Книга - Vida De Hospedeira

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Vida De Hospedeira
Marina Iuvara


A autora é uma hospedeira de bordo, e partindo de episódios reais sucessivos voando, consegue fazer respirar ao leitor o clima que se vive dentro duma companhia aérea, precisamente nos papéis da vida duma hospedeira, onde o trabalho e a complexa organização da vida pública e privada, consoante os horários, turnos e partidas, transformam-se quase num estilo de vida. É um livro que encara o tema do enriquecimento pessoal e a mudança, mediante uma viagem ao longo de vinte anos, ou talvez mais, que verá Ana transformar-se de rapariga ingénua e cheia de sonhos, numa mulher e mãe consciente e realizada, que consegue adaptar-se aos inelutáveis mudanças de vida, e habituada sempre de ter uma mala na mão viajando pelo mundo. Ana é uma hospedeira de bordo que deixou a sua terra natal, a Sicília, para realizar os seus sonhos: viajar, ser livre e independente. Cansada de aturar as severas regras impostas pelos pais e pela sociedade onde vive, a protagonista rebelde e passional, um dia tem uma intuição e percebe que só a profissão de assistente de bordo poderá torná-la feliz, realizá-la. Começa desta forma uma existência da “mulher com as asas” que a verá dividida por meio entre o céu e a terra, entre países longínquos almejados por muitas pessoas, e a vida de todos os dias com os seus problemas comuns para todos os mortais. Uma dicotomia que se reencontra na estrutura do livro, onde as recordações da vida da protagonista, ora felizes e divertidos, ora tristes e dramáticos, são entrecortadas com as historias sucedidas a bordo, “janelas” de um mundo fascinante como aquele da aviação civil, pouco conhecido, mas complexo e estruturado. São assim ilustrados “usos e costumes”, fornecendo informações sobre os “voláteis voadores”, como no ambiente é chamado o pessoal navegante, dando ainda mais humorísticos conselhos aos passageiros. A autora é uma hospedeira de bordo, e partindo de episódios reais sucessivos voando, consegue fazer respirar ao leitor o clima que se vive dentro duma companhia aérea, precisamente nos papéis da vida duma hospedeira, onde o trabalho e a complexa organização da vida pública e privada, consoante os horários, turnos e partidas, quase tornam-se um estilo de vida. É um livro que encara o tema do enriquecimento pessoal e a mudança, mediante uma viagem ao longo de vinte anos, ou talvez mais, que verá Ana transformar-se de rapariga ingénua e cheia de sonhos, numa mulher e mãe consciente e realizada, que consegue adaptar-se aos inelutáveis mudanças de vida, e habituada sempre de ter uma mala na mão viajando pelo mundo. Quais são os segredos duma hospedeira? O que acontece a bordo dos aviões? O que fazem as hospedeiras quando chegam ao destino? Como são instruídos? Como vive uma hospedeira a sua realidade privada? Como faz para organizar-se com as frequentes partidas? O que pensa na descolagem e aterragem? Mas as hospedeiras têm medo? O que lhe passa pela cabeça quando se apresenta uma emergência? Como instaura as relações coma tripulação? Como se gerem os passageiros mais difíceis? Quais são os defeitos dos passageiros? O que é a “pilotite”? Quais são os vários tipos de aproximação no avião? E as varias tipologias de passageiros? Quais são os conselhos para enfrentar uma viagem e o que levar na mala? O que prevê o “manual de sobrevivência a bordo”? Neste livro existem as respostas para estes e muitos outros quesitos.







Marina Iuvara



VIDA DE HOSPEDEIRA



O mundo é a minha casa



Tradução de Aderito Francisco Huo (https://www.traduzionelibri.it/profilo_pubblico.asp?GUID=5dcb6d8ebb94f4bc8a68c1886b74b1c9&caller=traduzioni)



Esta obra é protegida e reservada pelos direitos do autor. Todo uso improprio ou difusão da obra ou parte dela trâmite suporte mecânico, electrónico ou qualquer outro, tradução e representação em público sem o consentimento do autor é proibido.

Este livro é uma obra de fantasia. Personagens e lugares citados são invenções do autor e têm o fim de conferir veracidade à narração. Qualquer analogia com factos, lugares e pessoas, vivas ou desaparecidas, é absolutamente casual.

© 2020 - Marina Iuvara


Esta obra es la revisión de la primera edición de «Vida de hospedeira».

Han transcurrido varios años desde la primera publicación de este libro, así que he decidido actualizarlo y completarlo.

Bienvenidos a bordo: this is the next flight.



Marina Iuvara


Anjos do ar



Mulheres independentes, uniformizados, viajando pelo mundo.

Ícone glam de liberdade.

Mulheres, sobretudo, que desenvolvem uma profissão com peculiaridades únicas, e por isso fonte de alegria e satisfação irrepetíveis, mas também densa de repercussões difíceis e reflexos muito importantes na sua vida.

As assistentes de bordo são tradicionalmente identificadas no imaginário colectivo por aquilo que exteriormente parece: os seus uniformes elegantes, as paragens em toda parte do mundo, o contacto e o conhecimento com inumeráveis pessoas, ou as compras por todo o lado. É fácil que suceda de encontrá-las no aeroporto, juntamente com toda a tripulação: são vistas ainda hoje, as vezes, com admiração e um bocadinho de inveja. «Quisera tanto fazer eu também este trabalho», pensam secretamente muitos, ou então o oposto: «não poderia fazer por acaso este trabalho.»

Realmente as hospedeiras – os assistentes de bordo em geral, naturalmente – desenvolvem com eficiência e profissionalismo um papel de grande interesse, e são efectivamente uma componente fundamental da linha de segurança de voo, capazes de gerir com técnica e paciência emergências de todo tipo, devem estar sempre preparados para resolver os mais impensáveis e complicados imprevistos, garantindo além da distância dos afectos e da casa, ou a difícil organização da gestão do seu tempo, e também os efeitos do fuso horário.

Neste livro procurei contar os aspectos menos notáveis e dificilmente imagináveis.

Dedico-o, por isso, a todas nós.


Introdução



A figura da hospedeira aparece pela primeira vez nos anos 30 numa linha aérea americana.

No inicio muitos duvidavam da utilidade desta tarefa: frágeis e graciosas raparigas, cujo peso não devia superar os 52 quilogramas, a altura os 163 centímetros, de idade inferior a 25 anos, vestidas com o mesmo uniforme, rigorosamente formadas como enfermeiras, que convidavam com gentileza para ocupar o seu lugar no avião.

A sua figura e o seu papel sofreram muitas mudanças, ao longo dos anos.

Em 1940, depois do ataque de Pearl Harbour, as hospedeiras foram recrutadas nos aviões militares para servir a pátria.

Em 1950 foi elaborado o primeiro manual da perfeita hospedeira: forte como um soldado, afectuosa como uma mãe, disposta como uma geisha, informada como um guia turística.

Nos anos 60 e 70, as hospedeiras foram motivo de orgulho ao representar as companhias aéreas e chegaram a ser comparadas aos modelos.

Eram vistas como mulheres dotadas de beleza, desejáveis e invejadas, que tinham a possibilidade, não ainda ao alcance de todos, de viajar e conhecer o mundo.

Em 1960 no diário New York Times uma estatística americana descreveu as hospedeiras como mulheres perfeitas porque, percorrendo 300 milhas subindo e descendo nas poltronas, aparecem muito treinadas e de resistência comprovada à fadiga.

Com a chegada da revolução feminista e das posteriores conquistas em matéria de direitos das mulheres, em 1971 foi abolida a lei que proibia elas de casar; em 1974 o salário tornou-se igual àquele dos homens; em 1975 foi eliminado a interdição de maternidade e em 1979 foram abolidas os limites de peso.

Até hoje, a responsabilidade primária de uma hospedeira é garantir a segurança dos passageiros a bordo dos aviões, mas também assisti-lo durante o voo.


Prefácio



Perfeitamente treinadas no campo da segurança aerea, habilitadas e certificadas aos primeiros socorros médicos, competentes em línguas estrageiras, aptas nadadoras, cuidadas, sorridentes, bem educadas, as hospedeiras têm a necessidade de ter não apenas que uma predisposição às relaçoes inter-pessoais, também um excelente equilibrio emotivo e um forte sentido pratico.

O estilo de vida é frenetico, o trabalho é fatigante e stressante, mesmo por causa dos fusos horários, o ambiente em que operam é pressurizado e o solo sobre o qual se movem durante o trabalho não está sempre na posição horizontal, e todavia agem com mestria de si, e devem estar sempre preparadas para orientar-se em situações imprevisíveis.

As hospedeiras ficam ao lado de pessoas de todas as etnias, cultura, educação, proveniência e caracter.

Encontram crianças esplendidas como raios de sol ou, as vezes, mesmo mais turbulentos que as turbulências, pessoas mais velhas às quais reservar prudência e sensibilidade, personalidades que requerem liberdade e privacidade, homens de negócios, celebridades do entretenimento, grupos de turistas elegres e despreocupados, casais romenticos em viagem de núpcias, doentes por cuidar, emigrantes de países longíquos, religiosos e cultores de crenças diferentes. Todos devem ser tratados com cuidado e profissionalismo.

Elas devem gerir as urgentes incumbências por terminar antes de cada descolagem e aterragem, seguir as disposições relativos à segurança e às relativas tarefas e deligências, observar as precisas hierarquias por respeitar, zelar pelos múltiplos pedidos por satisfazer, estão sujeitos a longas e contínuas permanencias longe de casa, e a relações sociais privados tornados difíceis por causa das peculiares ausências determinadas por esta actividade laboral.

Os aspectos onerosos desta profissão sem igual são múltiplos, pelo menos como são pouco imaginados e conhecidos por muitas pessoas que as observam do lado de fora.

Contudo todas as hospedeiras, independentemente de tudo, adverte princípios de melancolia e nostalgia, quando não voa.

Esplendidos postais são guadados nos seus pensamentos e toda eventualidade, e mesmo o voo mais difícil é sempre uma experiencia que enriquece.

Os sushi japoneses, a areia das Maldivas, os aranha-céus de New York, a movida argentina,a alegria brasileira, os paraisos de Londres e o perfume de paris apresentam-se no horizonte, ganham vida, e oferecem únicas emoções, ainda que em restritos espaços de existencia, embora ensopados de cansaço pelo fuso horário, ainda que cada vez mais pricipitados pelo pouco tempo a disposição.

Espectaculares apresentam-se os pores-do-sol vistos por cima, por cima das nuvens.

A bordo dos aviões pode acontecer de tudo: muitos passageiros distinguem-se pela sua classe e o estilo incomparável, alguns revelam-se menos elegantes, outros suscitam ternura.

Pode suceder que algumas pessoas percam o controlo se estiver nervosos ou tensos, muitos têm necessidades de um suporte com reflexos psicológicos porque sofrem de patologias aerofóbicas ou claustrofóbicas. Excepcionalmente, por exemplo, os episódios de quem, bebendo um pouco demais, arrisca de tornar-se violento. É de todas as formas muito amplo, o espectro das possibilidades.

No avião, efectivamente, mesmo o mais pequeno e aparentemente insignificante episódio ou incidente, pode transforma-se em algo que necessita da mãxima atenção.

Os necessitados de cuidados devem ser imediatamente assistidos, as emergências médicas muitas vezes são brilhantemente resolvidos.

E praticamente em cada voo, infalivelmente, verificam-se comoventes experiências impregnadas de profunda humanidade e solidariedade.


Como é que é possível reconhecer uma hospedeira?



- Controlar os objectos que possui em casa: não percebem o que sejam, para que servem, donde provêm?

- observar as fotos que expoe: os cenários parecem pertecer à outra parte do mundo?

- Investigar se nunca saboreou um frango frito das barracas de Bangkok, frequentado os melhores restaurantes franceses e consumido room-service diante dum espelho num luxuoso hotel.

Prestem atenção aos horários em que come ou dorme: não respeitam ritmos habituais?

- Observem-na ao almoço: come muitas vezes em pé, mas não vê a hora de sentar-se?

- Verifiquem na geleira: colocou uns copos plásticos ao lado de garrafas de água?

- Questionem-na onde comprou uma peça de roupa que traz vestido: deveriam apanhar um avião para tê-la também vocês?

- Não pode renunciar àquele par de jeans de cintura baixa vistos em Londres na Oxford Stret, conhece as datas dos saldos da Gap em New York, adquire roupas de marca Gucci nos outlet de Miami, as carteiras de Luis Vuitton nos saldos em Tokio, o palmito para a salada na Argentina, o suco de açaì, o pan de queso e a tapioca em Brasil?

- Consegue adquirir vestuario actual nos convenientes saldos da época nos lugares onde as estaçoes estão invertidas em relação as suas?

- Faz os retoques apenas no seu cabeleireiro preferido em San Paolo ou em alternativa em Milão?

- Tem a impressão que os cremes de Tel Aviv e os shampoo orgânicos adquiridos em Toronto são os melhores?

- Observem-na com atenção: tira ou mal puxa os sapatos com a biqueira apenas lhe é possível? (espreitem por baixo da mesa ou no carro)

- Reparem dentro do armário para sapatos: estão presentes muitos decotes da mesma cor?

- Fala com excessiva desenvoltura de lugares para ti alcançáveis só com a fantasia ou dos quais bastaria uma vida para visitá-los todos?

- Questionem-na qual seja o lugar mais interessante e atraente de todos os lugares que tenha por acaso visitado: o sofá de casa é o primeiro na classificaçao?

- Peçam comentários sobre notícias da actualidade seja culturais como politicas, mas sobretudo escandalosas: tem sempre uma última inedeta actualização?

- Verifiquem o conteúdo da sua carteira pessoal: se podem encontrar os objectos mais variados para cada eventualidade? (lima, livro, maquilhagem, pequena lanterna, sombrinha, navegador, maquina fotográfica, pc portátil, meias de reserva, escova de dentes).

- Tem uma infinidade de números telefónicos e contactos de colegas e desconhecidos, mas não consegue recordar o lugar, ano e modalidade em que se conheceram ou frequentados?

- Toda vez que sente o cheiro de fumo, controla a proveniência e prontifica-se para procurar o extintor mais próximo?

- Reconhece à primeira vista qualquer tipologia de caracter e social de cada pessoa, conseguindo relacionar-se com cada um, a partir do mais jovem até ao mais velho?

- Não se perde de alma se deve socorrer alguém em dificuldades?

- Sabe socializar-se brilhantemente em todas as ocasiões, mesmo amando os momentos de solidão?

- Não experimenta tão-pouco um pingo daquele inesperado ataque no estômago que vos atinge mal o avião inicia a sua descolagem?

- Bisbilhotem no quarto: tem sempre uma mala ao alcance da mão à espera duma partida inesperada, consegue fazer entrar tudo, o necessário que poderia ser útil por mais de uma semana em pouco espaço, e não se confunde se tem apenas uma hora de tempo de pre-aviso para fazer uma viagem repentina a partir de Roma até Santiago do Chile?

Se todas as respostas fossem afirmativas não tenham dúvidas: trata-se duma mulher com asas.

Bom voo


Como estavamos.



Volto para a minha terra, na sicilia, pelo menos duas vezes por ano, para as festividades e durante o periodo do verão, turnos e férias permitindo.

Viajar no avião enfim é para mim normal, faz parte do meu trabalho. Ainda que passavam muitos anos, todas as vezes que chego, junto de um intenso cheiro da flor de laranjeira que espalham os pomares laranjais e o vento do sudeste proveniente de Africa, envolvem-me silenciosos mesmo as recordaçoes da minha infancia.

Hoje é uma quinta-feira de Julho: os trinta e seis graus estão na regra.

Durante o verão esta terra fica quente, luminosa e exposta ao sol: tudo parece mais lento e custa para manter um ritmo de vida dinâmico por causa desta temperatura que eu gosto, mesmo sendo as vezes intrometido.

Os raios solares espalham-se sobre todo o espaço livre da pele, penetram até aos ossos, muitas vezes me robustecem, e as vezes deixam-me relaxar até atordoar-me para depois adormecer.

A pausa do meio-dia, usual nesta região, interrompe a produtividade diurna. Escuto o som repetitivo e quase hipnótico das palas do ventilador, colocado em cima dum banco antigo; a sua brisa contrasta o ar quente e sufocante desta tarde de céu azul, desprovido de nuvens.

À noite a temperatura sofre uma ligeira descida, e os amáveis ventos suaves aliviam o clima de noite.

Estou hospedada na casa dos meus pais e cada detalhe sobre a qual os meus olhos debruçam-se faz ressurgir na minha mente cenários vividos e recordados enfim longínquos.

Antevejo uma saia interior de seda cor creme com delicados bordados de um tom ligeiramente mais claro, pendurada no guarda-vestidos estilo Luís XVI que a minha mãe escolheu há mais de quarenta anos para embelezar o seu quarto que desde então ficou sempre o mesmo, inalterado ao longo do tempo; eu dei-me conta, pelo contrário, de ser tão diferente desde quando me agachava debaixo dos cobertores daquela enorme cama para escutar as fábulas narradas por ela antes de ir à cama, e diferente mesmo desde quando, muitos anos depois, já adolescente, às escondidas conseguia experimentar os seus colares mais preciosos, espelhando-me naquela grande moldura dourada de um espelho, colocada no centro do quarto, enquanto dançava de forma espontânea e folgada sozinha, como uma descarada, assim teria dito o meu pai, se me tivesse visto.

Lembro de ter possuído, então, uma saia interior de uma cor idêntica àquela da minha mãe, eu gostava vesti-la pela sensação de ligeireza e frescura que me reconfortava durante os dias mais húmidos.

Na educação por mim recebida esta indumentária era permitido apenas em casa, e vestido tendo o cuidado de encostar as persianas, donde evitar indiscretos olhares externos, visto que a varanda apresentava-se sobre um grande pátio.

Induziram-me desde pequena para esconder-me, e para cobrir-me como deve ser, diante de qualquer pessoa.

Pouco a pouco vinham insinuadas gotas de castidade na minha alma, dia após dia.

«Cubra-te, cubra-te que alguém pode te ver!» chegava aos meus ouvidos se as vezes contemporizava no meu quarto vestindo, esquecendo de puxar as cortinas para fechá-las.

Ainda hoje, antes de despir as roupas, verifico que tudo esteja fechado e que ninguém possa ver-me, mas isto não o confessei por acaso nem para a Valentina, uma minha querida colega que com a qual durante anos partilho um apartamento, perto do aeroporto, na cidade onde actualmente resido: Roma.

Desde criança obedecia com escrupulosa atenção as regras, para evitar de sujeitar-me aos castigos, excessivamente severos muitas vezes.

Havia uma austeridade de ideias e hábitos transmitida de geração em geração. A minha tia Carmela, apelidada por Lina, contava que a primeira vez que ousou dizer um palavrão foi convidada a abrir a boca e tirar para fora a língua.

«Que estranha brincadeira!» pensou.

A sua mãe, a minha avó Giuseppina, pegou um dos ganchos que recolhiam os seus cabelos compridos, e com ele espetou a sua língua.

Vistas as consequências, poucas entre filhas e netas da minha família dizem palavrões, não obstante, nos momentos oportunos, lhes ocorre.

Estou aqui em Catania de férias por uma semana e encontro de novo os antigos sabores, cheiros, sensações.

Acolhe-me o solar sorriso da minha mãe, que se contem ao abraçar-me forte como queria, talvez por medo de esmagar-me.

Acaricia repetidamente os meus cabelos pretos como a pez iguais aos seus, compridos até mais abaixo dos ombros, deixados soltos para libertá-los das constrições das ataduras impostas pelas regras do meu trabalho.

A pele da mamã é branca e delicada, mórbida como a areia, e cheira como pétalas de rosa, misturados a citrinos.

Sempre lhe pareço bastante magra – mesmo estando, do meu ponto de vista, pesada mais ou menos por aí um ou dois quilos, relativamente ao meu utópico peso ideal – por conseguinte convida-me para consumir aquilo que abundantemente coloca no meu prato.

Hoje preparou para mim, a sua Annuzza, os meus pratos preferidos: linguine (tipo de massa) a preto de sépia e peixe-espada no cartucho.

Ela não se farta por acaso de me olhar e acarinhar-me, eufórica e emocionada ao único pensamento de ver-me de novo.

Também as minhas tias e primas demonstraram o seu afecto com todo o gesto todas as vezes que me viam, querendo ouvir tudo sobre as minhas viagens e sobre o meu trabalho.

Eu sou, no imaginário delas, uma parte do mundo delas que foi para um outro: aquele mundo feito de sonhos diante de uma revista, atraente todavia descrito como perigosa, tentacular, capaz de impelir-te irreversivelmente. Eu sou a prova viva de que o mundo sim, muda-te, mas permanecendo tu mesma, porque aquilo vai depender apenas de como és feito por dentro. E elas são, para mim, a parte mais importante daquilo que aprendi durante todas estas viagens: que podes ir longe só se tens um lugar interior donde partiste, e onde regressar. Aprendi que poderás estar em toda a parte, mas na verdade ficarás sempre onde estão as tuas raízes emotivas.

Ficaram maravilhadas pelas fotos que tirei em New York e gostariam de partir comigo para visitar a Grande Maçã. Desejariam também que as levasse para Hong Kong para dar uma volta de passeio ao Starley Market e ao Lady´s Market, os mercados nocturnos dos quais falei para elas muitas vezes e com entusiasmo, ou passar da Casablanca onde existia a Medina com as suas cores e as suas especiarias, onde a hortelã para o chá tem um sabor mais forte e um cheiro mais persistente da nossa hortelã local, e saborear aquelas tâmaras excepcionais que lhes tinha oferecido regressado dum voo. Ou passear comigo nas ruelas fervilhantes de shanghai, mergulhados naquela enchente variegada e aquelas mil cores que tento descrever, e não consigo por ventura como gostaria.

Elas têm um grande sentimento de hospitalidade, uma arte natural de acolhimento transmitida no decurso de séculos, e me saúdam sempre com o habitual beliscão nas bochechas, atirando não próprio delicadamente de ambas as partes, e com um abraço seguido pela mesma frase desde quando era criança: Annuzza bedda, sangu mil!, Zzuceberu mil!

O meu pai, mesmo estando feliz vendo-me de novo, fica sempre muito silencioso, pouco comunicativo e extremamente reservado.

Temos a mesma cor dos olhos, azul celeste, mas nos seus uma ligeira tonalidade violácea faz transparecer constantemente reflexos que as vezes me entristecem.

Ele é frequentemente inclinado a fazer previsões desfavoráveis, impregnadas de ânsia e preocupação, como a minha melhor amiga Stefania, também ela siciliana.

É um homem muito instruído, gosta de estudar e está sempre informado sobre todos os acontecimentos sociopolíticos actuais.

Discreto nos modos e formal no seu comportamento, fica durante horas fechado no seu escritório, mas na hora do almoço e do jantar junta-se a nós e todos juntos à mesa.

O que os meus pais, parentes e a sociedade onde vivi ensinaram-me é a grande importância da família, o respeito das regras e, em particular, o vínculo inviolável do casamento: um valor para defender sempre, a todos os custos, frequentemente com enormes sacrifícios.

Uma união para salvaguardar de todas as formas, mesmo na presença de problemas, que terão de ser superados ou combatidos, as vezes até ignorados.

Esta ligação indissolúvel tem um carácter sagrado absoluto que apenas a morte pode desatar.

Até que a morte nos separe.

Uma promessa que não pode ser mais negligenciada, a partir do momento em que é estipulada.

Uma tarefa rigorosa e constante, oportuno para conservar firmemente as raízes da família.

Não são somente o sentimento de afecto, a cerimónia oficial, o profundo dever que te é incutido com a educação desde criança, a ligar a relação matrimonial, mesmo o juízo premente da sociedade onde vives te induz e trabalha assiduamente até que se mantenha integra a ligação familiar.

No casal, a figura feminina tem um papel muito importante: a lealdade, para com o esposo e os filhos, é absoluta.

O homem dedica-se conduzindo melhor o papel de chefe da família, tem a obrigação de tomar o seu cargo de tutela e de suporte da mesma.

Lealdade e obrigações, amor e respeito.

Não importa se não for notáveis as duas últimas rubricas, entendidas que possam enfraquecer-se.

O casamento é algo sobre o qual contar durante toda a vida, os filhos são o bastão da velhice, o fim não é permitido, ou apenas uma coisa de loucos, algo que vai fora da ordem pré-estabelecida, que é preciso evitar, encontrando qualquer remédio: no ritual do casamento a declaração da fidelidade é uma promessa que se honra, na sua forma absoluta.

Estas são as normas que me foram incutidas desde criança. Sobre o meu destino estava certa, teria respeitado estes ensinamentos.

Tive uma educação muito rígida, feita de atitudes autoritários, ordens, obrigações e punições sem ter a possibilidade de replicar ou de pedir esclarecimentos, chegando, enfim na adolescência, para ter serias dúvidas e confusões no que fosse realmente justo ou precisamente errado.

As rígidas regras seguiam as directivas da educação que foi transmitido ao meu pai nos anos 40, sem se aperceber das profundas transformações sucedidas e dos movimentos dos anos 68, aos quais presenciei apenas com o meu nascimento.

Mesmo assim, a revolução social dos anos 70 parecia não alcançar minimamente a nossa realidade, nessa altura.

Tudo era preto ou branco, justo ou errado, concedido ou proibido e não existiam cores matizados, renuncias, meios-termos.

Os modelos e o estilo de vida acompanhados eram antiquados e ultrapassados, a meu ver.

Para mim o branco e o preto eram apenas os extremos de uma múltipla variedade de cores, contudo os ensinamentos deviam ser seguidos, sem réplicas e oposições.

A partir da orientação escolar e até às amizades, aos horários, aos lugares por frequentar, ao vestuário, ao desporto, todas as decisões seguiam pareceres, tendências e gostos não meus e nem sequer iguais às minhas inclinações: apenas àquelas do meu pai.

Ele deliberava as pessoas que podia frequentar, depois de uma cuidada selecção antecipada por uma conversa de apresentação inicial, cujos pré-escolhidos deviam sujeitar-se.

Questionei-me muitas vezes qual fosse o meu caminho, o que fosse realmente importante, quais os meus reais desejos e objectivos, e frequentemente as minhas respostas eram totalmente diferentes daquelas impostas pelos meus pais, que certamente agiam para o bem e para uma melhor formação da minha pessoa, espelhando somente sonhos: deles.

Seguia diligentemente as direcções sugeridas e frequentemente me encontrava ocupada a recitar um papel que certamente agradava aos outros, mas não a mim, e sentir nascer e desenvolver-se desejos que não representavam o papel que interpretava, e que não poderia desvendar, porque sabia que seriam mal suportadas: estava maravilhada pela liberdade e pela independência, pelas viagens e pelos lugares longínquos.

Quase sempre tentei de fechar com a chave estes desejos e sonhos, como um caixote, com um grande cadeado, dentro de mim, dentro da minha mente, dentro do meu coração que batia forte por aquelas atracões que são consideradas bastante desinibidas e inconvenientes.

Os meus sonhos de viajar, querer viver no exterior, afastar-me da família para ir viver sozinha, eram com frequência sufocados e desta forma os tinha bem aprisionados e escondidos: no interior daquele caixote não conseguia perceber grito nem dor causado pelo desgosto daquela renúncia.

Estava orgulhosa por ter encontrado para eles um lugar seguro e, permanecendo naquele lugar tão obscuro, não tinha a possibilidade de tomar conhecimento de forma consciente.

Não desejava que as minhas verdadeiras paixões saíssem ao ar livre, a não queria que tão-pouco existissem, na medida em que teriam arranjado apenas problemas, se por acaso tivessem sido tornados notáveis: não apenas teriam gorado as expectativas, mas, de todas as formas, não teriam tido vida fácil e teriam sido decepados ao nascer.

O meu pai, advogado, estava certo que teria seguido as suas pegadas.

Vivi assim grande parte da minha adolescência sem grandes sofrimentos, e brilhantemente superava os problemas graças ao meu subtil procedimento secreto, isto é sufocando e escondendo os meus reais desejos e procurando satisfazer os outros.

Um dia, porém, uma das tantas gavetas ficou um pouco demasiado cheio e, para maior segurança e não sem esforço, experimentei colocar um outro cadeado.

De forma inesperada rebentou, abriu-se, ouvi gritos, choros, soluços como se fossem de uma criança, pedindo ajuda, suplicasse para sair, para ser ela mesma.

Tranquei ainda uma vez com força, aquela gaveta.

Mas aqueles sons e aquelas imagens tentavam sair e libertar-se.

Eram insuportáveis.

O meu coração batia cada vez mais forte para sobrepor-se em tudo e incapacitar-me para esquecer.

Era uma gaveta, apenas uma!

Tinha apinhado desta forma muitos sonhos, pensando assim de poder ser uma mulher serena e feliz.

Deveria preocupar-me?

O que teria acontecido se tivesse aberto escancaradamente também uma outra vez, e depois talvez uma outra ainda?

A coisa aterrorizava-me, mas não posso não reconhecer que começou a seduzir-me cada vez mais.

Questionei-me, um dia, quem eu era realmente.

Questionei-me onde é que estivesse a ir e quem tivesse escolhido o meu caminho.

O que descobriria ao abrir aquelas gavetas?

Conseguiria reanimar a minha verdadeira essência reduzida à agonia pelos condicionalismos externos?

Nunca estaria em condições de superar as minhas fraquezas e de encarar os meus medos?

Sou uma pessoa optimista, amo a vida; sou social e julgo importantes como fundamentais as amizades.

Entre mulheres, infelizmente, não é insólito instaurar-se de maçadores como inúteis sentimentos de inveja e de ciúme, por isso, chegar à especial solidariedade e à cumplicidade que tende realmente unidas torna-se extremamente raro.

Não é fácil encontrar uma verdadeira amiga, mas quando se tem esta sorte desaparecem orgulho e competição e nasce o respeito total, cresce a confiança cega e a lealdade.

A união torna-se indissolúvel, a amizade torna-se um bem por salvaguardar de improváveis como raros e excepcionais acontecimentos negativos que teriam a força de enfraquecê-la, mas que normalmente nada podem contra o agradável bem-estar que experimente estando unidos, confiando-se segredos mais íntimos, partilhando as risadas, as experiencias da vida, as emoções, mesmo criticando-se mutuamente e encontrar soluções comuns: o objectivo principal é a união e a força do casal.

Conheço uma pessoa especial que espelha estas características. Stefania não é apenas uma amiga, as vezes assume-se como mãe que espalha conselhos, as vezes é a filha a quem dispensar o meu amor; pode parecer estranho, mas vê-la interpretar o papel de namorada ciumenta não é improvável, sobretudo se a ignoro um pouco, mas ela permanece um ombro sobre o qual encostar, uma palavra de conforto, o respeito do meu silêncio, a compreensão das minhas fraquezas, mas também um doce peso por suportar.

Stefania tem um físico atlético, é muito alta, alguns centímetros a mais que eu.

Os seus cabelos são castanhos e luzentes, com umas tonalidades tendentes ao vermelho carregado semelhantes àqueles da madeira de amaranto, muitas vezes colhidos numa trança que se move sinuosa nas suas costas. Veste-se habitualmente de forma casual, tem a predilecção pela prática no que veste; eu, pelo contrário, prefiro usar roupas mais femininas, a seu ver vaidosas e antiquados.

A sua exuberante sinceridade combinada com uma natural fraqueza conflui, as vezes, cruéis juízos.

Não obstante uma estrada de centenas de quilómetros agora nos separa, sei sempre de poder contar com ela, e vice-versa.

Nos suportamos, nos criticamos obstinadamente, nos proferimos opiniões, nos elogiamos e nos mandamos passear… sempre com grande afecto, e é difícil, uma viver sem a outra.

A segurança recíproca torna especial esta verdadeira amizade, um ingrediente que normalmente escapa nas relações amorosas.

Nos une uma grande paixão: partir lá para metas distantes.

Sempre adorei viajar, me dá um sentimento de felicidade.

Quando me distancio de tudo e de todos encontrando-me em dimensões e fusos diferentes é como se conseguisse avaliar o resto por fora: de longe, com efectivo destaque seja físico como mental.

Tiziano Terziani escreveu: a nossa destinação não é por acaso um lugar, mas um novo modo de ver as coisas: e é desta forma também para mim, ou melhor para nós os dois.

Viajando consigo reparar melhor dentro de mim, para ver com clareza quem sou, e para eu poder melhorar.

É como se o mundo com todos os seus problemas se distanciasse, mudasse de horizonte, e eu readquiro as minhas forças, as minhas energias.

Afastando-me da realidade rotineira, uma carga de adrenalina reforça-me tanto assim para me dar vitalidade e positividade enormes, ajudando-me a encontrar as respostas certas.

Viajar é uma invasão de mundos que não são os meus, é sempre uma satisfação que me proporciona um emocionante sentimento de liberdade, e me ajuda a descobrir de novo parte da minha autonomia.

Há algum tempo realizei aquele grande desejo que tinha desde criança: tornei-me uma hospedeira de voo.

Passaram anos, mas me lembro como se fosse ontem o momento em que decidi mudar a minha vida. Aquele dia está impresso na minha memória. Estava com Stefania.


Gostaria de ser hospedeira



«Basta, estou farto! Mário tornou-se insuportável, chegou a rastrear-me até quando tomo café com as minhas amigas, não quer que vá no ginásio e me proíbe mesmo só de saudar o meu ex!

Quero pensar mais em mim e me tornar independente.

Por que não criamos algo nosso e abrimos uma actividade juntos?»

«Tu o que prevês para o futuro, Anna? O que gostaria de fazer como profissão?»

Disse-me assim Stefania, no habitual encontro matutino para um café no Bar della Finanza, em frente de casa, desapontada pela sua perspectiva de futura dona de casa, muito desejado pelo namorado muito ciumento mais do que ela.

Nunca colocaram seriamente aquele tipo de pergunta, nem tinha feito exactos projectos profissionais futuros.

Depois de ter frequentado o liceu secção de letras e ter-me inscrito na universidade na faculdade de direito, visto que as disciplinas científicas não eram as minhas preferidas, procurei um trabalho como secretaria para poder suportar os estudos e procurar satisfazer algum pequeno capricho.

Então acordava todas as manhãs à mesma hora e, depois dum rapidíssimo pequeno-almoço, introduzia-me no caótico tráfego da cidade enfrentando os três quartos de hora da interminável fila em frente dos semáforos, e as barulhentas filas de automóveis nos cruzamentos que procuravam ultrapassar-me por toda a parte para conseguir poupar um punhado de minutos, necessários para chegar em boa hora no escritório.

Todos os dias na avenida Barriera del Bosco, onde estava no engarrafamento no habitual ponto quente crucial, no semáforo, durante mais ou menos uma quinzena de minutos, eu encontrava com frequência um homem barbudo sentado numa pequena elevação de terra, forjada com as suas mãos.

Agachado em baixo da sombra de uma árvore, observava aquele interminável vaivém, sempre igual todos os dias.

O olhar deste indivíduo era dum ar sereno, e espiava uma realidade distante da sua: todos aqueles homens, mulheres e crianças que passavam aprisionados dentro dos seus automóveis.

Ele era suficientemente discreto, como se não quisesse deixar notar-se que estava ali a repará-los atentamente, maravilhando-se ao encontrar todas as manhãs as mesmas faces nervosas e exaustas, os mesmos automóveis engarrafados um atrás de outro com engates sempre diferentes, e todas aquelas buzinas que tocavam para protestar: creio que se questionasse como era difícil para estes homens encontrar a tal tranquilidade que ele parecia ter alcançado.

As suas pupilas moviam-se atentas e dirigiam olhares quase de benevolência e indulgencia para aqueles tantos motoristas que, por sua vez, perscrutavam com compaixão e desprezo a ele e os seus trapos depositados no prado, sempre húmido.

Todas as manhãs questionava-me quem dos dois estivesse realmente louco, eu, nervosa motorista ou ele.

Pensei durante toda a noite na questão que me colocou Stefania relativamente ao meu futuro.

A resposta chegou ao final da tarde, na hora de costume regressando do trabalho, dentro do meu carrinho, depois de ter evitado um embate frontal com um imbecil que me tinha cortado a prioridade, no fim de uma interminável jornada laboral a debater-se com um gerente amante de injurias mas também safado, com colegas que teria com todo o gosto evitado de encontrar: falsos e prevaricadores.

Saindo do escritório, abandonei aquele parque de estacionamento muito procurado durante a manhã, conseguido depois de ter brigado duma forma suficientemente violento com um outro mal-educado convencido de ter visto o espaço antes de mim, que me ordenava brutalmente de ir embora obstruindo a minha entrada.

Naquela tarde verifiquei apenas uma pequena arranhadura na carroçaria e o limpa-pára-brisas posterior girava de forma injusta.

Todos os dias, chegado em casa cansada, arrumava de novo e preparava o jantar apressadamente por via daquela fome ávida que conseguia enganar provisoriamente tirando da geladeira restos frios do dia anterior e bocados de queijo amarelecidos, pois que mal repostos nas confecções de plástico permanecido abertas.

«Gostaria de voar!» Gritei de repente.

«Sim! Achei! Gostaria de voar!»

Aquilo que me seduzia absolutamente era evitar a mesma rotina quotidiana, o trânsito da cidade, ver sempre as mesmas caras e os mesmos lugares. Teria amado estreitar relações com pessoas todas as vezes diferentes, mudar os meus espaços, alargar as minhas ideias, ter a possibilidade de girar o mundo de deliciar-me de receitas da cozinha internacional.

Pensei nisto mastigando uma bolacha agua e sal e a ultima azeitona que sobrou.

O meu sonho era aquele de voar, queria ser hospedeira de bordo.

Liguei logo para Stefania.

Stefania ficou entusiasmada pela ideia e me anunciou que queria segui-la também ela, a sua única preocupação era aquela de enfrentar o namorado.

Tempo depois, com os olhos que brilhavam e com a pagina rasgada duma revista na mão, vimo-nos a ler atentamente e cheias de entusiasmo aquelas indicações sobre:

Como tornar-se assistente de bordo.

Assistente de bordo é sinónimo de amabilidade e empenho, estilo e cordialidade. Acentuadas capacidades organizativas, tenacidade, resistência à fadiga, e acima de tudo paixão de trabalhar para os outros mas também de confrontar-se com as culturas e os países diferentes são dotes necessários para encarar melhor o trabalho.

Na selecção procura-se consistência, pré-disposição para antecipar e resolver problemas, capacidade relacional, responsabilidade, auto controlo, estabilidade emotiva, abertura mental e disponibilidade às novidades.

Características:

Idade compreendida entre os 18 e os 32 anos.

Estatura mínima: 164 centímetros para as mulheres, 172 centímetros para os homens.

Título de estudo: diploma da escola média superior/ensino secundário.

Línguas: italiano e inglês com óptimo nível, preferível o conhecimento de uma terceira língua.

Boas capacidades atléticas e natatórias.

Ausência de tatuagens visíveis.

Tudo coincidia com as nossas características e aspirações.

Podíamos tentar, podíamos conseguir.

«Mandamos o mais rápido possível um pedido de admissão à companhia aérea com os nossos currículos» disse.

Dito e feito.

Stefania preencheu os módulos de participação, mesmo recebendo veladas ameaças do namorado, e juntos, enviamos tudo acompanhado com fotos preparadas com diligência e atenção.

Eu não disse nada aos meus pais que, estava certa, não teriam aprovado nem acolhido esta minha ideia.

«Vai tira, tira agora!»

Tínhamos escolhido com cuidado as nossas roupas: o look é importante nestes casos, o business-dress era ideal.

«Fecha a blusa, por favor.»

«Não, vira um pouco o rosto para a direita e mantenha os braços ligeiramente dobrados com as mãos atrás das costas.»

Despidas as calças ganga rasgadas, a camisola vintage escolhida no pequeno mercado de Aci Trezza na sexta-feira durante o festival da laranjinha, e as Superga em algodão vermelho brilhante, vestimos uma horrenda fatiota azul usado na ocasião do casamento de Agata, uma distante parente, e enfim esquecida no guarda-vestidos durante anos; uma linda camisa branca, meias veladas de tonalidade natural e decotado em tinta com o fato completava a obra.

Recolhemos os cabelos e os fixamos com laca e elásticos pretos maquilhagem ligeira, um deslumbrante falso sorriso e por aí adiante:

«Força com o disparo.»

«Perfeitas!»

Mais ou menos depois de um mês recebemos as cartas com os convites para participar nas primeiras selecções.

As minhas pernas tremeram ao abrir aquele envelope, Stefania por pouco não desmaiava.

Desfrutamos alguns dias para participar num curso intensivo para refrescar o nosso inglês muito mais empoeirado.

Fui determinada para convencer os meus pais pelo menos para participar às selecções, a minha obstinação teve êxito sobre a deles; não conseguiram impedir-me e esperaram, como o namorado de Stefania, que eu não conseguisse superar os exames.

Apanhamos um avião para poder alcançar Roma, a cidade designada para aquele nosso importante encontro.

Stefania teve que comprar um vestido adequado para a ocasião. Escolheu uma fatiota preta, bem apertada mas um pouco rígida visto que não lhe oferecia natureza e conforto nos movimentos, eu consertei como deve ser o meu.

No avião não era a primeira vez que reparava com devota admiração aquelas mulheres uniformizadas que passeavam na cabina com grande desenvoltura e profissionalismo, aquela vez senti uma benévola inveja.

Imediatamente após a descolagem, olhei pela janelinha do avião.

Vi encolher os mesmos automóveis sempre em fila que via todas as manhãs a caminho do serviço e apertei fortemente a mão de Stefania.

Superamos sem esforço, quase todas as selecções, que se desenrolaram durante dias, pressionadas pela carga, coragem e entusiasmo inimagináveis, abatendo a nossa timidez e mostrando, mesmo para nós, uma invulgar disponibilidade para com a liderança.

O teste com o psicólogo foi, para Stefy, o mais duro.

Eu fui a primeira a entrar numa sala luminosa onde encontrei um homem que teve a tarefa do último examinador, antes da cuidada visita medica final.

Foi para mim, uma agradável e relaxante conversa, mas verifiquei que o homem procurava de pôr-me em embaraço, enquanto eu procurava não ceder às suas intenções.

Estava feliz.

Inesperadamente e depois de uma breve entrevista inicial de apresentação, ele sustentou que não acreditava que eu fosse aquela pessoa positiva, correcta e social na qual eu tinha-me descrito, respondi-lhe que isso me desapontava, mas que não me preocupava e que o seu juízo, talvez, resultou através da nossa apressada apresentação.

Fui convidada para participar ao teste sucessivo.

Saindo pisquei o olho para Stefy.

«Nada a temer, vai tranquila» lhe disse.

Stefania entrou logo a seguir.

Passaram poucos minutos e a vi sair com a cara escura.

«Que se lixe, mas quem pensa de ser este mal-educado?»

«Stefania, diga-me, o que aconteceu?»

«Não percebo quem seja este homem, mas certamente não gostaria mais por ventura lidar com um tipo como ele!»

«Afirmou que os meus cabelos estão desarrumados e a minha roupa inadequada!»

«Cabelos desarrumados? Roupa inadequada?»

«Que mal-educado!»

«Como é que se atreve?»

«Fez perguntas absolutamente inoportunas, muito privadas, e eu lhe respondi que não era da sua conta! Depois me disse: mas quem pensas de ser? E eu, naquele momento, perturbada e com todas as fúrias, lhe respondi para cuidar melhor as suas palavras. Depois bati a porta na cara dele!»

Era a prova que testava o nosso grau de tolerância ao stress, com um trabalho de contínuo contacto com o publico esta é um dote necessário.

Inútil dizer que Stefania não foi convidada à prova sucessiva.

Voltou para casa chocada, questionando-se o que tivesse falhado. O seu namorado foi o único feliz pelo êxito negativo do teste, e os seus interrogatórios permaneceram para sempre sem uma resposta.

Começou para mim, pelo contrário, um curso que durou três meses onde fui instruída a extinguir o fogo, e de como comportar-se em casos de emergências.

Estudei, além disso, os aspectos técnicos de diferentes tipos de avião e a composição das tripulações, alguns sinais de medicina para a habilitação às tarefas de primeiros socorros e, depois de ter superado os exames de técnica, medicina e inglês junto da civilavia (entidade competente para a emissão das cartas de pilotos aviadores), eu estava pronta para subir no avião com a roupa que tinha tanto esperado de usar: aquela de hospedeira.

Durante o curso encontrei três raparigas e ficamos amigas:

Eva, Valentina e Ludovica.

Partilhamos durante aquele período o mesmo quarto do hotel e, depois de ter sido assumidas, decidimos de alugar uma casa em Fregene, localidade marítima situada perto do aeroporto de Roma Fiumicino, a nossa base de partida.

Começou desta forma a nossa aventura.


Eu, Eva, Valentina, Ludovica.



A casa tinha dois quartos, cada uma com uma cama casal, e a única casa de banho era frequentadíssimo: difícil conseguir encontrá-lo livre, assim como o telefone de casa.

Procuramos de adaptarmo-nos àquela situação e conseguimos conviver não sem pequenas divergências, procurando descer para qualquer mínimo compromisso, aquele mais difícil era decidir quando e quem tivesse que lavar os pratos sujos.

Eva tinha uns lindíssimos cabelos ruivos, ondulados e macios que caiam nos ombros, os seus olhos cor castanho claro pareciam verdes nos dias mais ensolarados, a sua fisionomia era franzina e esbelta; provinha de Bergamo alta, como dizia ela, e tinha um espírito de napolitana verídica, comunicativa e calorosa; amava a sua desordem, trazia sempre uma máscara para o rosto para experimentar e frequentemente girava pela casa com a sua preferida, aquela de argila ventilada de cor verde, e aplicava o óleo de amêndoas doces para amolecer os cabelos.

Ludovica não cessava por acaso de falar e não sabia em nenhuma ocasião como fazer para bloquear aquele rio totalmente cheio de palavras mal tivesse aberto a boca.

Ela era loira com uns lindíssimos caracóis, olhos dum azul intenso e uma pele lisa e clara, as suas formas eram amanteigadas e harmónicas; muito arrumada e cuidada – o oposto de Eva – trajava fatiotas de marcas e conservava as suas camisolas de lã, cada uma no saco plástico transparente; cozinhava muito bem.

Provinha da Sardenha, e namorava com um rapaz, seu conterrâneo, que muitas vezes parava na nossa casa, de vez em quando forçando a companheira do quarto, Eva, a dormir no sofá da sala.

Ludovica era fanática pela ondulação artificial dos cabelos.

Eu dormia no outro quarto com a Valentina que era uma rapariga cheia de vida e entusiasmo, muito sensível, honesta e generosa.

Os seus cabelos eram escuros e direitos, cortados à tigela, os olhos pretos, muito profundos e sensuais, a conformação física era magra e bem moldada.

Valentina gostava, à noite, ficar até tarde antes de ir à cama, melhor se na companhia do seu aperitivo aromático preferido: Montenegro com gelo. De manhã contemporizava na casa de banho porque as suas lentes de contacto lhe davam muita maçada.



Éramos muito chegados.

«Hoje fomos convidados à festa de bem-vindos em casa daqueles pilotos que vivem na rua Masotta, em frente da nossa casa!» exultou Eva.

«Por que não dar um salto?» disse.

«Sim» consentiu Valentina.

»Estou curiosa para conhecer melhor os nossos vizinhos.»

Ludovica foi logo para secar o cabelo, eu experimentei quase todos os vestidos que estavam dentro do guarda-vestidos e questionei-me se nunca teria conseguido fechar o zipe nos lados daquelas fantásticas calças azuis. Eva aplicou o seu novo óleo perfumado a lírio-do-vale e Valentina correu para maquilhar-se em primeiro lugar.

Felizes, efectuamos os primeiros passos em direcção daquele pequeno mundo em si, até então desconhecido: o reino dos voadores, diferente daquele dos únicos passageiros, como usa distinguir quem trabalha nos aviões.

O que notamos logo neles foi o conhecimento e a frequentação de lugares que nós tínhamos apenas sonhado de visitar e a felicidade extrema ao alcançá-los devido ao hábito de viajar; a capacidade de adaptar-se em qualquer parte do mundo dada ao conhecimento da população e dos territórios, da cultura e das tradições; elevado número de amizades em diversos lugares que podíamos manter na vida pois que constantemente frequentados; a abertura mental necessária para estar em contacto com o mundo e os seus habitantes, a capacidade de entrar imediatamente em empatia com estranhos mal conhecidos sem os usuais embaraços iniciais, para além de tantas manias e fixações que cada um levava consigo da própria residência dentro da mala, a sua pequena segunda casa.

Uma vez que se tornarão voadoras, o serão por toda a vida, nos disse em voz baixa, como se fosse uma verdade ocultada, uma marca que levaríamos para sempre. Percebemos que começar a voar teria sido como viver duas vidas paralelas que se alternam todas as vezes que se parte para o trabalho e mal se regressa na única realidade privada, teria sido como falar uma nova língua, incompreensível aos outros, onde o mundo é a tua casa, e a casa é o teu mundo.

Descobrimos que quase todas as noites organizava-se alguma coisa.

Éramos uma espécie de grande família que se reunia entre aqueles que regressavam dos voos e repousam entre um turno e o outro, mas se o dia seguinte precisava partir nos prometia de novo, todas as vezes, de ir a cama cedo e de não exceder com a comida e bebidas, para evitar nojentas dores de cabeça e náuseas matutinas que, a bordo, seriam duplicadas com a altitude e o ar condicionado.

Durante o trabalho era preciso ser impecável, os voos e os passageiros por enfrentar teriam sido uma dura prova, sabíamos bem.

Depois de ter assinado o contracto de admissão na ampla sala de um majestoso prédio e, com uma grande surpresa, designada o destinatário da polícia de segurança em caso de morte, com forte emoção constatamos que mesmo nós íamos nos tornar logo aves voadoras.


O primeiro voo



O primeiro voo é para todos, inesquecível.

Atribuíram-me uma rotação para Paris, estava emocionadíssima, embaraçada ao entrar primeiramente naquele avião, todo vazio, pronto para acolher a nossa tripulação antes dos passageiros.

Fiquei a conhecer finalmente os segredos do galley, que seria uma espécie de cozinha a bordo, onde se encontram os fornos para aquecer as refeições, frigoríficos para manter as bebidas frescas, todos os carrinhos com a comida, a zona destinada para conter os resíduos, e as dotações necessárias para o andamento do voo. Nesta área é preparado todo o serviço antes do seu inicio e, para as hospedeiras, é o lugar mais confidencial e íntimo, o único lugar suficientemente reservado que concede poucos minutos de separação com os passageiros, graças à uma cortina que oferece preciosos momentos de privacidade sobretudo nos voos excessivamente longos. Revelações e confidências efectuadas em voz baixinha são com frequência narradas e desvendadas aqui, no baú dos segredos das hospedeiras.

Verifiquei, junto da tripulação, que tudo tivesse sido limpo de forma cuidada, que o catering tivesse abastecido como deve ser todos os carrinhos, os fornos e o frigorífico, que os equipamentos e as luzes de emergência estivessem eficientes e em ordem.

Eu era o oposto das minhas colegas, tão desinibidas e seguras nos movimentos, já antigas da companhia, diz-se assim.

Durante o curso tínhamos tomado conhecimento de todas as portas, os carrinhos, e as gavetas apinhadas no interior de um avião: eram uma infinidade, completamente repletas de material necessário para o bom desempenho do voo.

Resolvi abri-las todas para observar o que tivessem dentro e memorizá-las para um mais rápido uso.

Fechei-as, e esqueci a posição e o conteúdo de cada uma, eram muitas, todas iguais por fora.

O fiz uma dezena de vezes. Muitas vezes a sorte me acompanhou a adivinhar o compartimento daquilo que procurava, com frequência rendi à não descoberta de chávenas plásticas depois dum parcial êxito sobre as saquetas de café e do leite em pó. As pequenas máscaras para os olhos, que creio que mudassem de lugar em cada voo, quase como um jogo de prestígio: depois de tê-las visto numa gaveta, parecia, que as encontrava numa outra.

Reparava à minha saia que cobria apenas o joelho, as meias lisas e veladas de cor carne até então nunca usadas e os sapatos modelo decotado clássico de pele, da mesma tonalidade que a bolsa, com salto de feitio clássico, uma camisa bem engomada, lenço do pescoço, casaca acompanhado por insígnia e crachá de identificação pessoal obrigatória.

Estavam no meu corpo, agora.

Vesti pela primeira vez aquele uniforme, da forma mais cuidada que pudesse, sobre aquele crachá estava gravado o meu nome, isto era uma grande honra, e a levava comigo com grande orgulho, entusiasmo, quase com solenidade: era o inicio de um magnifico sonho.

Quisera tirar uma outra fotografia e mandá-la para a minha Stefania; o sorriso aparecido na foto e colocado na minha cara desta vez teria sido sincero relativamente àquela das nossas tiragens fotográficas feitas para participar à selecção, lhe teria escrito que sentia a falta dela e que quisera que estivesse comigo.

Naquele momento o embaraço e a emoção do primeiro voo ofereciam-me uma extrema rigidez.

A cor da casaca do uniforme era muito semelhante àquela do encosto das poltronas, e eu identificava-me mais àquela que a uma hospedeira de bordo verdadeira.

Felizmente virei-me bem, creio eu, que ninguém apercebeu-se da minha apreensão durante todo o voo.

Talvez se verificou durante a minha primeira demonstração do briefing, para visualizar os equipamentos de segurança e as várias saídas do avião.

Todos os olhos estavam dirigidos para comigo e estava desprevenido para enfrentar de forma desenvolta aqueles inúmeros olhares que me fixavam na minha totalidade.

Senti um rubor nas minhas bochechas e as mãos começaram a tremer, um pouco a suar, quando mostrei como engatar a cintura.

Nunca tinha tido problemas ao enfiar a fivela metálica dentro da fissura, mas naquelas circunstâncias tornava-se difícil fazê-lo, tentei de bloquear aquele tremor contínuo dos dedos que me impedia de localizar o justo acesso.

Gotejante de invisíveis gotas de suor, consegui terminar aquela estranha demonstração, como uma dança executada pelo movimento das minhas mãos.

Sentia-me como actriz de um filme mudo, com muito público, que seguia o texto lindo e difundido pelos altifalantes do avião, e eu que enfatizava com os gestos as indicações dadas.

Durante os anúncios de bem-vindos, foi estranho e pouco habitual ouvir a minha voz árdua em todo avião e só depois de vários voos consegui modulá-lo sempre melhor, tentando evitar cuidadosamente cada minha metafonia dialectal, sobretudo aquela péssima vogal o por pronunciar, que de aberto devia assumir uma fonética estreita e fechada, e que frequentemente devia repetir:

«Boom dia e Bem-vindos a boordo.»

«Bem-vindos em Rooma.»

Dei-me conta que apertando as bochechas, entreabrindo a boca e a mandíbula, contraindo os lábios e debruçando-as para fora, e evitando a passagem do ar a partir das fossas nasais, conseguia muito bem reduzir tal som.

Boom dia, boordo e Rooma ficaram finalmente: Bom dia, bordo, Roma.

Depois dum percurso nacional Roma - Bolonha e uma sucessiva internacional Bolonha - Paris, eu cheguei ao destino final, ainda que aquela maldita o era Omnipresente.

Despedi todos os passageiros, um autocarro estacionado ao lado levou-me e a minha tripulação para o hotel em Paris e, como habitualmente acontecia, depois de ter retirado a chave do quarto, marcamos um encontro para irmos todos jantar juntos.

«Nos vemos as 20:00, sem compromisso.

Assim disseram-me os colegas antes de ir ao quarto para trocar de roupa.

Aprendi à minha custa, que é importante ser pontual.

Estava contente de estar em boa companhia e poder ser guiada por eles que conheciam bem a zona.

Teríamos jantado no famoso restaurante La Couple, no Buolevard Montparnasse, conceituado pelo entrecosto e o bom vinho tinto.

Teria saboreado as ostras com o aperitivo, e teria feito muitas fotos, muitíssimas fotos para recordar a ocasião, as teria mostrado a Stefania, à mamã, ao papá, às primas, teria sido para eles a princesa jantando num famoso restaurante francês, na companhia de pessoas que viajam, que conhecem o mundo e residem em hotéis luxuosos, e eu estava ali, fazendo parte deste sonho que tornava-se realidade.

Pensei, pois, para não chegar perfeitamente a tempo ao encontro na recepção do hotel, pois que uma senhora deve sempre fazer-se esperar, pelo menos onde eu nasci.

Aprendi que não pode fazê-lo uma colega, porque aquele sem compromisso quer dizer: cinco minutos no máximo de atraso concedido.

Jantei sozinha na cervejaria do hotel, que servia apenas as sanduíches gratinadas: pedido o croque monsieur com presunto e uma soupe d’oignons, vulgarmente dito sopa de cebolas: tudo me parecia diferente e atraente, até as sandes e a sopa.

Pois não estava habituada a comer sozinha no restaurante e quase envergonhava-me, ocultei o meu embaraço com um livro de Hemingway, aberto ao lado do prato, e o celular na mão, as mesinhas eram típicos, pequenas e próximas uma da outra, estava ao meu lado uma senhora elegante com os cabelos recolhidos e vinha trajada de um fato de chanel.

No dia seguinte de manhã, depois de ter visitado a torre Eiffel, dado um passeio rapidíssimo no arco de triunfo e admiradas as resplandecentes vitrinas dos Champs Elyseès, jantei apressado no conceituado Relais de Venice em Porte Mallot in Rue Pereire, e não me privei de passar pelo estimado cabeleireiro Carita perito em retocar o look, que cortava os cabelos depois de ter estudado as feições e adequar o corte ao rosto.

Tinha sido aconselhado por uma admirável colega que de beauty care entendia para um corte dos cabelos estrepitoso, encontrada em trânsito no aeroporto.

Embora as vezes extremamente preciosos, nunca seguir cegamente os conselhos das colegas, aprendi também isto. Com uma franja horrenda, alguns centímetros em cima das minhas sobrancelhas, e a conta bancária a esgotar-se – sorte porque tinha o cartão de credito e que o champanhe e aquelas apetitosas torradas de salmão tinha sido oferecido pelo cabeleireiro – regressado no hotel certamente a tempo para enfiar-me no uniforme, tentar mascarar a franja com o gel e ganchos e tentar fechar de novo a mala que, sei lá por qual obscuro motivo, parece não ter por acaso, ao regresso, a mesma capacidade da ida, nenhum voo faz excepção.

Desta vez a falta de espaço era causada por aquele chapéu estilo antigo, com a banda larga circular plissada que, não obstante estivesse quase certa que nunca teria conseguido vestir, fez-me sonhar e que, por conseguinte, não resisti e comprei, depois de tê-lo visto na feira de velharias de Saint Queen.

Uma colega daquele voo de volta, me disse de ter estado durante a paragem, nos grandes centros comerciais Lafayette, e também numa loja na rue du Bac onde se pode encontrar desde o sofá de P. Starck em pilhas do bolso não mais embaraçante que um cartão do telefone, do shopping bag mais extravagante até o guarda-fato feito de cordas e botões. Tomadas as minhas primeiras anotações sobre as dicas das colegas, seguiram uma longa serie: teria ido espreitar ali eu também, a vez sucessiva.

Logo depois de ter aterrado, os colegas prepararam o happy landing em minha honra, um drink a de espumante e sumo de laranja para festejar junto a minha primeira vez.

Voltei para casa exultante, pronta para mostrar o meu novo chapéu a Eva, a única que, mais das outras, teria apreciado a aquisição e que mo teria certamente pedido emprestado… pelo menos teria sido usado.

Valentina dormia na cama, exausta pelo seu voo de longo raio e não estando habituada àquela repentina mudança do horário e da temperatura.

Em Buenos Aires é inverno enquanto aqui na Itália é verão, o fuso horário é de cinco horas. O seu corpo sentia que fosse noite, dado que despertara cerca de treze horas – aproximadamente a duração do voo – mas a luz do sol e aqueles raios tão prepotentes confirmaram a hora do almoço, coisa insólita, na medida que tinha há pouco consumido a bordo o seu jantar.

Na tal noite não teria conseguido dormir, infelizmente nem sequer eu, dado que partilhávamos o mesmo quarto.

A maquilhagem descolorida do rosto de Ludovica e os seus caracóis, como quisessem revoltar-se aos elásticos já exaustos pela longa duração, confirmaram que mesmo ela precisava de repouso, vistas as suas pernas inchadas como duas bolinhas por causa da pressurização do avião.

Não é uma novidade que o seu namorado não voador – com grande parte dos futuros maridos das hospedeiras que não vêem a amada durante dias – de manhã gostaria de fazer um bom passeio nos arredores da Civita de Bagnoregio, ou então consideraria a hora da tarde livre para um passeio na cidade e, grande ideia, um pequeno filme depois do jantar?

Inútil mesmo apenas tentar explicar a necessidade de um longo e necessário repouso para recuperar o sono perdido, qualquer que seja o horário estabeleça o meridiano de Greenwich.

É frequentemente difícil fazer perceber ao namorado/a o nosso real cansaço do fim do voo ao limite da suportação, e que não se foi fazer uma férias de prazer, que aquelas poltronas soft com braços e encostos dobráveis são destinados aos passageiros, não às hospedeiras, e que não temos tempo para deliciar-nos com aquele filme que projectam em primeira vista.

Chegamos exaustas, o nosso único desejo é aquele de dormir, sem distracções de qualquer género, porque trabalhamos ininterruptamente durante um larguíssimo período, superando mesmo vinte horas consecutivas em pé e atravessando fusos horários de múltiplos países.

Abro a geladeira e imediatamente saboreio o bife de lomo (lombo de bezerro) que Vale trouxe de Argentina e conservado no avião dentro de um carrinho com gelo seco durante o voo.

Na cozinha vendo a faca com a lâmina em cerâmica e varias saquetas de chá verde, pressinto o porquê dos caracóis revoltados de Ludovica: o voo para Tóquio dura mais ou menos doze horas, nem sequer a sua ondulação artificial dos cabelos sempre perfeita resistiu. Ludovica, antes de despedir-se de nós para o necessário repouso depois do voo, descreveu as suas impressões sobre aquela cidade tão frenética em contraste com a delicadeza dos habitantes, com a sua extrema timidez que lhe leva muitas vezes a rir colocando as mãos diante da boca, com as suas mil inclinações e peões nas ruas, denominadas pelas escritas incompreensíveis dos ideogramas japoneses.

Contou de ter estado no mercado do peixe Tsukiji, o mais grande do mundo, e mais limpo e organizado, de ter visto papelarias com nove pisos e bares que contem no máximo cinco pessoas; de se ter perdido em Harajuku, um bairro de moda na minúscula ruela Takeshita, entre as pequenas lojas de moda, frequentados por jovens de roupas vistosas e extravagantes; de ter tido conhecimento que existem restaurantes chamados Maid café, onde as empregadas de mesa dão de comer aos clientes, para demonstrar a sua submissão, fazem-nos massagens e os entretêm com danças e canções, como umas antigas gueixas; pelo contrário nos Butler café a servir as mulheres são os mordomos. Informou-nos que lá os preços das novas marcas de máquinas fotográficas e câmaras de filmar são muito competitivos e que se podem encontrar mesmo usadas, mas em perfeitas condições, como mesmo as ultimas novidades tecnológicas que ainda não chagaram na Itália, e que os relógios de prestigiosas marcas têm preços inferiores a 35% relativamente aos catálogos italianos, e encontram-se, também usados com garantia, nas lojas denominadas Best. Disse enfim, antes de atirar-se na cama pelo cansaço, que num restaurante chamado Al dente (Mal passado), os spaghetti (esparguetes) são excepcionais, quase muitos bons daqueles italianos, e que ficou entusiasmada pela massagem quiroprática feita na zona de Shinjuku.

Reportei também estas informações na minha lista das dicas.



Aprendemos, com os primeiros voos, simples, mas necessárias regras por seguir, que eu escrevi cuidadosamente numa pequena folha de papel e colei na geladeira com o íman apanhado pela Valentina em Buenos Aires, com figuras de dois bailarinos de tango, e com a escrita Bienvenido in Argentina, o primeiro dos tantos imanes provenientes de toda a parte do mundo que submersas literalmente no frigorifico, deixando seguidamente perder de vista aquele memorial que inicialmente foi muito útil para consultar antes de cada voo. Durante anos começou a fazer parte de mim.



Tal memorial assim dizia:

Coisas para não fazer:

- Não dar por acaso a impressão de ter pressa.

- Não falar nunca entre colegas durante o serviço de episódios pessoais.

- Evitar expressões nojentas ou indolentes e atitudes hostis.

- Procurar não usar nunca frases autoritárias tipo:

«Fecha a mesinha!»

«Cintura!»

«Telemóvel!» mas convidar gentilmente para seguir as directrizes.

- Não falar em voz alta com os colegas.

- Não desmoralizar-se ao encontrar uns lugares próximos a pessoas que viajam juntos fazendo eventuais afastamentos e sugerir para dirigir-se ao check-in com uma certa antecedência para er grandes possibilidades de atribuição dos lugares.



Coisas para lembrar

A – Requisitos base do pessoal embarcado: capacidade de garantir a segurança a bordo, responsabilidade e profissionalismo.

B – O passageiro tem a necessidade de conforto psicológico, protecção do stress e do medo de voar.

C – Elementos inevitáveis: cortesia, atenção e disponibilidade durante toda a duração do voo.



Percebemos com o tempo, que a nossa atitude é fundamental para contribuir na resolução de um problema a bordo.

Alguns inconvenientes e ineficiências eram justamente o objecto de queixas da parte dos passageiros e implicavam a necessidade de uma intervenção: conseguir comunicar claramente e procurar de resolver dificuldades e problemas que se apresentam a bordo não era sempre fácil.

Era preciso ter em conta a gravidade do problema, o contexto do momento, do carácter e do estado psicofísico do indivíduo com quem se relacionava, porque não se conhecia por acaso a pessoa com quem se relacionava, a situação que se poderia verificar e as possíveis posteriores degenerações que poderiam insurgir.

Com calma e determinação era fundamental assistir fazendo do problema do outro seu e apresentando-se como uma referência segura, perceber os motivos sobre o que aconteceu e equilibrar o problema.

Era importante escutar o que dizia o outro, mas também observar objectivamente a situação, informar e explicar com sensibilidade e responsabilidade, expondo com transparência as possíveis soluções.

Era preciso recordar que muitas vezes a insatisfação do passageiro era influenciado por factores externos tais como atrasos, trânsito difícil, embargos desorganizados, aeronave desconfortável, limpezas despachadas, pois um estilo compreensivo e proactivo podia ajudar-nos na resolução do problema.


Medo de voar



Eva, um dia de um longínquo Outubro, ficou insuportável depois das habituais discussões que se faziam sobre a ordem por manter em casa, porque as admoestações eram dirigidas sobretudo a ela.

Sentia as suas pragas, condimentadas com citações em língua napolitana, em contraste com a sua eloquência habitualmente desprovida de inflexão dialectal.

Serão as frequentes radiações cósmicas, os campos magnéticos, as vibrações ou o ruído dos aviões a causar estas mudanças de humor»

Ludovica, entretanto, decidiu reservar uma massagem ayurvédica para fortalecer os músculos, relaxar o corpo e estimular a circulação nas instalações da esteticista indiana que estava afecto nas proximidades, e me informou que a partir da segunda-feira seguinte faria dieta porque Eva lhe tinha dito que ultimamente lhe parecia pesada.

Eu estava encolhida no sofá, com confortáveis roupas de casa e um cardigan (casaco de malha) masculino informe cor bagaço de uvas, um xaile sobre as pernas protegia-me das primeiras correntes de ar do inverno e estava preocupada para me conceder um destaque mental, um relaxamento.

Não conseguia dormir porque a adrenalina do depois do voo não tinha passado ainda.

De repente assaltou-me a lembrança do dia apenas passado.

Tinha conhecido a bordo os cônjuges Lucherini: a senhora Lucrezia e o doutor Massimo.

Durante o embarque eu tinha notado logo uns sinais de tensão dos seus comportamentos: os dois se cingiam para ocupar os seus lugares, com a coluna um pouco inclinada, caminhando de forma rígida, com o queixo baixo, a cabeça inclinada para baixo e uma atitude passiva, dócil.

Os braços deles estavam direitos e esticados rigidamente ao longo dos lados, aqueles dela estavam cruzados, quase a proteger-se instintivamente, e ambos reparavam-se em volta, como se estivessem a procurar algo, uma via de fuga; as pupilas de ambos estavam de tal forma dilatadas para parecer afectos por midríase.

Os movimentos do corpo eram lentos e notava um ligeiro sorriso a mim dirigido, que retribuía com cortesia.

Estavam sentados rígidos, encostados na margem externa do assento, com um pé posto a frente e outro atrás, como se eles tivessem o desejo de fugir, mudando continuamente de posição, como se o assento queimasse.

O meu responsável, aparentemente o sósia de James Dean, sempre alegre, mas com uma nota triste quase imperceptível no seu olhar, deu-me sinal para me ocupar deles.

Aproximei-me ao casal, perguntando se precisassem da minha assistência, e a senhora disse não, enquanto abanava a cabeça como quem quer dizer sim, e começou a baloiçar com o busto, retendo o fôlego como quem não quer deixar-se notar.

Logo apercebi-me da situação. A senhora sofria duma perturbação, bastante comum para muitas pessoas, que cria variegados problemas e atinge de forma indiscriminada: o medo de voar.

Tinha estudado no curso como comportar-se nestes casos: o medo excessivo conduz ao risco de desembocar no pânico, o medo pode transformar-se intransponível e conduzir até a uma falta de controlo.

Os sintomas provocam vertigens, náuseas, nós na garganta, palpitações, transpirações frias, taquicardia.

Mesmo não pedidos, dei a eles alguns conselhos sobre o comportamento a adoptar em caso de má disposição: suprimir a ansiedade não faz nada apenas contribui para aumentá-la e é preciso, pelo contrário, aceitar os próprios receios e mostrar-se a eles com uma atitude positivo para conseguir geri-los e controlá-los.

Além disso, sugeri para eles nada de cafeína, um bom livro ou umas palavras cruzadas para manter a mente ocupada.

Durante a descolagem vi os seus rostos empalidecer-se e um aviso da chamada proveniente da posição deles.

Depois de ter soltado o cinto de segurança, aproximei para controlar a situação.

A senhora começou a abrir-se: «desculpe pelo incómodo» timidamente manifestou-se.

«Queria informá-la que estou aterrorizada, mal sinto uma mínima oscilação tenho a impressão que o meu estômago divide-se em dois. O meu problema é que o vácuo do ar provoca-me sensações desagradáveis. Tenho a necessidade de apanhar o avião para ir ao encontro da minha mãe, muito anciã, na Alemanha, e não posso prescindir.»

Vi que passou as mãos entre os cabelos e começou a atormentar-se, uma madeixa com um enrolamento frenético.

O marido a abraçou quase para acarinhá-la, um pouco arqueado e desajeitado com os lábios contraídos e as mãos suadas, mostrava, mesmo ele, claros sinais de desconforto.

«É perigoso o temporal?» perguntou-me com um volume muito baixo, mastigando bocados de palavras, sílabas e com contínuos movimentos dos músculos faciais.

As mãos do marido começaram a tamborilar com os dedos em cima da mesinha que estava a frente.

Com um tom calmo e decidido disse para eles: «não, está tudo sob controlo, não teríamos partido se houvesse qualquer perigo. Está tudo sob controlo» eu, disse de novo.

«A chuva não criará algum problema à nossa segurança, certas desagradáveis sensações de tédio será dado pelo vento, que provocará uma normalíssima oscilação.

Regressei para a galley/cozinha de bordo para organizar o trabalho junto da colega.

A senhora alcançou-me logo em seguida.

«Por favor, ajuda-me! Queria gritar, chorar. Cada voo é uma tragédia e eu começo a ficar nervosa mesmo um mês antes da partida, só de pensar em fazer a mala. Tenho vergonha disto, mas não sei como fazer., queria desaparecer!» ela, implorou com fervura e humildade.

«Esteja tranquila, poderia ter a impressão que o avião anda aos solavancos, mas é apenas o ajustamento da altitude.»

Aproximei-me lentamente, até chegar ao lado dela, sem hesitações.

Com um tom baixo, de forma clara e soletrando as únicas palavras: «não se preocupe, estou aqui eu» lhe disse, encurvando ligeiramente os ombros e me aproximando para tentar dar auxilio desejado, procurando de dissolver aquele seu embaraço, relaxar as suas ânsias.

Respeitava o seu medo irracional e compreendia o desconforto.

Agarrei-lhe o braço firmemente, apertando-lhe delicadamente com as ambas mãos e a reparei nos olhos para estabelecer um maior contacto.

Acompanhei-lhe de novo ao seu lugar.

A senhora assemelhava-se à minha mãe, mesma idade, muito educada, aparentemente frágil e nesta ocasião foi fácil entrar em síntese com os seus sentimentos.

Durante o voo, eu passei na cabina mais vezes, acompanhando-a com o olhar para tranquilizá-la.

Chamou-me à infinita vibração e eu procurei dissipar aquelas dúvidas e medos que persistiam e manifestavam-se através da sua postura sempre rígida.

Lhe disse que a segurança no avião tem um nível altíssimo, que os controlos técnicos e a manutenção são contínuos, e os pilotos perfeitamente treinados.

Durante a preparação da cabina para a aterragem perguntou com um fingimento despreocupado:

«Serão normais, estes alaridos, ou existe algo que não está bem?»

Informei a ela sobre a proveniência de todos os ruídos que poderiam provocar desconfiança: o posicionamento dos carrinhos, a abertura dos portalós, a aceleração e as variações dos motores, o derramamento através das asas de flaps e slats, o toque prolongado da campainha do nosso micro telefone, os avisos de chamada dos passageiros.

Sentia que apreciava saber estas notícias, mesmo continuando a roer as unhas, sem aperceber-se convidei-a para inspirar e expirar profundamente e lentamente para oxigenar o corpo para que os músculos se relaxassem, acrescentando sinais sobre a técnica do training autogéneo para um relaxamento progressivo.

A senhora agora aparecia sentada da maneira mais confortável, mais a vontade, como também o doutor Lucherini, ainda que no seu rosto permanecesse uma expressão incerta, um pouco de plástico, com a parte direita do seu sorriso ligeiramente posicionada mais para cima daquela esquerda.

«A senhora é o nosso anjo dos céus» disse ela.

Descendo houve apenas alguns ligeiros solavancos devido a travessia da perturbação e o voo terminou com uma aterragem suave.

«Senhores e senhoras, bem-vindos. Vos desejamos uma agradável estadia.»

Chegamos perfeitamente na hora certa em Frankfurt.

A senhora, antes de transpor a porta de saída, abraçou-me com subtileza e elegância e me disse: «obrigada.»

Era eu a comprovar reconhecimento pela sua amabilidade.

O marido apertou-me a mão com rigor e com uma renovada força, libertando a classe que o tinha caracterizado desde o inicio.

«Até a próxima!»

Estas eram as recordações do voo apenas feito, que reaparecem sem pré-aviso na mente quando estás para saborear de novo o calor de casa. Inesperadamente ouvi a porta a bater.

Eva tinha saído.

Puxei o cobertor por cima do rosto para atenuar a luz que entrava pela janela.

Finalmente em casa.

Este é cada vez o momento em que devagarinho os pensamentos começam a perder-se: algures.

Tudo acabado. Por hoje está tudo terminado.

O meu trabalho tem múltiplas dificuldades, mas certamente dum lado apreciável: quando tens terminado não as leva para casa. Não tens mais nenhuma tarefa a desenvolver uma vez chegado – excepção feita para os estudos por efectuar recorrentemente para o treinamento – e isto é muito torna-te sereno. Quando desces pelos escadotes do avião deixas tudo ali, a partir daquele mesmo instante podes voltares a ser tu mesma.

Ficam apenas as recordações.

E eu, todas as vezes fecho os olhos, e quando estou para adormecer, o escuro doado pela pequena máscara nos olhos invade-me como um tecido que devagarinho cobre de novo cada coisa: é aliciante, revitaliza a memória das coisas bonitas, aproxima-me suavemente ao sossego e me ajuda a apaziguar-me com o cansaço: a reaproximar-me a mim mesma, a reencontrar-me. Naqueles momentos, aquela paz e aquele silêncio hidratam de novo a minha alma.

Tinha chegado, desta forma o momento para relaxar.

Estava quase para adormecer perdendo-me entre os meus pensamentos, considerando que voar muito frequentemente – delimitados e apertados no interior dum avião – possa ser considerado anormal, o medo de desenvolver individuais receios inconscientes e remotas é absolutamente lícito.

E como muitas vezes acontece ainda hoje, à procura de mim lembrei naquele momento, episódios do meu longínquo passado, compreendendo ainda uma vez como são capazes de influenciar-te praticamente durante toda a vida.


A adolescência



Desde jovem, o facto de ter sempre pouco tempo à minha disposição foi motivo de sofrimento porque me sentia como prisioneira dos poucos espaços pessoais e dos breves momentos de liberdade concedidos, pois que devia atentamente e absolutamente respeitar os horários impostos.

Não era dona do meu tempo.

Recordei que até aos dezoitos anos o meu horário de regresso, nos poucos sábados de noite em que me tinha permitido de sair, era no máximo as vinte e duas e trinta.

Os meus amigos reuniram-se as vinte e uma para decidir onde ir comer, implacavelmente estávamos todos sentados à mesa não antes das vinte e duas.

Tinha sempre pressa, ficava nervosa se o empregado de mesa demorava chegar, não conseguia desfrutar da companhia dos outros porque sabia que deveria regressar muito cedo.

Tinha-me concedido apenas o tempo para fazer o pedido, esperando num célere serviço que me permitisse pelo menos de saborear aquela pizza, ainda que tinha perdido o apetite porque o meu estômago começava a ficar tenso e os sucos gástricos a misturar-se de novo pela agitação.

Seja como for, eu levantava-me da mesa já perfeitamente atrasado para chegar em casa à hora combinada.

Era sempre difícil convencer alguém para acompanhar-me interrompendo o jantar, mas o horário de regressar era incontornável e categórico e eu não possuía nenhum meio de transporte.

Durante o trajecto até a casa não era observado nenhuma proibição de velocidade, sob o meu inconsciente suplicável pedido.

Muitas vezes a luz vermelha dos semáforos era superada com desconsiderada inconsciência.

Tinha pavor da velocidade no carro, e tudo até agora. Via passar rápido como uma flecha, como dentro de um pesadelo, aquelas luzes nocturnas; os faróis dos outros carros e aqueles lampiões passavam muito veloz aos meus olhos.

Era o preço a pagar para evitar as humilhações e ferozes reprimendas ao meu regresso; se apenas tivesse arriscado em falhar, teria encontrado a porta de casa fechada por dentro e eu teria sido forçada a inventar alguma desculpa para tentar de não ver aquela careta ameaçadora no rosto do meu pai, irritado pela minha desobediência, da falta de respeito, mas também preocupado certamente.

Intimidação, punição e censura manifestavam-se repetidamente com gritos, bofetadas e novas mais rígidas proibições.

Tudo isto mesmo até mesmo por atraso de poucos minutos.

Poucos minutos.

Sem dúvida papá foi bastante severo.

Lembrei o dia em que estava felicíssima de ter tido a permissão para poder participar à festa de aniversário da minha melhor amiga, foram dias que procurava persuadi-lo.

Lá terei encontrado um miúdo, um colega da turma que me agradava muito.

Mesmo prestando atenção que o meu vestuário tomasse em consideração as preferências paternas, ou talvez seria melhor dizer rigores, pois a saia não muito curta, roupas não justas e sapatos sem o salto alto, resolvi de experimentar uma bolsinha de toilette para maquilhagem que me tinham oferecido.

As minhas mãos inexperientes exageraram ao pincelar nas bochechas aquele pó de arroz tão rosa e tão agradável aos meus olhos, e aquele batom tão brilhante, tão vermelho nos meus lábios deixava sentir-me mais linda, um toque de rímel teria completado a obra.

Tinha dezasseis anos e aquela maquilhagem resultou horrível aos olhos do papá, inadequado para a sua filha que tinha tentado de transparecer à uma miúda bastante sedutora.

Irritado, friccionou a sua mão com força sobre a minha boca distribuindo o batom sobre as bochechas para tentar desfazer aquilo que tinha cuidadosamente pintado na minha cara.

Os meus olhos começaram a lacrimejar e uma auréola negra formou-se nas minhas pálpebras já inchadas pelo choro; espelhei-me na casa de banho e vi a máscara de um palhaço.

Depois de me ter lavado com sabão que queimava os olhos, mas que tirou todas as manchas residuais do rímel e do batom, tive finalmente a permissão para poder participar e fui àquela muito esperada festa um pouco avermelhada e tímida, mas desprovida de maquilhagem.

Não consegui divertir-me.

Naquele período de adolescência que eu teria desejado fugir, ir para longe, partir, viajar, viver sozinha.

Os sonhos, armados de teimosia e força de vontade, realizar-se-ão, não sempre, mas percebi naquele dia, onde e quando nascem.

Pouco a pouco, dia após dia, mês após mês, ano após ano, sabia notícias importantes e experiencias necessárias para conseguir relacionar-me melhor com os meus colegas e com os passageiros que tinham personalidade e características multiformes e heterogéneas.

Imediatamente compreendi, todavia, que a organização base da minha vida decidia-se no fim do mês, através da esperada, sempre com muita impaciência, folha de turnos: uma tabela aparentemente anónima e fria que torna notável a programação laboral do mês sucessivo.

A companhia aérea inseria as comunicações oficiais nas caixas pessoais, uma espécie de fileira de infinitas caixinhas postais colocadas numa sala digna de um filme policial junto do aeroporto, ultimamente substituído através dos e-mails.

A folha de turnos, almejado mês após mês, causava-me ânsia, muitas vezes entusiasmo e grandes expectativas, as vezes desilusões por aqueles repousos, aqueles voos requeridos, aquelas ambiciosas férias pedidas que não eram sempre aceites.

Todos os compromissos, as dedicações, os casamentos dos quais poderia ser mesmo a testemunha, as eventuais finais das partidas de futebol de salão, os bilhetes reservados para a primeira fila no teatro, o adeus à vida de solteira da minha melhor amiga, o aniversário de um eventual namorado, o almoço de Natal, o aniversário dos meus pais, a semana de time sharing na montanha, o curso de tango das quintas-feiras a tarde tinham com frequência muito poucas possibilidades: a participação em todos os eventos devia de cada vez adequar-se às decisões tomadas pelo computador da Companhia do grupo de trabalho.

A partir daquele momento era possível aceitar ou declinar convites, tomar notas importantes, estabelecer horários desestabilizadores para ir ao ginásio, dar saltos mortais para chegar a tempo em qualquer lugar, ou chegar, mesmo atrasado, na reunião do condomínio, dizer adeus ao torneio de trunfo, mas em compensação ter a satisfação de ver Gigi Marzullo, acordados como lebres dado o fuso horário.

Os dias de descanso num mês eram mais ou menos dez, enquanto para os residuais vinte usava-se uniforme.

Eu, Eva, Valentina e Ludovica esperávamos sempre de ter horários e dias de partidas escalonados um do outro, seja para ter maior espaço em casa, como para uma melhor organização dos tempos sobre o principal inconveniente: estadia prolongada na casa de banho.

Era fácil que um voo iniciasse muito cedo de manhã e o despertador, à madrugada, programava-se habitualmente uma hora antes.

Depois do café da manhã rapidíssimo e um bom duche fortalecedor, usava-se o uniforme preparado no dia anterior, verificando se os sapatos estivessem polidos e as meias não estivessem desbotadas pelas lavagens ou danificadas.

Grande parte de nós tinha um segredo inconfessável: a camisa era usada dentro das horríveis meias calças, frequentemente graduadas para evitar o surgimento das veias varicosas e inchaços devidos à pressurização, porque só assim se podia evitar a saída da blusa da saia quando eram levantados os braços para arrumar as bagagens ajudando os passageiros.

Por baixo da saia era invisível!

Ajeitada a roupa, passava-se à maquilhagem cuidada, nos preocupava que os cabelos estivessem em ordem, depois se controlavam os documentos.

Na carteira de mão não deviam faltar o escapulário de voo, lanterna, caderneta de anúncios, manual operativo, meias de reserva, sapatos com salto raso para os percursos mais longos, luvas de pele para calçar. No aeroporto em Crew Briefing Center, centro de recolha de todas as tripulações, em cada uma das salinhas reservadas começava precisamente o briefing.

Reunia-se para conhecer a tripulação, apresentava-se, discutia-se sobre as questões críticas que manifestam uma crise do voo, sobre as condições meteorológicas, vínhamos informados sobre os aspectos comerciais, sobre o tipo de serviço e sobre os passageiros que estariam a bordo.

O enquadramento era quase tipo militar, existia uma hierarquia e como tal devia ser respeitada.

O chefe de toda a tripulação era o comandante, depois o co-piloto, a seguir os assistentes de bordo, no que diz respeito ao serviço fornecido e a relação com os passageiros, tinham como ponto de referência o responsável do próprio sector de trabalho que colaborava com o chefe da cabina, o qual dirigia o andamento do voo e mantinha os contactos com o cockpit, a cabina de pilotagem, isto é os pilotos.

No fim do voo, cada assistente era submetido a um juízo escrito e comparado, onde eram avaliados o profissionalismo, as competências técnicas, o conhecimento da língua estrangeira, a assistência dada aos passageiros e se o aspecto estético estava em conformidade com as normas.

E foi desta forma que os anos passaram, voo após voo, encontros acima de encontros, fusos horários e noites sem dormir, línguas diferentes entre elas, países tórridos e continentes gélidos, comidas condimentadas com especiarias e sabores delicados, céus serenos e turbulências impensáveis.





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A autora é uma hospedeira de bordo, e partindo de episódios reais sucessivos voando, consegue fazer respirar ao leitor o clima que se vive dentro duma companhia aérea, precisamente nos papéis da vida duma hospedeira, onde o trabalho e a complexa organização da vida pública e privada, consoante os horários, turnos e partidas, transformam-se quase num estilo de vida. É um livro que encara o tema do enriquecimento pessoal e a mudança, mediante uma viagem ao longo de vinte anos, ou talvez mais, que verá Ana transformar-se de rapariga ingénua e cheia de sonhos, numa mulher e mãe consciente e realizada, que consegue adaptar-se aos inelutáveis mudanças de vida, e habituada sempre de ter uma mala na mão viajando pelo mundo.

Ana é uma hospedeira de bordo que deixou a sua terra natal, a Sicília, para realizar os seus sonhos: viajar, ser livre e independente. Cansada de aturar as severas regras impostas pelos pais e pela sociedade onde vive, a protagonista rebelde e passional, um dia tem uma intuição e percebe que só a profissão de assistente de bordo poderá torná-la feliz, realizá-la. Começa desta forma uma existência da “mulher com as asas” que a verá dividida por meio entre o céu e a terra, entre países longínquos almejados por muitas pessoas, e a vida de todos os dias com os seus problemas comuns para todos os mortais. Uma dicotomia que se reencontra na estrutura do livro, onde as recordações da vida da protagonista, ora felizes e divertidos, ora tristes e dramáticos, são entrecortadas com as historias sucedidas a bordo, “janelas” de um mundo fascinante como aquele da aviação civil, pouco conhecido, mas complexo e estruturado. São assim ilustrados “usos e costumes”, fornecendo informações sobre os “voláteis voadores”, como no ambiente é chamado o pessoal navegante, dando ainda mais humorísticos conselhos aos passageiros.

A autora é uma hospedeira de bordo, e partindo de episódios reais sucessivos voando, consegue fazer respirar ao leitor o clima que se vive dentro duma companhia aérea, precisamente nos papéis da vida duma hospedeira, onde o trabalho e a complexa organização da vida pública e privada, consoante os horários, turnos e partidas, quase tornam-se um estilo de vida. É um livro que encara o tema do enriquecimento pessoal e a mudança, mediante uma viagem ao longo de vinte anos, ou talvez mais, que verá Ana transformar-se de rapariga ingénua e cheia de sonhos, numa mulher e mãe consciente e realizada, que consegue adaptar-se aos inelutáveis mudanças de vida, e habituada sempre de ter uma mala na mão viajando pelo mundo. Quais são os segredos duma hospedeira? O que acontece a bordo dos aviões? O que fazem as hospedeiras quando chegam ao destino? Como são instruídos? Como vive uma hospedeira a sua realidade privada? Como faz para organizar-se com as frequentes partidas? O que pensa na descolagem e aterragem? Mas as hospedeiras têm medo? O que lhe passa pela cabeça quando se apresenta uma emergência? Como instaura as relações coma tripulação? Como se gerem os passageiros mais difíceis? Quais são os defeitos dos passageiros? O que é a “pilotite”? Quais são os vários tipos de aproximação no avião? E as varias tipologias de passageiros? Quais são os conselhos para enfrentar uma viagem e o que levar na mala? O que prevê o “manual de sobrevivência a bordo”? Neste livro existem as respostas para estes e muitos outros quesitos.

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