a habilidade Furtiva não vai ser muito útil para mim. Por outro lado, qualquer bónus para me poder esconder é fantástico e o MFQ permite-me fugir, se for descoberto. Assim, sobra apenas a Regalia Superior.



Classe Avançada: Guarda de Honra de Erethran

A Guarda de Honra de Erethran é uma elite de membros das forças armadas de Erethran.

Habilidades de Classe: + 2 por nível em Força; + 4 por nível em Constituição e Agilidade; + 3 por nível em Inteligência e Determinação; 3 atributos gratuitos adicionais por nível; + 90% de Resistência Mental; + 40% de Resistência aos Elementos.

Pode designar uma arma pessoal. A arma pessoal é vinculada à alma e pode ser melhorada.

Os membros da Guarda de Honra podem ter até 4 ligações a pontos de abrigo, antes de serem aplicadas as penalizações de essência.

Atenção! Não possui os atributos mínimos requeridos para a Classe de Guarda de Honra de Erethran. Habilidades de Classe bloqueadas até possuir os requisitos mínimos.



Classe Avançada: Cavaleiro Dragão

Preparados antes de nascerem, os Cavaleiros Dragão são guerreiros de elite do reino de Xylargh.

Habilidades de Classe: + 3 por nível em Força e Agilidade; + 4 por nível em Constituição; + 3 por nível em Inteligência e Determinação; + 1 em Carisma; 2 atributos gratuitos adicionais por nível; + 80% de Resistência Mental; + 50% de Resistência aos Elementos.

Ganha Afinidade Elementar, uma Superior e uma Inferior.

Atenção! Não possui os atributos mínimos requeridos para a Classe Cavaleiro Dragão. Habilidades de Classe bloqueadas até possuir os requisitos mínimos.



— É só isso?

— Não, também podes ter este.



Classe: Semideus

Seu humano sensual, vais ser um semideus. Inteligente, forte e lindo. Que mais podes querer?

Habilidades de Classe: + 100 em todos os atributos

Ganhas todas as afinidades maiores

Traço de Super Sensualidade



— Isso não existe.

— Nem por isso — com um sorriso matreiro, o Ali abana a mão e a última janela desaparece. — Querias uma classe que te ajudasse a sobreviver? Isso significa resistência mental. Caso contrário, vais fazer xixi nesses lindos boxers do Pac-Man assim que vires um monstro de Nível 50. Querias algo derradeiro? A Guarda de Honra são uns verdadeiros mauzões. Eles combinam magia e tecnologia, o que faz deles um dos grupos mais versáteis que existem e os progressos da classe de Mestre deles é bastante assustadora. Os Cavaleiros Dragão lutam com Dragões. Se for de um para um, por vezes, chegam a ganhar. E nenhum deles, passo a citar: “me transforma num monstro”.

— Se estas são as Classes Avançadas, quais são as outras classes? — pergunto ao Ali, ainda hesitante. Isto parece ser uma escolha importante.

— Básica, Avançada, Mestre, Heroica, Lendária — o Ali enumera e encolhe os ombros. — Posso conseguir-te uma classe de Mestre com a tua regalia, mas ficarias com as habilidades de classe bloqueadas para sempre. Também irias demorar uma eternidade a passar de nível, porque a experiência necessária para passar de nível é mais elevada. Em vez disso, consegui-te uma classe Avançada rara. Vai dar-te um maior ganho de estatísticas base por nível e não vais ter de esperar eternamente para ganhar acesso às tuas habilidades de classe. Ter uma classe Básica, até mesmo uma classe Básica rara, seria um desperdício de uma Regalia Superior. Portanto, o que vai ser?

Por muito fixe que dar um murro a um dragão possa ser, soube o que ia escolher assim que ele o mencionou. Mentalmente, escolho a Guarda e sou inundado por uma luz. No início, apenas me faz contorcer, mas começa a piorar, a pressionar o meu corpo e a minha mente, enfiando garras elétricas e quentes nas minhas células. A dor é a pior que alguma vez senti e eu já parti ossos, costelas e até já me consegui eletrocutar.Sei que estou a gritar, mas a dor persiste, apoderando-se de mim, do meu controlo. Felizmente, a escuridão engole-me, antes de a minha mente se desfazer.




Capítulo 2


— Podias ter-me avisado que aquilo ia acontecer! — gritei para o Ali, que paira sobre o meu ombro direito, enquanto arrumo à pressa o conteúdo da minha tenda e o equipamento.

— Como querias que soubesse que ias ser fraquinho e desmaiar, como um goblin num primeiro encontro? — goza o Ali, a voar satisfeito ao meu lado e de vigia.

— Podias... Ah! — quero gritar, mas tenho de me conter e continuar a arrumar tudo. Tenho de reprimir esse sentimento e o medo que sinto dentro de mim, que quer assumir o controlo e forçar-me a não fazer nada. Perdemos mais de duas horas a mudar a minha classe e o Sistema já está operacional. O Sistema está a funcionar e impregnou o parque de Mana, portanto, muitas das mutações espontâneas já se estão a espalhar por toda a zona, segundo o Ali. Tenho de sair daqui, de preferência, em silêncio e depressa. Além de tudo isso, o rasto de fumo no fundo da montanha, no sítio onde estava o parque de estacionamento, era um indício de todas as coisas más que aconteceram ao meu carro.

Resumindo, gritar seria a reação menos útil que poderia ter, neste preciso momento. Quer dizer, exceto ficar sentado como um autêntico idiota.— Podias dar uma ajuda, sabes?

— Eu estou a ajudar — o Ali suspira e abre os braços. — Estou a proteger-te.

Podia discutir com ele, mas a mala já está feita e está na altura de irmos embora. Abro outra barra de chocolate e mastigo-a, enquanto ponho a mochila às costas e ajusto as alças.

Paro para olhar à volta da clareira, a registar a vista maravilhosa. O lago Kathleen mantém a sua glória glacial, a ondulação das águas forma ondas e o vento uivante envolve as montanhas cobertas de neve que o rodeiam. Uma natureza intocada, que poderia estar reproduzida num postal, é agora um perigo para mim. As suas florestas escondem todo o tipo de novos monstros. Ao virar-me, os meus olhos vagueiam pelo acampamento, para me certificar de que não há mais nada que possa fazer ou encontrar. A vegetação alpina rasteira é escassa e as árvores são pequenas, pois não se desenvolveram por ter sido um verão tão curto. Por isso, decidi abrir caminho pela floresta para descer a montanha, em vez de usar o trilho. Mais vale ir devagar e silenciosamente, do que descer pelo trilho e dar de caras com seja que criatura for que decida aparecer neste novo mundo.

Passados trinta minutos, recebo uma notificação de que ganhei a habilidade Furtiva. Não posso dizer que fiquei surpreendido, esconder-me fazia parte do plano que eu e o Ali delineámos. Entre a minha Regalia Média e ter um nível extremamente baixo num ambiente com Mana elevado, o Sistema está a gerar automaticamente bónus adicionais para eu aprender mais depressa, para ajudar a equilibrar a relação risco/recompensa. Assim que a notificação aparece, um ligeiro formigueiro percorre o meu corpo. O conhecimento altera a forma como me movimento, penso e analiso o que me rodeia.

O primeiro sinal de perigo com que me deparo é o chilrear, é demasiado alto. Deteto-a logo a seguir, uma sombra negra do tamanho de um Dobermann a mover-se pelo chão, com seis pernas e antenas. As formigas não deveriam ser assim tão grandes. Congelo e, depois, começo a recuar lentamente. Ainda bem que aquilo não me viu.

— Ei! Seu monstro lindo e grande. Aqui! Olha um pedacinho delicioso para a tua rainha. Ei! — um Ali com um sorriso maníaco grita por cima de mim e abana os braços para chamar a atenção.

— Que raio? — Não há tempo para fazer mais nada, apenas pude começar a refilar com ele, porque a formiga, atraída pelas pequenas artimanhas do idiota, vira-se para mim e, passado um pequeno momento de hesitação, avança diretamente para mim. Levanto o bastão de caminhada e avanço, na esperança de o usar como lança.

Sim, não faço esgrima e isto também não é uma espada. A ponta desliza inofensivamente e a formiga já está em cima de mim, a empurrar-me contra o chão e a tentar arrancar-me a cabeça com as suas mandíbulas.

Levanto-me com esforço e começo a espernear, antes de a conseguir tirar de cima de mim. Felizmente, a minha mochila ajuda um bocadinho e o ângulo não me deixa ficar deitado, até consegui que a formiga ficasse debaixo de mim, quando a atirei. Em cima da formiga, estico-me todo e espeto-lhe o bastão no pescoço, mantendo-o fixo com um braço, enquanto procuro desesperadamente pela minha faca de sobrevivência. Demoro um pouco a encontrá-la no cinto e, depois, passo alguns minutos a espetá-la desenfreadamente, até a criatura não se mexer.

Estou sujo, malcheiroso e cheio de entranhas de formiga. Não quero saber de nada disso, apenas me levanto, completamente furioso.

— Que raio foi aquilo?

— Um treino — o Ali encolhe os ombros, descontraído. — Tinhas de passar de nível. Aquela era uma formiga de Nível 1. Nunca conseguirias encontrar uma presa tão fácil. Vais apanhar o teu saque?

— Tu, tu, tu… — gaguejo. Viro-me para a formiga e dou-lhe alguns pontapés para descarregar a frustração e o medo acumulados. Depois de passar a adrenalina, deixo-me cair ao lado do corpo, antes de finalmente me aperceber do que ele disse. — Saque?

— Pousa a tua mão na formiga e pensa ou diz “saque”.

Obedeço e pestanejo quando surge uma janela. Estico a mão e pego no saque que está à minha frente, enquanto faço uma careta. Um naco de carne de formiga.

— Põe no teu inventário, estúpido.

Já desisti de questionar as coisas impossíveis que estão a acontecer e obriguei-me a aceitar tudo isto. Quando penso no inventário, surge uma grelha de cinco por cinco. Ao pôr a minha mão na grelha, a carne aparece dentro dela, preenchendo um espaço. Pergunto-me se será acumulável.

— Boa – começo a abrir a mochila, quando sou interrompido.

— Não vale a pena. Só os itens gerados pelo Sistema podem ficar no inventário – comenta o Ali, enquanto continua a andar à minha volta.

— Que aldrabice! — resmungo. Continuo com a mochila posta e observo o resto do corpo da formiga. Suponho que este mundo não tenha uma engenhoca para dissolver corpos.



Passaste de Nível!

Chegaste ao Nível 2 de Guarda de Honra de Erethran. Os pontos foram distribuídos automaticamente. Tens 3 atributos livres por distribuir. As habilidades de classe estão bloqueadas.



É estranho a notificação só ter aparecido agora. Paro e olho para o Ali, que me levanta o polegar. Ele está a ocultá-las até ser uma boa altura para as ver. Quando acordei, fiquei bastante desiludido ao ver que a experiência que tinha acumulado não me tinha feito passar de nível, nem mesmo para um Nível 2. Mas o Ali tinha explicado que as classes Avançadas tinham requisitos de experiência mais avançados. Bastou-me olhar para os pontos de estatística gratuitos para os despejar a todos na Sorte. Sim, eu sei que podia fazer coisas mais inteligentes com os pontos, como maximizar a minha Agilidade ou talvez a minha Força, para ficar todo-poderoso.

Contudo, quem quer que pense isso, não teve a minha vida. Se a minha estatística de Sorte está assim tão baixa, isso explica muitas coisas do meu passado. Eu nem sequer estaria em Yukon, se o meu apartamento não tivesse ardido uma semana depois de perder o meu trabalho como programador, o que me levou a vir para aqui com a minha namorada da altura. Também foi uma bela porcaria, o que aconteceu entre nós. O raio da companhia de seguros não aceitou os meus pedidos, o que me deixou sem absolutamente nada, a não ser umas poupanças miseráveis. Em vez de ir para casa envergonhar o meu pai, peguei na mala e mudei-me para um novo território. Preferia morrer a ver o meu pai envergonhado. Agora que tenho a oportunidade de reencaminhar algum carma negativo ou o destino, vou aproveitar.

— Sabes que não é esse tipo de sorte, certo?

Sou superior a ele. Sou superior a ele. Sou superior a ele. Mostro-lhe o dedo do meio, continuo e voltamos a ficar sérios.



***



Durante o resto do dia, fui descendo cautelosamente, evitando criaturas gigantes e bastante ubíquas sempre que pude e, ocasionalmente, matando-as, quando não o conseguia. Matá-las não foi uma decisão minha, mas, depois de uma negociação apressada, eu e o Ali chegámos a um consenso. Ele ficou de me avisar de quaisquer monstros de nível baixo que encontrássemos e eu iria atacá-los e matá-los, se o conseguisse fazer de forma segura. Por sua vez, ele não me iria obrigar a nada, desde que eu me esforçasse a sério. Se estivesse no exército, teria de lhe chamar sargento. Como não estou, chamo-lhe apenas idiota.

As coisas só se tornaram mesmo assustadoras uma vez. Estava a andar sob o que achava serem árvores e apercebi-me de que eram as pernas do que apenas posso descrever como um ogre gigante. Felizmente, ele falhou o primeiro golpe e, depois de o fazer acreditar que estava a correr pela colina abaixo, ativei o MFQ e corri pela colina acima, passando por ele. Passei a meia hora seguinte a vê-lo correr, a derrubar árvores e a esmagar monstros que apareciam no seu caminho. Nunca tive tanto medo na vida, principalmente porque a dieta do ogre parecia consistir em qualquer coisa que tivesse carne.

Por outro lado, tinha de lhe agradecer pela minha morte de nível mais elevado, uma raposa cuja coluna foi esmagada por uma árvore que caiu. O saque só consistiu em mais órgãos e no pelo dela, mas não me queixo da experiência gratuita e do saque.

Gostaria de dizer que passei o resto do dia a descer a colina com dificuldade, a esforçar-me de forma heroica, apesar da exaustão e do medo. Mas, às três da tarde, estava acabado. Estar constantemente com a adrenalina elevada, a esconder-me e a recuar incessantemente, tinha-me esgotado e eu sabia que se continuasse assim, iria cometer um erro. Não estava a fazer um bom tempo, de todo, mal tinha percorrido metade do caminho que tinha de fazer. Quando encontrei uma pequena depressão que estava relativamente bem escondida, desisti simplesmente. Tirei o meu telemóvel e tentei ligá-lo. Permaneceu desligado e olhei para o Ali.

— Não te dês ao trabalho. Os aparelhos eletrónicos são sempre os primeiros a morrer quando o Mana no ambiente chega a este ponto. Se não estiver protegido ou não for feito para funcionar com Mana, nada sobrevive — explica o Ali.

— Bolas! Todos os aparelhos? — questiono e ele acena. Raios, isso deve significar que a maioria dos veículos recentes está morto, juntamente com a Internet, os telemóveis e a maioria das comodidades modernas. Esfrego a testa, guardo o telemóvel e encolho-me, decidido a descansar durante uns minutos. Devo ter adormecido porque, quando dei por mim, eram 19 horas.

— Porquê nós? — perguntei ao Ali, enquanto fazia o jantar com as minhas provisões do campismo.

— São flocos de neve únicos, os humanos. Completamente únicos com um potencial sem limites — o Ali, que estava a vigiar lá fora, responde sem olhar para mim.

— Chega de sarcasmo. A sério, porquê nós? Porquê agora?

— Lamento dizer que não há uma razão especial. O fluxo do Mana chegou finalmente ao ponto em que podem ser adicionados ao Sistema.

— Muito bem, vamos recuar um bocadinho. O que é o Mana? Continuo a vê-lo no meu quadro de estatísticas e tu continuas a falar dele, mas isso não explica nada.

— Tenho milhares de explicações e nenhuma delas é para ti, miúdo. São nano-robôs que entram no teu corpo e o controlam, utilizando cordas quânticas e energia ultra dimensional. Ou podes chamar-lhe uma força ambiente do universo, a força única que compõe todos os elementos. Podia ser matéria escura feita de carne ou de magia. É tudo a mesma coisa, pessoas a tagarelar sem terem a mínima ideia — o Ali encolhe os ombros. — É o que nos rodeia, o que faz o Sistema funcionar.

— Está bem. Então, o que é o Sistema?

— As caixas azuis. Os pontos de experiência. O saque. A Loja que te permite comprar qualquer coisa em qualquer lugar ou os lojistas que arrendam o espaço. É a forma como nos melhoramos a nós mesmos e ao nosso mundo. É o que me obriga a trabalhar contigo e para ti. É tudo. O Sistema é o teu mundo e o teu universo agora — exclama o Ali, com fatalismo.

— Pensava que o Conselho Galáctico o tinha criado. Quer dizer, no anúncio... — fiz sinal para onde as caixas azuis estavam.

— O CG fazer alguma coisa? A única coisa que aqueles burocratas conseguiriam fazer é um monte de porcaria. E só porque alguém lhes teria dito como o fazer. Aqueles idiotas têm o mínimo controlo possível do Sistema e a galáxia é mais feliz assim. Esquece isso, miúdo. O Sistema apenas existe.

— Vá lá, não estás nem um bocadinho curioso por saber o que é o Sistema? Controla as nossas vidas e...

— Chega. Para com isso — o Ali vira-se, flutua até à minha cara e olha para mim.

— Só quero saber, bolas!



Parabéns! Demanda atribuída: O Sistema

Descobre o que é o Sistema.

Recompensas: Saber é poder. Ou algo parecido.



Assim que a demanda aparece, o Ali faz um som desaprovador e afasta-se a flutuar. Li tudo e fiz a mensagem desaparecer, antes de falar novamente:

— Qual é o teu problema?

— Nada. Nada de nada — o Ali está sentado no ar, a flutuar com as pernas cruzadas e recusa-se a olhar para mim.

— Ali.

— Odeio essa demanda. É a maior porcaria da galáxia. Todos a recebem e todos julgam que vão ser os primeiros a resolvê-la, mas acabam por passar os 80 anos seguintes sentados numa maldita biblioteca, a debater com outros malditos investigadores sobre um artigo Kricklik publicado há dois mil anos! E, depois, bem, bolas... — à medida que fala, a voz dele fica cada vez mais alta.

— Já percebi, já percebi. Tens assuntos por resolver. Podemos não deitar a floresta abaixo por causa disso? — faço-lhe sinal com as mãos para baixar o volume, para o tentar calar.

Depois de se acalmar ligeiramente, o Ali resmunga:

— Não tenho assuntos por resolver. Tu é que tens!

Pronto, passando à frente. Demandas. Se o sistema continua a funcionar da mesma maneira, então, o separador da demanda está em...








— Quando recebi aquela demanda? — murmuro para mim mesmo, ao olhar para a primeira demanda na lista.

— Eu aceitei aquela por ti, enquanto estavas a brincar às enguias.

— Podes aceitar demandas por mim? — olho especado para o Ali. — Quanto controlo é que te dei, na realidade?

— Não o suficiente, sortudo — o Ali sorri, antes de encolher os ombros. — Sou teu Companheiro, não posso fazer nada para te magoar e tu ias sair daqui de qualquer maneira, era indiferente se a aceitava ou não.

— Está bem. Mas avisa-me, pode ser? Não gosto de surpresas dessas — fecho o separador e olho para ele durante mais algum tempo. — O que é exatamente um Companheiro?

— Finalmente! Sou um Companheiro do sistema, um tipo de Espírito para ser preciso. Como Companheiro atribuído pelo Sistema, tenho acesso à tua interface e a certos aspetos do Sistema a que os utilizadores, em geral, não têm. Estamos ligados, por isso, quando ficares mais forte, eu também recebo mais habilidades. A Nível 2, tenho acesso à informação sobre os monstros que estão no Sistema, à nossa volta. Mais tarde, vou ser capaz de te fornecer mais detalhes e, a níveis ainda mais elevados, vou poder partilhar a minha Afinidade Elementar e até posso ganhar um corpo.

Faço um aceno para agradecer e fico em silêncio, a ponderar o que ele disse. Parece que tê-lo como Companheiro ligado é mais poderoso do que julgava. Mesmo assim, ainda há muito para aprender.

— Há um ficheiro de Ajuda?

Ele mexe uma mão e uma caixa azul gigante de textos aparece à minha frente. Eu refilo e entro ainda mais para dentro da gruta para começar a ler. Horas mais tarde, tenho uma melhor compreensão do básico. Os atributos básicos são bastante óbvios. Contudo, curiosamente, a Resistência determina não só a minha Vida básica, como também o quão rapidamente me curo. Basicamente, os pontos saram à mesma velocidade por minuto. A Inteligência determina o tamanho da minha reserva de Mana, ao passo que a Determinação atualiza essa reserva a cada minuto, com base no seu valor estatístico. É claro que não sei se isso é muito útil neste momento, visto que não tenho nada que utilize Mana, mas a informação é boa na mesma.

O mais interessante é que a Vida não é apenas o quão saudável estou fisicamente. Na verdade, é um valor numérico para a quantidade de danos que o Mana embutido no meu corpo iria absorver, atenuando os danos que sofro. Não impediria uma morte súbita, se enfiassem uma picareta no meu cérebro, mas reduziria a força do impacto da picareta, se tivesse uma reserva de Vida suficientemente grande. Claro que isso esgotaria algum do Mana embutido, reduzindo a minha Vida a um ritmo mais drástico. É muito estranho, principalmente porque o Mana embutido é completamente diferente do Mana que posso usar em feitiços. Enquanto luto contra outro bocejo, recorro a mais informações sobre as coisas que vi no quadro de estatísticas.

As habilidades de classe são habilidades especiais, que dependem do Mana para produzir os seus efeitos. No geral, podem infringir muito ou pouco as leis da física, dependendo da própria habilidade. Alguns dos exemplos fazem-me lembrar filmes de ação ou anime. A habilidade de gerar fogo nas minhas mãos ou ter um corpo blindado parecem-me fixes.

Os feitiços, por outro lado, eram apenas isso, feitiços de magia que utilizam Mana para serem lançados. A distinção entre o que é considerado uma habilidade e o que é considerado um feitiço parece-me um pouco arbitrário, mas talvez se torne mais claro quando receber um deles.

E as Regalias... Bem, as Regalias são coisas que se ganham por completar demandas especiais ou apenas por estar no lugar errado à hora errada, ao que parece. Pequenas ou grandes vantagens em relação a uma pessoa normal, sem regalias.

Agora, temos números, pontos para dizer quem somos, o que somos, aquilo em que, supostamente, somos bons ou maus. Tinha dado jeito, quando era mais novo, poder apontar para um ecrã e dizer “eu não sou quem vocês pensam” ou teria sido a mesma coisa? Se a minha vida tivesse sido ditada por este Sistema, será que teria tentado aumentar o meu Carisma ou teria treinado mais para ser mais forte? Teria falhado menos porque me teria concentrado em coisas às quais já era bom? Ou será que não teria feito a diferença?

Suspiro, esfregando os olhos. Ainda há tanto para ler, tanto para aprender sobre este estranho mundo novo. Quero ler mais, mas já não consigo lutar contra a exaustão e os meus olhos começam a fechar-se.




Capítulo 3


Parabéns. Sobreviveste um dia inteiro! Os humanos são mesmo uma raça excelente. Apenas 60% de vocês morreram, ontem. Estamos impressionados. Merecem um biscoito. E alguma experiência. Lembrem-se, os monstros vão aumentar durante a próxima semana.



— 60%! — fecho os olhos, enquanto a minha mente tenta processar o significado daquele número. 60%, mais de quatro mil milhões de mortos. 60%, seis em cada dez pessoas que já conheci estão mortas. Seis em dez ... Isso significa que a minha família está morta, uma vez que eu estou vivo. Este último pensamento faz-me respirar com dificuldade, um abismo de dor a surgir. Tenho evitado pensar neles, no que este Sistema significa para o mundo, mas, com este anúncio, o sofrimento, a raiva e o arrependimento estão a acumular-se. O abismo de dor e as emoções conturbadas aumentam ainda mais, antes de serem afastadas e postas de lado, reprimidas. Não tenho tempo para lidar com isto agora, tenho coisas para fazer, a minha própria existência para manter.

— Sabes, chorar é considerado algo muito masculino nas culturas de Kraska. Se bem que eles parecem os vossos crocodilos terrestres — o Ali flutua acima de mim e observa como lido com os meus pensamentos, antes de fazer desaparecer a notificação. — Vamos, rapaz!

— Dá-me um momento — murmuro.

— Não vais mesmo chorar, pois não? — pergunta o Ali, virado de cabeça para baixo, completamente aborrecido.

— Não, não vou — afirmo com confiança. Consigo sentir o sofrimento, se me concentrar nele. Tal como a maioria das minhas emoções, está silenciado, como se houvesse um cobertor pesado sobre uma coluna. Está ali, apenas difícil de aceder. É o suficiente para eu funcionar, pelo menos, no geral. Mas consigo perceber, mesmo assim, que o sofrimento se está a misturar com a maré de raiva em que vivo.

Raiva...

— Ali, encontra algo para eu matar — afirmo calmamente e levanto-me com a mochila na mão. — Encontra montes de coisas para eu matar — por uma vez, o Ali não me responde e faz o que lhe peço.



***



— Está morto — o Ali tenta apaziguar-me, quando dou uma última facada no esquilo-terrestre. Talvez tenha exagerado um bocadinho, o animal está desfeito. Ainda bem que a função de saquear não tem em consideração o estado do corpo da criatura e deu-me o prémio sem as feridas de faca bastante sórdidas.

— Ali, como é que consigo uma arma melhor? — observo a minha faca e a criatura. Felizmente, satisfiz os meus desejos de miúdo e escolhi uma faca de mato. Para dizer a verdade, era demasiado apenas para acampar, mas estava numa fase de Rambo quando a comprei. Agora, é a minha única arma. Bem, isso e uma lata de spray contra ursos.

— Na Loja do Sistema. É num local seguro gerado pelo Sistema que, atualmente, só existe em Whitehorse. Mas vais ter de vender o teu saque para a conseguir, a não ser que ganhes alguns créditos do Sistema, algo que apenas os sencientes recebem — o Ali continua a explicação. — Ainda tens de deitar cá para fora os teus sentimentos?

— Vamos sair daqui — abano a cabeça, a raiva finalmente a acalmar. Não sei bem o que diz sobre mim, o facto de ter descarregado naquelas criaturas. Mas, por agora, vou evitar pensar nisso. Já vamos a meio da manhã e ainda não consegui fazer muitas mortes. Caçar está a tornar-se cada vez mais perigoso, uma vez que até as criaturas da Terra se estão a mutar a um ritmo mais acelerado, superando o meu nível e a minha faca patética.

— Muito bem, miúdo, o mesmo de ontem — o Ali faz sinal para o caminho e eu sigo as indicações dele.



***



Com a faca empunhada à minha frente, salto e atiro-me para baixo. O MFQ desativa-se no último segundo, quando enfio a faca na cabeça da lebre americana. Espero ter acertado em algo importante, visto que a lebre é do tamanho de um cavalo, mas muito mais larga. Ela vira a cabeça e é apenas um bocado de pelo que agarrei à pressa que me mantém em cima dele, enquanto lhe espeto a faca repetidamente na parte de trás da cabeça e do pescoço.

Um minuto depois, tinha feito estragos suficientes para a lebre cair, morta. Há alguns momentos, ela tinha finalmente conseguido tirar-me de cima dela, esmagando-me contra um pinheiro, partindo-me o ombro e fazendo-me soltá-la. Deitado no chão, cheio de dores, não consigo deixar de pensar porque teria o Ali insistido tanto para eu lutar contra a lebre. Dou voz aos meus pensamentos, enquanto os ossos regeneram e voltam ao sítio. Ao forçar-me a sentar debaixo de uma árvore e ao tirar outra barra de chocolate da mochila, sinto-me feliz por trazer sempre demasiado chocolate comigo.

— Lebre? Achava que era um coelho — o Ali olha com desagrado, flutuando por cima da criatura. — Bolas! E eu que queria dizer: “Não se passa nada, meu”.



***



— Baixa-te!

Deito-me no chão e sou atirado para o lado, quando a criatura vai contra a minha mochila. Estamos a descer a montanha a um bom ritmo, com o Ali a avisar-me da chegada de monstros. Rebolo, ficando frente a frente com uma bola de pelo raivosa com demasiados dentes. Enfio o bastão de caminhada na barriga dele e a criatura começa automaticamente a morder a vara de metal. Estou a fazer força, pregando a criatura ao chão, quando esta começa a sufocar.

— Mexe-te!

Salto, soltando o bastão, quando outro monstro felpudo me ataca do outro lado. Estava demasiado focado em matar o primeiro. Ataco com a minha faca, cortando o pelo áspero e afasto-me aos tropeções, a agitar a arma desesperadamente.

— À tua direita — o Ali avisa e olho para a direita, usando as costas da mão para atacar o terceiro monstro Tribble. O golpe acerta-lhe e ele vai a rebolar pela colina. O segundo monstro aproveita a minha breve distração como um sinal para me morder a perna e eu grito de dor, espetando-o com a minha faca uma e outra vez, até ele me libertar.

Afasto-me, coxeando para onde o primeiro monstro felpudo continua a asfixiar e a tossir e mato-o, pisando a criatura repetidamente, até esta parar de respirar.

— Atrás de ti outra vez — avisa o Ali, já aborrecido.

Viro-me, levantando o braço a tempo de o deixar morder o meu antebraço, em vez da minha cara, e depois começo a esfaqueá-lo até à morte.

— Bem, essa é uma forma de matar monstros. Tenta não os deixar morder tanto, na próxima luta — o Ali salienta, prestavelmente, e eu olho furioso para ele, enquanto saqueio as bolas de pelo. A sério, cotão? É esse o meu saque? Cotão? Mas o que esperava de bolas de pelo? Atiro-as para o inventário com uma careta e começo a coxear em direção a um riacho que me lembro de ser aqui perto.

Lavo a minha roupa o melhor que consigo no riacho, com o Ali a vigiar, por cima de mim. Trabalho depressa, livrando-me da maior quantidade de sangue possível, sem encharcar demasiado a roupa. Quer seja de lã ou não, não deixa de estar molhada e o início de abril em Kluane significa que as temperaturas vão rondar os 6ºC à sombra. Enquanto me limpo, pergunto ao Ali algo que me tem incomodado. — Ali, porque é que os monstros nunca te atacam?

— Eles não me conseguem ver — responde o Ali.

Franzo as sobrancelhas.

— Mas naquela primeira vez...

— Eu consigo tornar-me visível com algum esforço, mas não o consigo fazer durante muito tempo, pelo menos, ainda não — o Ali faz uma pausa, virando-se para Este antes de falar. — Está na altura de irmos, jeitoso. Vamos ter companhia.

Levanto-me depressa, sacudindo a água das minhas mãos e correndo devagar para Sudoeste, dando o meu melhor para ser o mais silencioso possível.



***



O sol já quase se pôs quando finalmente chego ao parque de estacionamento. O que deveria ter sido uma caminhada de meio dia transformou-se num tormento de dois dias. Não me surpreendo ao ver o que sobra do meu veículo queimado, apesar de o sibilo da palavra “salamandra” me dar uma ideia do que possa ter causado o problema. Ou daria, se eu soubesse o que é uma salamandra.

— Um lagarto gigante com uma afinidade superior a magia de fogo. Respira mesmo fogo. Há quem julgue que são um tipo mais fraco de dragão — explica o Ali. — São boas e más notícias.

— Explica — murmuro, à procura de monstros na clareira.

— Más notícias: vai em direção a Haines Junction — o Ali aponta para o rasto bastante óbvio. Ao ver que não quebro o silêncio, suspira e explica as boas notícias. — É provável que a presença dela afaste a maioria dos monstros do seu caminho. É mais seguro se a seguirmos. Isto, se ela não voltar para trás.

Fantástico. É mesmo fantástico. Vou estar a seguir um lagarto gigante que cospe fogo no seu percurso para a civilização mais próxima que conheço e esperar que não repare em mim. Pelo menos, não se chama Godzilla.



***



Não sou lá grande jogador, mas a minha ex era e apanhei termos suficientes para saber o que é “roubar mortes”. Quase me sentiria culpado ao tirar a vida a estes alces relâmpago e ao ganhar uma quantidade minúscula de experiência com isso, mas, tendo em conta que eles estão esmagados ou a sofrer com queimaduras significantes, vou chamar a isto serviço humanitário. Além desses atos de misericórdia, ignorei com determinação os corpos queimados e meio comidos que constituem a maioria da manada e que foram a refeição mais recente da salamandra.



Passaste de Nível!

Chegaste ao Nível 3 de Guarda de Honra de Erethran. Os Pontos foram distribuídos automaticamente. Tens 3 atributos livres por distribuir. As Habilidades de Classe estão bloqueadas.



As habilidades bloqueadas levam-me a fazer uma careta, mas considerando o aumento ridículo das estatísticas, posso viver com isso. Como tenho um breve momento, invoco o quadro de estatísticas, para o rever.








Atributos não atribuídos:

Gostaria de atribuir estes atributos?

3 Pontos de estatística

(S/N)



— Uau! De onde vieram todas estas habilidades? — ver o meu quadro de estatísticas pela primeira vez em dias faz-me levantar as sobrancelhas.

— Tens andado a ganhá-las, eu é que tenho escondido as notificações, por agora — o Ali encolhe os ombros, fazendo um pino aéreo enquanto espera por mim.

— O quê? Porquê? — resmungo com o homenzinho pequeno, com os olhos cerrados.

— Seria uma distração. Não mudaria nada do que fizeste, pois não? As habilidades recebidas pelo Sistema são logo adicionadas à memória dos teus músculos e da tua mente, por isso, já tens beneficiado com isso, seja como for. O resto são apenas números — o Ali funga. — Os números não significam porcaria nenhuma se não fizeres nada. O melhor é não ficares obcecado com eles.

O que ele diz relembra-me uma conversa que tive com um orientador da escola. “O QI não significa nada, se não estudares”, ele dizia sempre isto. Ao ouvir o Ali mencionar algo tão parecido, não consigo evitar fulminá-lo com o olhar.

— Da próxima, faz-me um resumo todas as noites, está bem? Pelo menos, gostava de saber o que vai acontecendo.

O Ali suspira, amuado. Começo a andar e ajusto o quadro, até este ficar quase transparente. Continuo a estudá-lo, confiando que o homenzinho me vai manter informado. Por muito chateado que ele esteja, é bom a vigiar.

— Ali, os números não fazem sentido.

— Ganhaste alguns pontos por andares a correr e a esconder-te. E assim que escolheste uma classe, as tuas estatísticas aumentaram os pontos de dano — afirma o Ali, como se fosse a coisa mais simples do mundo. Para ele talvez seja, mas teria sido bom saber que isso podia acontecer. O guia de ajuda que ele me deu fez-me compreender algumas coisas, mas é óbvio que ainda há muito que não compreendo.

— Mas não esperes mais. Já chegaste a um nível em que, a não ser que te tornes um atleta profissional, é melhor passares o tempo a passar de nível.

Aceno ao que ele diz e tento decidir o que fazer com os meus pontos gratuitos, mas apercebo-me de que não faço ideia. Os mínimos estão tão longe que mais valia estarem na lua. Ao fazer umas contas rápidas, precisaria de, pelo menos, 18 níveis para elevar a Força até onde que seria suposto esta estar, na minha classe, se não lhe acrescentasse nenhum ponto. Em vez disso, deixo os pontos por distribuir, por agora. Talvez venha a descobrir o que preciso, mais tarde.

— Ali, uma pergunta sobre as mensagens. Elas parecem mudar de tom, de formal para um bocado idiota.

— Bem, a base das mensagens do Sistema é aquilo que vês na maioria das vezes, as formais que mencionaste. Contudo, o CG também controla as mensagens. Por isso, ocasionalmente, eles metem-se ao barulho, especialmente se for algo que interessa a alguns dos observadores — explica o Ali.

— Observadores? — resmungo, olhando para ele e, depois, para o que me rodeia.

— Sim, mas terias de fazer algo muito grande para lhes chamar a atenção. Não te preocupes com isso, também não podes fazer nada quanto a isso — afirma o Ali e eu aceno. Mas sinto-me a curvar um pouco os ombros. O Big Brother está a ver-te.



***



Umas horas depois, faço uma pausa e tiro a minha bússola. Faço um reconhecimento rápido do caminho e olho para o Ali, que acena em confirmação ao que suspeitava. A salamandra mudou de percurso, afastando-se de Junction.

Assustadoramente, a salamandra vai ser um dos monstros vulgares menos poderosos que vão habitar o parque, a partir de agora, utilizando fauna nativa que cresceu demasiado depressa e se espalhou como fonte de alimento. Felizmente, a salamandra é idiota, uma criatura que segue o instinto e vagueia pelo parque e arredores.

Reajusto a minha mochila e acelero o passo. Com sorte, há um carro ou outro veículo qualquer que possa usar e me leve a Whitehorse. No mínimo, vou poder acompanhar sobreviventes.




Capítulo 4


Atravessar o Parque faz-me receber uma mensagem simples e uma recompensa. Não está nem perto de ser o suficiente para passar de nível, mas todos os bocadinhos contam.



Demanda Completada!

Sobreviveste ao parque nacional de Kluane e até conseguiste manter-te intacto!

Recebes 5000 XP.



Ao aproximar-me de Haines Junction, tento lembrar-me do pouco que conheço. É uma cidade com cerca de 800 pessoas, por isso, deve haver umas centenas de sobreviventes, se os números forem verdadeiros. O fumo que vejo a levantar-se do centro da cidade com apenas uma rua deixa-me preocupado. Portanto, levei o meu tempo, desviando-me para casas que marcam a aproximação dos poucos edifícios que representam o centro da cidade. Encontro um carro e até as chaves, mas não funciona, o carro é demasiado novo. Maldito Sistema.

Mas tenho sorte, pois deparo-me com comida e roupa que posso usar, juntamente com uma arma verdadeira, uma espingarda abandonada de calibre .56 e uma caixa com balas. A espingarda tem um cadeado no gatilho, mas, felizmente, a chave do cadeado é fácil de encontrar, pois está pendurada num parafuso do outro lado da sala. Ainda bem que os humanos são preguiçosos.

Os sinais de luta estão em todo o lado, incluindo carros capotados, poças de sangue e janelas partidas. O mais perturbador é não encontrar corpos. Talvez os sobreviventes os tenham reunido para os enterrar. Pelo menos, espero que seja esse o caso. Mas pela forma como muitos dos animais que vi expandiram as suas dietas, não tenho grande esperança.

Com a minha nova arma, arrisco aproximar-me do centro da cidade. Nunca se sabe o que pode estar à minha espera, mas rezo para que o Frosty’s ainda esteja de pé. Não me importava nada de beber um batido e comer um hambúrguer e batatas fritas.

Além de um comentário depreciativo sobre a zarabatana que apanhei, o Ali tem estado estranhamente calado. Uma observação talvez um pouco injusta. Quando se trata de ser sério, o Espírito consegue ser bastante profissional, se bem que tem a mania que sabe tudo.

O primeiro indício de sarilhos é a cabeça demasiado grande e deformada que vejo, ao aproximar-me lentamente. Uma mistura entre um Neandertal e um Pé Grande, a criatura de quatro metros parece feliz, a mastigar o seu jantar. As coisas ficam cada vez piores, quando me apercebo que aquela é a criança. A mãe, nua e bastante feminina, dá passos largos e arrasta o seu filho para o centro da cidade. O Ali franze as sobrancelhas ao olhar para eles e, depois, uma barra luminosa verde flutua acima da cabeça deles, juntamente com uma pequena descrição.



Ogre Jovem (Nível 12)

Ogre Mãe (Nível 21)



Respiro profundamente para acalmar o meu coração acelerado, antes de me aproximar ainda mais. Alguma coisa na refeição da criança me está a incomodar. Tenho de saber e, quando estou perto o suficiente para ver, arrependo-me de o ter feito. Encontrei os cidadãos ou o que sobra deles. À volta de uma fogueira, estão uma dúzia de ogres adultos, a maioria perto do Nível 20, a relaxar, após um banquete verdadeiramente épico. No monte de ossos, estão duas crianças a brincar às espadas com os fémures dos antigos residentes de Haines. O único consolo é que parece que os habitantes conseguiram matar alguns dos ogres, pelos corpos que estão postos de lado com cuidado.

Volto a mim quando me apercebo que me doem as mãos. Estou a apertar a espingarda com tanta força que fiquei sem circulação nos dedos. Volto a esconder-me e obrigo-me a respirar fundo e a controlar as minhas emoções. Sempre que o tento fazer, lembro-me dos ossos pequenos que vi, da cara meio comida e de uma outra criança, a chorar e a questionar-se porque ninguém a veio ajudar. Respiro fundo e estremeço, tenho as mãos a tremer e os olhos cheios de água.

— Não há nada que possamos fazer, John. Está na altura de irmos — murmura o Ali para me tentar consolar.

— Vou matá-los. Vou matá-los a todos — ameaço, sentindo a raiva a queimar-me por dentro, a transbordar e a envolver-me com o seu abraço familiar.

— Nem pensar nisso. Até aquela criança te conseguia derrotar com um só golpe. Desiste, voltamos noutra altura — insiste o Ali.

— Não quero saber! — digo com rispidez, levantando-me e começando a andar, com a raiva a consumir-me. Não sei bem para onde vou, mas não consigo continuar parado.

— Não podes fazer isto. Em grupo, eles seriam um desafio para monstros com cinco vezes mais força do que eles!

De repente, sinto a raiva a acalmar, a congelar, quando me lembro de um plano de loucos.



***



O plano tem três fases. Cada fase é extremamente perigosa. Para completar a primeira fase, ponho dois pontos em Agilidade e outro em Constituição, para aumentar a minha Resistência. Vou ter de ser rápido e estar em forma para isto.

A maioria dos monstros mantém-se longe de Haines Junction, a presença dos ogres é suficientemente intimidante. Os que não são mortos rapidamente e adicionados à fogueira, ficam com os corpos desfeitos como os dos humanos. Isso resulta a meu favor, enquanto preparo o meu plano. Demoro alguns dias a arranjar tudo o que preciso, dias em que mal durmo ou como, pois estava a trabalhar a um ritmo frenético. Ia sendo descoberto duas vezes. Passei quase duas horas, da primeira vez, escondido debaixo de uma carrinha, à espera que o par de ogres saísse dali. Da segunda vez, tive de usar o MFQ e esgueirar-me do grupo que se estava a juntar, para me esconder. Dá para perceber que eles suspeitam de alguma coisa. As ações deles estão a tornar-se cada vez mais agitadas com o passar dos dias, mas não me conseguem encontrar, apesar de começarem a andar mais juntos e a fazer mais patrulhas.

Com os preparativos finalmente terminados, escondo os meus mantimentos e levo comigo apenas o mínimo. A arma, dois carregadores de munições e comida e água para alguns dias.

Quando finalmente encontro o meu objetivo, a minha cara esboça um sorriso que não sinto. Tenho o peito apertado, o coração acelerado e uma descarga de adrenalina, ao assinar a minha provável sentença de morte. Mas tudo isso é secundário à raiva que me consome. Já estou farto de me esconder, esgueirar e temer pela vida. Estou farto deste Sistema que levou à morte dos meus amigos e da minha família, exterminando 60% da humanidade.

Se vou morrer, pelo menos, morro a tentar dar luta. O último pensamento é assinalado pelo barulho da espingarda. A bala viaja centenas de metros e embate contra a salamandra, que não desconfia de nada. Puxo a culatra e disparo outra vez, para concentrar a atenção dela em mim. Quando esta se vira e começa a avançar pesadamente na minha direção, fujo.

Atraio a criatura para Haines Junction durante horas. Corro o mais depressa possível e, quando finalmente me começa a apanhar, uso o MFQ para desaparecer. Economizo o uso do MFQ, fugindo o mais longe possível e escondendo-me, esgueirando-me para ganhar mais alguma distância, antes de voltar a atrair a sua atenção ao disparar contra ela. Podia ser mais rápido, mas preciso que o MFQ dure, o que me obriga a fazer pausas quando a salamandra olha à volta, à minha procura. Passado um bocado, aumento a distância entre nós, disparando a mais de meio quilómetro e maioritariamente falhando, mesmo com um alvo do tamanho de um celeiro. Mas magoá-la também não é o objetivo.

Apenas ia morrendo duas vezes. Uma das vezes, no início, quando ela aumentou de velocidade subitamente e quase me apanhou. Rebolei no último instante e consegui desviar-me do caminho dela a tempo, ficando com uma pequena ferida, antes de ativar o MFQ e correr como nunca para um esconderijo. Da segunda vez, a salamandra lançou uma série de bolas de fogo para o céu, que aterraram à minha volta. Uma curiosidade engraçada sobre estar noutra dimensão: até posso ser capaz de ignorar a maioria das estruturas físicas, mas energia, especificamente energia de calor, atravessa. Quando me consegui afastar do fogo, senti-me meio cozinhado e a barra de vida a piscar no canto do meu olho consentia. Depois disso, mantive-me ainda mais afastado da criatura e apenas lhe dei pequenos vislumbres, quando precisava que ela se aproximasse.

Quando chegámos a Junction, já estava quase sem balas. Os ogres estão alinhados, a observar a chegada do monstro enraivecido. Respiro de alívio quando os vejo. A segunda fase do plano requer que os ogres estejam dispostos a lutar. Quando me veem, rugem e um deles tenta chegar-se à frente, mas os outros puxam-no de volta para a fila. Sorrio, parando a algumas centenas de metros deles e acenando-lhes, antes de me virar para o monstro que está a chegar.

— Ali, fica de olho neles — digo, tirando a espingarda do ombro uma última vez e fazendo mira para a salamandra. Desta vez, tenho de a magoar o suficiente para a atrair definitivamente, o que significa que tenho de acertar. Respiro fundo algumas vezes, para tentar acalmar o meu coração acelerado e a minha respiração. Como já passou os limites da sua zona “natural”, a salamandra vai precisar de um pouco mais de incentivo.

Falho o primeiro tiro e praguejo, enquanto desejo ter passado mais tempo no campo de tiro. Sempre disse que o faria, mas, por algum motivo, nunca o fiz. Estava demasiado ocupado a procrastinar. O segundo tiro acerta e a explosão é tudo aquilo que eu desejava. A bilha de propano abandonada incendeia-se atrás da salamandra, demasiado longe para lhe causar danos sérios, mas assustando-a ligeiramente. Já chateada comigo, a criatura avança, esperta o suficiente para juntar os sons dos tiros e os aborrecimentos que tem enfrentado nas últimas horas.

Sem balas, atiro a espingarda para o lado e espero poder recuperá-la mais tarde. Em vez de correr imediatamente, observo a salamandra a avançar e espero. Encorajada pelo facto de que finalmente parei de fugir, a salamandra acelera o passo e, quando está apenas a algumas centenas de metros, viro-me e corro para os ogres.

Os ogres estão furiosos. Mas, sem armas de longo alcance, não há muito que possam fazer para me travar, enquanto trago o que será o seu fim na direção deles. Quando me aproximo o suficiente, ativo o MFQ e deixo o taco que me ia acertar passar através do meu corpo, ao esgueirar-me pelas fileiras. Um movimento de última hora e rancoroso faz-me desativar o MFQ apenas para enfiar a minha faca nas costas de uma criatura e, depois, fujo, deixando os monstros a fazer o que fazem. Por muito que eles gostassem de me perseguir, manterem-se juntos para lutar contra a salamandra é mais importante.

A uma distância de segurança, vejo a batalha desenrolar-se, escondido. É violento e não nada equilibrada, ao contrário do que esperava. Os ogres aguentam-se bem contra a salamandra, no início. O enorme líder desencadeia algum tipo de habilidade que envolve o seu taco de verde, à medida que este ataca a salamandra. O taco faz danos sérios e os outros ogres são rápidos a aproveitarem-se disso, investindo contra a salamandra. No início, chego a pensar que a salamandra pode morrer sem causar quaisquer danos.

Isso, até todo o seu corpo começar a brilhar num tom vermelho e a libertar uma nuvem de vapor vermelho por todo o lado. A salamandra parece estar a ferver o próprio sangue e a libertá-lo, queimando os agressores que a rodeiam, afastando-os. Depois disso, a salamandra morde um ogre feminino, arrancando o seu braço do corpo. O resto da batalha torna-se sangrento e sórdido. A meio, apercebo-me de que algo está errado, apesar de demorar algum tempo a perceber o que é.

— As crianças não estão ali! — vocifero para o Ali, que está a observar a luta com entusiasmo, tendo, de alguma forma, conjurado um pacote de pipocas. Este para de comer tempo suficiente para apontar e volta a ignorar-me.

Sigo a indicação dele, esgueirando-me de um edifício para outro e encontro as crianças a serem protegidas pelos ogres jovens. Semicerro os olhos a contemplar o que fazer, antes de regressar ao evento principal. Sorrio cruelmente, a batalha já está quase no fim. A salamandra, bastante ferida, está a queimar o último ogre com a sua respiração.

Gostam de ser cozinhados? Uma parte de mim está preocupada com a alegria abominável que estou a exibir, mas é uma parte muito pequena. Assim que a salamandra acaba com o resto dos ogres principais, certifico-me de que ela termina o seu trabalho, provocando-a e guiando-a até às crianças.

A fase dois está completa. Sorrio sem vontade, ao ver a salamandra a saborear os ogres jovens, antes de me apressar. Podia terminar aqui, a vingança pelos habitantes de Junction está concluída. Contudo, a raiva não está saciada, preciso de a descarregar uma última vez. A salamandra é um monstro e tem de morrer.

A fase três é muito simples, na teoria. Aliás, eu tinha arriscado bastante ao pensar que seria a salamandra a sobreviver, no final da batalha, pois construí o meu pequeno brinquedo com isso em mente. Tinha escondido a arma por perto e estava agradecido por ver que os ogres não estão familiarizados com a tecnologia humana ou, então, não são muito curiosos, pois deixaram-na intacta. Peguei no carrinho de compras e dei a volta à engenhoca, para esta ficar de frente para a salamandra.

Fiz figas, na esperança de que funcionasse, e empurrei, enviando o carrinho na direção ao monstro. Ele não percebe o que está a acontecer, mas percebe que estou a fugir, o que faz com que me queira perseguir. É óbvio que quer acabar comigo de uma vez por todas.

Surpreendentemente, o primeiro impacto, quando atinge a salamandra de frente, não desencadeia a explosão. O segundo, quando o seu pé de trás esmaga o carro, desencadeia. O carro está acondicionado em camadas. A camada mais funda, que me deu bastante trabalho, contém uma garrafa de nitroglicerina caseira. A garrafa está bem selada, cheia de algodão à volta, para garantir que um impacto casual não a faria explodir. À sua volta, coloquei garrafões de gasolina meio cheios, intercalados com latas de spray. No exterior, pus uma camada fina de pregos, parafusos e porcas. Esta era a minha bomba improvisada e ocupou grande parte do meu tempo a montar.

Quando explodiu, o estilhaço improvisado faz a maioria dos danos, como esperava. A salamandra pode ser resistente a temperaturas elevadas e talvez até parcialmente resistente à força da explosão, mas não há muito que possa fazer quanto aos estilhaços que rasgam desde os pés até ao resto do corpo.

Claro, só percebi essa parte mais tarde. Quando se dá a explosão, só me lembro de uma dor aguda e da força da explosão a atirar-me para a frente, antes de tudo escurecer.



***



Quando acordo, vejo o Ali a pairar sobre mim com um ar preocupado. Este desaparece assim que abro os olhos e o seu ar mal-encarado e pouco impressionado volta ao normal. Só vejo um ligeiro movimento da sua mão, antes de a minha visão se encher de azul.



Parabéns!

Foste crucial na destruição da Vila Ogre (Novato). Até as crianças. Quem é o monstro agora?

+ 13 000 XP



Parabéns!

Ajudaste a matar uma Salamandra (Nível 108). Não devias brincar com bombas. Da próxima vez, podem explodir na altura errada.

+ 27 000 XP (XP proporcional aos danos feitos)



— Ali... O Sistema fez-me um aviso? — olho preocupado para a janela azul. O Big Brother prestou mesmo atenção ao que eu fiz? Será que podem influenciar as coisas, se eu tentar algo parecido? Também não planeio voltar a fazê-lo. Recordações de vídeos do YouTube e de aulas de Química não são o mais indicado para construir bombas.

— Parece que sim, não é? — responde o Ali, quando dispenso a notificação para continuar a investigar o mar de azul.



Título Ganho

Por matares um monstro com mais de 100 níveis acima do teu, recebeste o título “Ruína de Monstros”. Todos os danos causados a monstros de um nível superior ao teu + 15%.



Parabéns!

Por receberes o teu primeiro título, ganhas um bónus de + 5000 XP.



Passaste de Nível! x 4

Chegaste ao Nível 7 de Guarda de Honra de Erethran. Os pontos foram distribuídos automaticamente. Tens 15 atributos livres por distribuir.

Habilidades de classe bloqueadas.



Com a visão finalmente livre do mar azul, percorro calmamente as barras de estatística e outras notificações. A Vida ainda está abaixo de meio e os pequenos ícones de estatística adicionais dizem-me que tenho uma concussão e estou exausto. Não me digam. Ainda assim, não há descanso para os ímpios. Portanto, levanto-me e vomito logo em seguida.

— Isso é nojento — o Ali funga e espera que eu quase termine antes de continuar. — Toca a mexer, mauzão. Estão prestes a chegar criaturas repugnantes e tens de acabar de saquear.

Faço um esgar, mas começo a mexer-me lentamente, dando o meu melhor para não voltar a perder o pequeno-almoço. Ou será que já é almoço? Jantar? Bolas, não faço mesmo ideia e dói-me demasiado a cabeça para me preocupar. Não me vou queixar. Estou vivo, algo que não esperava. Aliás, tenho quase a certeza de que não estava a pensar muito bem nestes últimos dias. Quem raio é que atrai um mini dragão para um combate até à morte contra um grupo de ogres, que acabaram de exterminar uma vila sozinhos, e constrói uma bomba com as próprias mãos?

A salamandra dá-me uma bolsa de fogo de salamandra, pele e mais carne. Surpreendentemente, quando abro o meu inventário para guardar os itens, apercebo-me de que aumentou de tamanho outra vez.

— Ali, estou a imaginar coisas? — franzo as sobrancelhas, olhando para a nova grelha de 6 x 6.

— Não, o espaço do inventário aumenta a cada cinco níveis — explica o Ali e observa-o. — Ainda bem para ti.

Tenho de concordar com ele porque, caso contrário, teria de deitar fora algumas coisas. Enquanto itens do mesmo tipo se acumulam, itens únicos precisam do seu próprio lugar e os diferentes tipos de carne são considerados únicos. Seja como for, ainda bem para mim. Agarro no saque da salamandra e despejo-o no inventário, passando à frente. As crianças ogres dão me alguma pele de ogre e os adultos são uma desilusão, inicialmente, dando-me uma variedade de armas rústicas, armaduras demasiado grandes, couro de ogre e 5000 créditos, no total. Os créditos vão diretamente para o inventário como uma notificação, o que ajuda, visto que comecei a deitar fora saques antigos, como a carne de formiga. Quando finalmente chego ao ogre chefe, dobro-me cuidadosamente para pegar no taco que este largou e quase o deixo cair outra vez, quando a notificação aparece.



Taco para Esmagar Encantado

Danos Base: 38

Encantamento: ignora 20% da armadura alvo



Bolas. A minha faca apenas faz danos base de 4, para começar. Claro, como o guia explicou, os danos eram baseados na armadura do alvo e onde e como a atingíamos. Os melhores tipos de armadura absorvem mais danos, apesar de terem tendência a ficar danificadas, conforme vão absorvendo cada vez mais impactos. Além disso, as armas brancas têm modificadores de danos adicionais, que incluem a nossa força, o que, no caso dos ogres, era bastante significativo.

Mal consigo pegar no maldito taco gigante e o facto de o poder sequer levantar quebra todas as regras da física. É por isso que o deixo no chão e passo para o saque do chefe seguinte. Esse dá-me mais couro de ogre, 7000 créditos e uma chave dourada. Quando a minha mão se fecha à volta da chave para a pôr no inventário, surge outra janela azul.



Chave da Cidade

Gostarias de assumir o controlo de Haines Junction? (S/N)



— Que raio? — grito para o Ali e arrependo-me imediatamente, quando a minha cabeça começa a girar. O Ali vem ter comigo, olhando para a janela em silêncio, enquanto recupero. Por momentos, com a cabeça a andar à roda, pergunto-me se ele estará maior, mas distraio-me com o que ele está a dizer.

—Caramba! — exala o Ali, apontando para a chave. — Por isso é que os ogres não fugiram, eles compraram a cidade.

— Explica, bolas — respondi.

— Pronto, está bem. As vossas cidades não são cidades verdadeiras, pelo menos, não de acordo com o Sistema. Se as quiserem ter, têm de comprar os direitos da mesma. Foi isso que os ogres fizeram. Eles devem ter juntado todos os recursos que tinham e compraram ao Sistema os direitos e um portal para aqui. Deve ter-lhes custado uma fortuna, mesmo para um sítio horrível como este — explica o Ali rapidamente, girando em círculos, inquieto. Creio que isso faz dos ogres pioneiros. Pioneiros canibais mortos, queimados e comidos.

— Como queiram — zangado, rejeito a oferta do Sistema. Maldito Sistema, a julgar que o que construímos não é real. A exclamação de surpresa do Ali às minhas ações é interrompida por outro aviso.



Controlo de cidade rejeitado

Não foi encontrado nenhum outro senciente na zona.

Gostarias de revender os direitos de Haines Junction? (S/N)



Rio-me ligeiramente e aponto para o Ali:

— Não és senciente!

— Cala-te! Eu não conto porque estou ligado a ti, miúdo — replica o Ali, ao mesmo tempo que a chave desaparece da minha mão.



Direitos de Haines Junction vendidos por 10% do seu valor. 200 000 créditos do Sistema foram depositados na conta.

Como oferta única, gostarias de gastar os teus créditos do Sistema agora? (S/N)



Desta vez, não chego a escolher, o Ali fá-lo por mim.




Capítulo 5


Num momento, estou entre os restos queimados e destruídos do clã de ogres, cheio de dores e a lutar contra a onda de tonturas e parvoíces. A seguir, estou completamente saudável, numa Loja de alta tecnologia com demasiado amarelo. Levanto uma sobrancelha à escolha de cor. Pensava que seria tudo azul, mas cá está o amarelo, desde as paredes às cadeiras, ao balcão, onde um homem-lagarto amarelo nos espera.

— Estás grande! — grito assim que vejo o Ali. Em vez dos seus normais 30 cm, o Ali tem uns incríveis dois metros. Felizmente, ainda está com o seu fato laranja, o que, tenho de admitir, combina muito bem com o seu tom de pele acastanhado.

— Este é o meu tamanho real — refila o Ali, a apontar para mim. — Tu é que não consegues aguentar a minha “fabulosidade”.

— “Fabulosidade”? — o meu queixo quase cai com a escolha de palavras dele.

— Eu aborreço-me. O teu mundo tem muitas formas de entretenimento interessantes — diz o Ali desdenhosamente e encaminha-se para o lagarto que nos espera. — Malik, seu velho malandro! Tenho uma proposta para ti!

Olho para o homem-lagarto e para o meu Companheiro, quando este começa a tirar coisas do meu inventário, já a começar uma discussão sobre o preço. Antes ele do que eu, mas que raio devo fazer? Já agora, porque raio estou saudável?

— Talvez o mestre queira dar uma vista de olhos às nossas mercadorias? — sugere uma voz suave ao nível do meu cotovelo, o que me faz virar e tentar acertar-lhe. Vejo de relance quem falou, uma raposa em duas patas, antes de esta se desviar do meu golpe sem qualquer problema.

— Desculpe. Peço imensa desculpa. É só que... Apocalipse! — peço desculpa várias vezes.

— Ora essa, mestre, é completamente normal. A culpa é deste servo por o ter assustado — o sorriso da jovem raposa aumenta e esta faz um gesto para uma porta que eu ainda não tinha visto. — A mercadoria, mestre?

— Sim, suponho que posso... — começo a segui-lo. Afinal de contas, sou rico ou, pelo menos, acho que sou. — Já agora, eu estava ferido, mas agora sinto-me bem.

— Faz parte do processo de transferência. A política do Conselho Galáctico diz que todas as transações devem ser feitas por indivíduos com a Vida intacta. Será devolvido na mesma forma em que estava — explicou a raposa com facilidade, enquanto me guiava para a porta. A sala onde entramos é de um amarelo-claro, tão grande que não consigo ver o fundo. Lá dentro, a sala é ocupada por uma nave espacial flutuante, que me relembra aquela em que o Super-Homem veio à Terra, no filme clássico. À frente dela, está um único ecrã, a flutuar.



Regulus Fase VIII (200 000 créditos)

Nave espacial de apenas um passageiro, originalmente capaz de realizar viagens hiperespaciais. Vem equipada com um Laser de Ligação de 3.ª Geração e duas Docas de Lançamento de Ares. Mais...

Gostaria de comprar? (S/N)



A minha mão contorce-se inconscientemente e faz um movimento para cima. Uma nave para me tirar daqui para fora, como o Sistema sugeriu. Uma fuga do sangue e da loucura que é a minha vida agora, uma forma de me libertar do medo. É tudo aquilo que eu poderia querer. Uma ligeira mudança de postura chama-me a atenção para a raposa e os meus olhos semicerram-se. Há alguma coisa na atitude dele, algo nos seus olhos.

Filho da mãe. Está a tentar enganar-me. Mais uma vez, a raiva vem ao de cima e tenho de me esforçar para relaxar, para suprimir as minhas emoções. Rodo a cabeça para descontrair o pescoço e carrego no “não” decididamente. A raposa não diz nada, que é o melhor para ele. Depois de um breve momento, aparece uma lista gigante de produtos.

Os cantos da minha boca formam um sorriso antes de eu dizer, olhando para a raposa:

— Sê um lindo menino. Traz-me uma cadeira, café e qualquer chocolate que tenhas à mão. Vou demorar um bocado.

A raposa retira-se e eu começo a pesquisar. Está na altura de tornar isto mais acessível.

— Remover todos os artigos que custam mais de 200 000 créditos — a lista encolhe durante uns momentos, antes de se voltar a formar. Resmungo, não surpreendido. Vamos ver o que há...

— Mostrar apenas artigos específicos para humanos — desta vez, a lista desaparece quase completamente, sobrando apenas três artigos. Suponho que somos demasiado recentes para termos um monte de produtos específicos.



Tratamentos de Genoma Humano

Os tratamentos de genoma são adaptados a cada cliente. O objetivo de cada tratamento é reparar e otimizar o código genético base do cliente, removendo erros gerados pela idade e radiação. Melhorias opcionais no tratamento incluem a remoção de código genético que seja inferior ao ideal e a adição de genes das melhores práticas.

Custo Base: 10 000 créditos

Remoção de Genes: 2500 créditos

Introdução de Genes: 2500 créditos



— Isto não me vai deixar assexuado ou qualquer coisa estranha, pois não? —pergunto à raposa, que regressou, depois de ficar um pouco confuso com a palavra “ideal”. Afinal, a definição de ideal de uma raça alienígena pode incluir tornar-nos hermafroditas ou pôr-nos uma cauda.

— Não. O tratamento de genoma é destinado especificamente à humanidade, incluindo os problemas sociais da vossa raça — responde a raposa, de volta ao seu profissionalismo calmo. Resmungo e seguro a janela, puxando-a para o lado para a manter aberta. Vou comprar aquilo, definitivamente.



O Básico de Manipulação de Mana para Humanos

Utilizando tecnologia patenteada pelo Sistema, o conhecimento básico de manipulação de mana será descarregado diretamente na sua mente. Manipulação de Mana é um requisito para habilidades de magia básicas.

Custo: 5000 créditos



Interessante. Seguindo o instinto, faço uma comparação.



O Básico de Manipulação de Mana

Utilizando tecnologia patenteada pelo Sistema, o conhecimento básico de manipulação de Mana será descarregado diretamente na sua unidade de armazenamento mental. Manipulação de mana é um requisito para habilidades de magia básicas.

Custo: 1000 créditos



— Podes explicar? — viro-me para a raposa que me parece completamente descontraída com esta informação. Ela aponta primeiro para a opção mais barata.

— Esta é a opção criada pelo Sistema que pode ser adquirida por qualquer ser que faça parte do mesmo. Contudo, como foi desenvolvida para ser utilizada por todos os habitantes do Sistema, não há garantia da assimilação do conhecimento e, em casos extremos, pode causar danos. Em todos os casos, exceto nos mais extremos, apenas a informação mais básica é transmitida.

— A segunda opção foi desenvolvida especificamente por um dos nossos artesãos para garantir que ocorrerá a assimilação completa do conhecimento. Defendemos o produto a 100% e este tem sido particularmente bem-sucedido no seu mundo. Alguns indivíduos dotados têm sido capazes de obter um nível base de habilidades mais elevado ao comprarem este produto.

— Qual é a probabilidade de um humano normal obter a habilidade? — aponto para a habilidade do Sistema.

— 32%.

— E eu?

— 98%.

— Foi o que pensei — digo e deslizo a janela da habilidade do Sistema para esta se juntar à do tratamento de genoma. A Nível 7, a minha inteligência é muito superior à da média humana, apesar de nunca ter sido considerado burro. Volto para as janelas de compra para analisar o último artigo específico.



Guia do Thrasher para Sobreviver ao Apocalipse na Terra

Este guia implementa informações básicas sobre o Sistema, o apocalipse atual e planos futuros. Estão incluídas explicações de habilidades comuns, magia, tecnologia, pontos de segurança, a Loja e mais.

Custo: 50 créditos



Olho desconfiado para isto e crio uma segunda secção para os “talvez”. Tenho a sensação de que o Ali tem mais informações do que um guia de 50 créditos, mas não custa nada perguntar. A seguir, a minha classe:

— Lista de informação disponível sobre a Guarda de Honra de Erethran.

Aparece uma lista gigante a detalhar o treino, a história, os costumes, as táticas de batalha, o equipamento, a atual estrutura organizacional e mais da Guarda de Honra, a maioria dentro dos 20/50 créditos, por isso, compro tudo. Curiosamente, até há informações sobre missões secretas e escondidas disponíveis, mas evito comprar essas. Calculo que a Guarda fique furiosa comigo de qualquer maneira, não preciso que se armem em arrogantes só porque comprei informações internas ao Sistema.

Passo às habilidades Básicas. Observo a vasta variedade de habilidades por momentos e, depois, reduzo-as apenas a habilidades de combate, por agora. Estão lá as mais vulgares como Desarmado, Lâminas, Armas, Armas de Haste, Arco e Flecha, Espingardas, Pistolas e outras. Podia aprender a conduzir um tanque, se quisesse! Uma parte de mim ri-se da ideia, mas ponho-a de lado logo a seguir. Para começar, acho que não havia um único tanque em Yukon, nem antes do apocalipse. Agora, seria apenas uma carcaça de metal.

Não, é melhor focar-me naquilo de que preciso. Agarro nas habilidades de combate desarmado, adicionando-as ao monte “comprar” e, depois, adiciono as de espingardas e pistolas, juntamente com as de lâminas, ao monte “talvez”. Tenho de saber que tipo de armas vou comprar antes de decidir isto.

Puxo a seleção de habilidades de classe e estremeço. Até a habilidade de classe mais barata começa nas dezenas de milhares de créditos e não me parecem ser assim tão boas. Tenho mesmo de equilibrar o meu desejo de ter uma habilidade fixe com o facto de precisar de armas, transporte e habilidades. Ainda assim, destaco algumas e atiro-as para a coluna de “comprar”.

Faço um sorriso forçado, acabo o café e, depois, abano o copo vazio à raposa, enquanto abro as barras de chocolate. Pois... Uma pesquisa rápida revela uma série de opções de barras de chocolate e delicio-me, pegando numa pilha de chocolates suíços. Pronto, próximo! Ter uma arma seria fantástico, mas tenho de me lembrar de que preciso de dinheiro para uma armadura e um modo de transporte. São apenas mais ou menos 160 quilómetros até Whitehorse mas, a pé, demoraria umas quantas semanas. Isto sem contar com os vários monstros que devem aparecer pelo caminho.

É melhor descobrir primeiro os custos do transporte. A lista que surge faz-me retrair. Até a mota mais básica custa umas centenas de créditos e um automóvel é mais de 10 000 créditos, com requisitos de abastecimento de gasolina. Qualquer coisa mais avançada e os preços dão um salto ainda maior, mas, olhando de relance para os detalhes, percebo o motivo. Muitos dos veículos mais avançados abastecem-se diretamente do Mana recolhido. A armadura também deve ser cara. Na verdade, deve ser mais cara do que qualquer arma que compre, se a própria história da humanidade servir de exemplo.

Franzo a testa, chateado, a olhar para os veículos. Deve haver alguma maneira de fazer isto.



***



— Onde raio te meteste? É bom que não tenhas comprado nada! — O Ali dá um encontrão na porta, desesperado, à minha procura, finalmente lembrando-se de que não estava sozinho. Ele apressa-se a vir ter comigo e aponta-me um dedo chateado: —Distraí-me durante um segundo!

Reviro os olhos, com os pés no ar, e olho para as janelas que flutuam à minha frente, em toda a sua glória azul. Um pensamento e elas minimizam-se antes de o Ali as conseguir ler e puxo uma janela nova.

— Para com isso. Já arranjei algo melhor — aponto para a janela e ele olha para ela de forma acusadora.



Companheiro IA Classe Lambda de Sexta Geração

Resultado da combinação de uma classe de IA Delta e Épsilon, este Companheiro Classe Lambda de Sexta Geração ainda está na sua infância. Contudo, com o seu código base, espera-se que processe níveis significativos de dados e que consiga operar até três máquinas de classificação D ou uma máquina de classificação C.

Classificação: C

Requer: Hardware mínimo de classificação D para instalação



A ler furiosamente, os olhos do Ali arregalaram-se e ele diz logo a seguir: — Tu, tu... Tu ias substituir-me por um monte de código! — ele grita a última parte e a sua cara fica completamente vermelha. — Sua bola de carne ingrata, seu verme inútil comedor de carne e amante de ovelhas...

Ele para de falar quando eu me dobro de tanto rir. Primeiro, tento controlar-me, mas quando ele para de refilar, caio da cadeira e continuo a rir. Sempre que penso que tenho as emoções controladas, volto a olhar para a cara de sofrimento do Ali e volto a desmanchar-me a rir. Até a raposa está ligeiramente divertida, pela forma como a sua cauda se mexe.

Não sei quanto tempo demoro a controlar as emoções, mas é um bom bocado. Quando o faço, aponto um dedo ao Ali:

— Que belo Companheiro me saíste, estes aldrabões quase me engaram.

O Ali semicerra os olhos e suspira, invocando a nave espacial. Quando olha para ela, a janela pisca conforme ele lê mais detalhes e resmunga:

— Sim, é uma porcaria. Está três gerações desatualizada, os mísseis não estão incluídos, não tem armadura e trocaram o disco espacial original por um monte de porcaria que pode ou não levar-te para o hiperespaço e, certamente, terias de a reabastecer a cada salto. Eles nem sequer a abasteceram.

A raposa está quieta, com um sorriso que não convence ninguém, enquanto falamos. Estes tipos não têm vergonha. É por isso que tenho todo o gosto em deixar o Ali regatear e deixá-los na penúria.

— Muito bem, já chega de brincadeiras. Como te saíste? — faço um gesto para o sítio de onde ele veio.

—Vim buscar-te — murmura o Ali, antes de me responder. — Bastante bem. A bolsa da salamandra foi a primeira a vir da Terra, por isso, recebeste um bónus e deram-nos 23 187 créditos. O couro de ogre foi bastante barato, exceto o das crianças. Essas são especiais por serem mais moles.

Ele cala-se quando eu levanto uma mão, não preciso da lista detalhada dos seus feitos. Ele resmunga durante um bocado sobre crianças ingratas, antes de responder:

— 38 632 créditos por tudo.

— Isso dá 250 632 créditos, certo? E, corrige-me se estiver errado, mas podemos comprar e aplicá-los conforme precisemos, certo?

— Sim…

— Boa. Eis o que estou a pensar — gesticulo para as janelas acabadas de abrir, preparando-me para discutir com o Espírito.



***



— Podes parar a qualquer altura, jeitoso — diz o Ali, enquanto olho para o meu reflexo. Faço-lhe um sorriso maldoso, toco no capacete novamente e faço-o voltar a ser um aro de metal à volta do meu pescoço. O fato de apenas uma peça que tenho vestido é todo preto e não deixa nada à imaginação. Mas não faz mal, porque também é uma armadura.

Para variar, sou mesmo jeitoso. O tratamento de genoma parece ter-me feito, entre outras coisas, mais bonito. O meu queixo está mais definido, os meus traços mais simétricos e alongados, misturando as minhas origens chinesas com outras raças. Pareço mais o Keanu Reeves do que eu mesmo, em alguns aspetos. Mantive algumas coisas, como o meu cabelo e olhos pretos, mas houve pequenas mudanças adicionais pelo meu corpo todo, incluindo uns dez centímetros extra na minha altura e uma quantidade significante de músculo. Linhas que se começaram a notar nos últimos anos, pequenas o suficiente para eu ser o único a reparar, desapareceram, o que me rejuvenesceu uma década e me fez voltar a parecer ter 20 e poucos anos. As modificações faciais são particularmente desconcertantes, mas, felizmente, pareço ter-me adaptado relativamente bem, subconscientemente, a todas as alterações. Creio que o treino de resistência mental incluído na minha classe me está a ajudar. Isso ou o Sistema está a alterar a minha mente para eu poder seguir com a minha vida.

Surpreendentemente, além das alterações à superfície, não sinto uma grande diferença no desempenho do meu corpo. Quando o mencionei ao Ali, ele explicou que é um efeito secundário do meu nível e da minha classe. Como já atingi o pico da genética humana há muito tempo, o tratamento de genoma só pode fazer pequenos ajustes adicionais. Algo sobre criar fibras musculares mais densas, um nível mais elevado de glóbulos vermelhos, um aumento da matéria cinzenta, entre outros. Desliguei durante grande parte da explicação.

Basicamente, foquei-me nas modificações a nível psicológico. Como parte do tratamento de genoma, parece que era necessário um fluxo de químicos que me deixou mais estável, com as emoções um pouco mais sob controlo. Ainda há restos de raiva e culpa por ter sobrevivido, mas, por agora, estou outra vez funcional, sem o profundo desequilíbrio químico neurológico que tinha. Ao ver que a minha resistência mental estava a lidar com as minhas alterações físicas exteriores com compostura, questiono-me o quão perto estaria de perder a cabeça, se não tivesse a minha classe. Para um antigo funcionário de escritório, já me tinha escondido, corrido e matado bastante, durante a última semana.

Não interessa, ainda aqui estou e os “se” são infinitos. As coisas são como são. Ainda assim, estou curioso por ver o que mudou no meu quadro de estatísticas.








Atributos não atribuídos:

12 Pontos de estatística

Gostarias de atribuir estes atributos? (S/N)



— A tua mãe não te disse para não lhe mexeres tanto? — protesta o Ali e eu volto ao presente, parando de coçar a cabeça. Nem sequer fiquei com uma cicatriz. Mas, se me concentrar, consigo sentir a ligação neurológica instalada na minha mente a ativar-se. Era quase capaz de jurar que o sinto no cérebro, mas sei que isso é puramente psicossomático. Volto a invocar a janela com os detalhes da ligação.



Ligação Neurológica Nível IV

A ligação neurológica consegue suportar até cinco conexões.

Conexões atuais: Veículo Blindado Pessoal Omnitron III Categoria II

Software Instalado: Firewall Rich’lki Categoria IV, Controlador Omnitron III Categoria IV



Faço a janela desaparecer e aproximo-me do meu Veículo Blindado Pessoal (VBP), tocando no guiador. O VBP parece uma mota de estrada com esteroides na sua configuração, completamente preta com placas blindadas revestidas e elegantes. Mas isso não é tudo. Com apenas um pensamento, o VBP pode desmontar-se e unir-se a mim, funcionando como uma armadura. Isso mesmo, tenho uma mota mecha. Quase compensa todas as porcarias estúpidas e de loucos pelas quais passei. Quase.

Não consigo evitar voltar a invocar os detalhes da mecha, só para me vangloriar um bocadinho.



Veículo Blindado Pessoal Omnitron III Categoria II (Sabre)

Núcleo: Motor Mana Omnitron Categoria II

Processador: Processador Categoria D com Núcleo Xylik

Classificação da Armadura: Nível IV

Pontos Fortes: 4 (1 utilizado em integrador do Manipulador de Física Quântica)

Pontos Fracos: 3 (1 utilizado em ligação neurológica)

Requer: Ligação neurológica para configuração avançada

Capacidade da Bateria: 120/120

Atributos Extra: + 20 Força; + 7 Agilidade; + 10 Perceção



O Ali chegou a ser útil. Trabalhou comigo para ajustarmos a minha escolha inicial da versão Ares deste produto para o Omnitron. O Omnitron tem mais armamento e é blindado, mas tem um motor a Mana mais pequeno. Portanto, seguindo a sugestão do Ali, sacrificámos o armamento instalado e a armadura mais eficaz por um motor a Mana melhorado. Como resultado, ficou apenas a base do produto, sem nenhum apetrecho, mas este pode ser bastante melhorado e tem uma recarga muito mais rápida.

Para diminuir os custos, também escolhemos uma armadura ablativa. Segundo o funcionamento das armaduras neste novo mundo, podia escolher entre uma armadura super resistente que partiria se fosse atingida ou uma armadura ablativa que vai ficando amolgada, mas que pode ser usada mesmo depois de sofrer danos. Claro que a armadura de Nível IV continuava a ser extremamente forte para os padrões pré-Terra. Aliás, a maioria dos monstros que enfrentei diretamente mal lhe conseguiriam fazer um arranhão. Obviamente, não estou a contar com a salamandra, pois nunca lutei contra ela, apenas corri bastante.

A única melhoria que comprámos para a mota foi o integrador para o MFQ, que, por si só, tinha custado um quarto do preço da Sabre. Sim, dei-lhe um nome. Julguem-me. Diria que fiquei surpreendido com o quão dispendiosa a melhoria foi, mas, tendo em conta que o MFQ foi ridiculamente útil, estava disposto a pagar.

No entanto, ficámos com fundos bastante reduzidos para a minha arma pessoal. Acabámos por nos contentar com duas armas diferentes. A primeira estava presa à Sabre através de um coldre acessível, com algumas modificações pequenas. À primeira vista, parecia uma espingarda de caça semiautomática normal, com uma coronha de madeira falsa, apenas tinha uma coronha um pouco mais volumosa do que o normal. Claro que não era bem assim:



Espingarda Ferlix de Raio Tipo II (Modificada)

Danos Base: 38

Capacidade da Bateria: 21/21

Velocidade de Recarga: 1 por hora por UMG (atualmente 12)



Tive de chatear o Ali para que me explicasse a velocidade de recarga e ele acabou por mencionar demasiados detalhes, até usou gráficos e tabelas com mapas do sistema solar e da galáxia. Verdade seja dita, desliguei passados cinco minutos. Resume-se tudo a isto: o Conselho Galáctico instituiu uma série de medidas tendo em conta a “base” de Mana disponível no ambiente que rodeia a capital. Este é uma única Unidade de Mana Galáctico ou UMG. Todos os motores a Mana eram classificados com base na sua capacidade de absorver e carregar uma bateria de Mana com apenas uma UMG. Contudo, nos Mundos Masmorra e em zonas com níveis mais elevados, a velocidade de recarga aumenta, uma vez que há mais UMG. As baterias de Mana podem ser recarregadas diretamente, mas é preciso ter um conjunto de competências especializadas, pois uma bateria de Mana mal recarregada pode explodir.

A minha arma de curto alcance deu azo a um aceso debate. O Ali queria que eu comprasse uma pistola (ele é maluco por armas de fogo), mas eu queria uma espada. Ele só cedeu quando salientei que precisava de uma arma que não ficasse sem recargas a meio de um combate, caso contrário, seria completamente dizimado. Ele ainda está amuado por ter perdido a discussão.

Comecei com uma simples espada de mão e meia e vi-a modificar-se assim que a tornei a minha arma pessoal. De início, tinha um padrão luminoso, mais visível na lâmina, com um embutido verde no punho e uma guarda brilhante. Era simples e bonita para uma arma, mas escolhê-la como arma pessoal eliminou todos os ornamentos. Agora, a arma está mais polida, sem qualquer traço de ornamentação. A única beleza que tem está na simplicidade do seu propósito: é uma arma criada para matar e matar bem.



Espada Nível II (Arma Pessoal Vinculada à Alma de um Guarda de Honra de Erethran)

Danos Base: 48

Durabilidade: N/A (Arma Pessoal)

Habilidades Especiais: Nenhuma



A lâmina ficou ainda mais afiada e apesar de ainda se poder partir, só tinha de a largar e voltar a invocá-la para esta reaparecer no seu estado original.

Com os preparativos terminados e o conhecimento básico absorvido, só restavam as habilidades. Finalmente, afastei-me e acenei à raposa, pronta para esta começar. Assim que acenei, senti a diferença. Isto era ainda mais intenso do que as compras de conhecimento anteriores, como se o mundo tivesse parado e recomeçado de repente. Janelas começaram a surgir pouco depois.



Habilidade de Combate Desarmado Ganha (Nível 6)

Habilidade de Mestria de Lâminas Ganha (Nível 6)

Habilidade de Combate com VBP Ganha (Nível 4)

Habilidade de Espingarda de Energia Ganha (Nível 3)

Habilidade de Meditação Ganha (Nível 5)

Habilidade de Manipulação de Mana Ganha (Nível 1)

Feitiço de Regeneração Básica Ganho



Assim que acabo de fechar as janelas, aparece outra notificação.



Atualização da Demanda do Sistema

A jornada para a compreensão das origens do Sistema e do Mana tem muitos pontos de partida, mas todas as ruas nos aproximam da compreensão do Mana. Deste o teu primeiro passo para a compreensão do Sistema.

Requisito: Aprender Manipulação de Mana

Recompensa: 500 XP



— Hum — murmuro e faço desaparecer a atualização da demanda. Com tudo tratado e os meus fundos na penúria, dei por mim de volta ao mundo real.

O cheiro a carne queimada e entranhas regressa, juntamente com a dor. Como já não estou ao cuidado do Sistema, os danos que tinha recebido voltaram de uma vez. Saber o que me espera não impede que caia de joelhos com dores, a cabeça a andar à roda. Só com muito esforço invoco o Feitiço de Regeneração Básica, que cura os danos à medida que o repito. O Ali fica em silêncio, à espera que me torne funcional, antes de dizer:

— Muito bem, vamos fazer-nos à estrada!

— Não — abano a cabeça, agarrado aos ombros, enquanto me aproximo da minha mota. Sento-me nela, aciono a mudança na minha mente e sinto a armadura a trepar-me e a unir-se a mim.

— Vamos atacar alguma coisa?

— Não exatamente — encaminho-me para o centro da cidade, à procura de possíveis ameaças.

— Para com isso! Não vamos brincar às adivinhas. Que raio estás a fazer, miúdo? — retorque o Ali, a voar atrás de mim.

— Estou a ser humano.



***



Disparo contra o último coiote que apareceu, para servir de jantar e faço o saque antes de me voltar para a pira que fiz. Devia ter feito algo em relação aos cadáveres dos monstros, mas não queria saber deles. Os cidadãos da cidade, por outro lado, mereciam melhor. Mesmo com a armadura de energia, passei horas a cortar e arrastar, principalmente porque tive de parar de vez em quando para matar alguns monstros que vagueavam por ali.

Não tenho palavras quando termino, apesar de ter tentado pensar em alguma coisa nas últimas. No final, tudo o que tenho a dizer é:

— Lamento.

Quando me viro, deixando a Sabre voltar à forma de mota, oiço uma voz rouca atrás de mim.



Deus jazia morto no Céu;

Anjos cantam o hino do fim;

Ventos roxos lamentaram,

As suas asas a pingar

Com sangue

Que caiu sobre a terra.

Isso, uma coisa que geme,

Tornou-se preta e enterrou-se.

Depois, das cavernas longínquas

Dos pecados mortos

Vieram monstros, lívidos de desejo.

Eles lutaram,

Disputaram o mundo,

Um pedaço.

Mas de toda a tristeza isto era triste:

Os braços de uma mulher tentaram proteger

A cabeça de um homem adormecido

Das mandíbulas da besta final.






Viro-me e olho para o Ali, que encolhe os ombros.

— Parecia-me apropriado.

Sim, parecia.



Demanda Oculta Completada!

Enterraste os corpos dos que pereceram e vingaste as suas mortes, contra todas probabilidades. O Sistema pode ser insensível, mas tu não és.

Recompensa: 5000 XP

Título Obtido: Redentor dos Mortos.

A reputação muda com determinadas fações.



— Vai-te lixar, Sistema! — sussurro e faço a notificação desaparecer. Está na altura de ir para casa.





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O que acontece quando o apocalipse chega? Não através de armas nucleares nem cometas, mas com Níveis e monstros? E se estivesses a acampar no Yukon quando o mundo acabasse? Tudo o que John queria era afastar-se da sua vida no Parque Nacional de Kluane durante um fim de semana. Caminhada, acampamento, relaxar. Em vez disso, o mundo acaba numa série de caixas azuis. Os animais começam a evoluir, monstros começam a aparecer e ele tem uma folha de personagem e capacidades que desafiam a física. Agora, ele tem de sobreviver ao apocalipse, voltar à civilização e não perder a cabeça. O Sistema chegou e, com ele, extraterrestres, monstros e uma realidade inspirada em lendas antigas e jogos. John vai ter de encontrar novos amigos, lidar com a sua ex e matar os monstros que continuam a surgir. A Vida no Norte é o Livro 1 do Sistema do Apocalipse, uma série apocalíptica de RPG Literário, que combina elementos da vida moderna, ficção-científica e fantasia, juntamente com as mecânicas de um jogo.

O que acontece quando o apocalipse chega? Não através de armas nucleares nem cometas, mas com Níveis e monstros? E se estivesses a acampar no Yukon, quando o mundo acabasse? Tudo o que John queria era afastar-se da sua vida no Parque Nacional de Kluane durante um fim de semana. Caminhada, acampamento, relaxar. Em vez disso, o mundo acaba numa série de caixas azuis. Os animais começam a evoluir, monstros começam a aparecer e ele tem uma folha de personagem e capacidades que desafiam as leis da física. Agora, ele tem de sobreviver ao apocalipse, voltar à civilização e não perder a cabeça. O Sistema chegou e, com ele, extraterrestres, monstros e uma realidade inspirada em lendas antigas e jogos. John vai ter de encontrar novos amigos, lidar com a sua ex e matar os monstros que continuam a surgir. A Vida no Norte é o Livro 1 do Sistema do Apocalipse, uma série apocalíptica de RPG Literário, que combina elementos da vida moderna, ficção-científica e fantasia, juntamente com as mecânicas de um jogo. Esta série contém elementos de jogos como a subida de nível, experiência, materiais enfeitiçados, um espírito sarcástico, mecha, um elfo sombrio e cativante, monstros, minotauros, uma ruiva impiedosa e uma perspetiva semi-realista da violência e dos seus efeitos. Não inclui haréns.

Translator: Cláudia Amaral

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